O encurtamento da semana
Os pernileiros estavam cansados de trabalhar tanto. Era isso. Essa história de trabalhar cinco dias na semana e folgar apenas dois era muito, muito exaustiva.
A discussão começou no congresso, onde, ironicamente, eles já trabalhavam apenas três dias da semana (de terça a quinta). Eles já achavam o seu sofrimento basicamente incalculável – imagine, então, o sofrimento do resto da população, que tinha de trabalhar quase duas vezes mais?
Assim começou a proposta; deputados defendiam o projeto na câmara:
– Vejam os países nórdicos: Soessa¹, Tolega², Danamarca³! Todos eles têm este projeto de trabalhar apenas quatro dias na semana, e a produtividade de todo mundo aumentou de forma exorbitante! São países de primeiro mundo!
– Imaginem como seria o Pernil – falou outro – se todo o país trabalhasse apenas 32 horas por semana! Mas, 32 horas totalmente dedicadas ao trabalho! Segunda-feira não seria mais odiosa, porque seria um segundo domingo! As pessoas descansariam, viriam mais bem dispostas na terça-feira, trabalhariam com amor e ardor…
Com discursos tão inflamados, logo o Projeto de Lei ganhou força e, quando notaram, o presidente havia sancionado (obrigar as pessoas por lei a trabalhar menos sem diminuir seus salários? Isso era pedir para que ele fosse reeleito!) e ainda por cima mudado o nome de Segunda-feira para Segundo-domingo, que todo mundo começou a chamar simplesmente de segundo (confundiria um pouco com o horário, sim, mas você precisava entrar no espírito e ir pelo contexto).
E, assim, começou o encurtamento semanal do Pernil. No começo, todos acharam maravilhoso; mais horas para descansar, para ficar com a família, para assistir a séries idiotas e emburrecedoras no istrimingui… Não tinha como ficar melhor que isso!
Em Pernília, a capital do Pernil, por sua vez, o senado achou que, uma vez que a população estava trabalhando menos, não seria justo que sua semana começasse na terça; modificaram as coisas, e começaram a trabalhar na quarta, saindo na quinta ao fim da tarde. Estava ótimo!
Só que, embora fosse maravilhoso trabalhar menos, isso ainda não era suficiente; sexta-feira, o dia da alforria, acabou se tornando um dia muito estressante, porque todos ficavam ansiosos pensando na sua folga de três dias. Além disso, as estradas viviam cheias, porque sempre parecia feriado e todo mundo queria ir para a praia.
O congresso, sempre atento ao povo, logo resolveu dar um jeito nisso.
– Tem estudos mostrando que, no Tapão⁴, ao diminuir a jornada de trabalho para apenas seis horas por dia, as pessoas se tornaram muito mais produtivas! – anunciou um deles.
– Nosso projeto é de baixar para seis horas por dia a jornada de trabalho! Serão 24 horas semanais, dedicadas totalmente ao trabalho! A produtividade irá aumentar como nunca!
Interessado no bem-estar do povo, o congresso trabalhou como nunca, passou o Projeto de Lei, e o presidente, felicíssimo, sancionou; já havia garantido não só a sua reeleição, como cargos para todos os seus filhos com estas últimas decisões.
Pernileiros ficaram ainda mais felizes! Todo mundo sabia que eles passavam a maior parte do tempo no trabalho apenas embromando e que, de fato, eles não trabalhavam nem quatro horas por dia; assim, poderiam trabalhar pelas mesmas quatro horas e ainda ficar de boa por outras duas!
O senado, por sua vez, logo decidiu que, se o povo teria menos horas na sua agenda, eles também deveriam ter; assim, entrariam para trabalhar apenas na quarta após almoço e sairiam na quinta, após o almoço. Parecia muito justo.
Contudo, nem tudo eram flores; a maior parte das fábricas era mecanizada, mas ainda havia muita coisa que precisava de mão de obra humana. Sem poder baixar salários, os empresários tiverem de contratar mais – o que diminuiu o desemprego, aumentando ainda mais a popularidade do presidente. No entanto, isso aumentou o preço dos produtos, mexendo na inflação, que o presidente tentou compensar aumentando os salários (o que aumentou ainda mais os preços, em uma bola de neve).
Por outro lado, em outras áreas, como lojas, os empresários simplesmente se conformaram em fechar mais cedo ou deixar com menos funcionários em cada período. Assim, não era incomum você sair pelo Pernil para comprar algo e encontrar as coisas fechadas para a hora do almoço, hora da janta, hora da sesta, o dia todo, ou fosse o que fosse; as lojas tinham horários reduzidos, então as pessoas começaram a fazer filas. As escolas, por sua vez, em especial as públicas, não tinham como pagar horas extras para os professores, de modo que simplesmente começaram a mandar as crianças para casa mais cedo – tudo bem, já que os pais trabalhavam menos, não?
Toda essa situação começou a estressar ainda mais os pernileiros; ter de trabalhar com concentração total naquelas seis horas, sair correndo para comprar o que queriam ou pegar os filhos na escola, ter de aturá-los por duas horas a mais todos os dias! Isso era o pior! Sem contar o dia a mais em que eles não estavam na escola – como conseguiriam entretê-los por um dia inteiro?
Com os jornais mostrando cada vez pessoas mais estressadas, o congresso não teve escolha.
– Vamos diminuir mais um dia da semana! A sexta-feira! Quinta é a nova sexta!
Assim, diminuíram ainda mais um dia da semana; o povo passou a trabalhar apenas de terça a quinta, e apenas seis horas por dia. Os empresários, cada vez mais apertados no orçamento, passaram a cobrar que os funcionários trabalhassem mais. Se antes, nas quarenta horas da semana, eles trabalhavam apenas vinte, agora, com dezoito horas na semana, teriam de trabalhar pelas vinte originais – fosse lá como fosse!
E, o senado, que não era bobo nem nada, decidiu: iriam abolir mais um dia. Assim, trabalhariam apenas na quarta-feira, entre o almoço e o lanche da tarde. Logo, o congresso fez o mesmo.
Porém, estresse, correria, inflação, logo o presidente começou a perder popularidade e votos.
Caos e revolta popular! Logo, o povo corria pelas ruas, incendiando e gritando, quebrando coisas, com placas dizendo “Eu quero trabalhar””; “Quero a semana de 5 dias de volta!”, “Mente ociosa é a oficina do diabo!”, “Vendo crianças, pago bem” (este não foi bem quisto, mas muita gente compartilhava da ideia; cuidar das crianças 4 dias por semana? Era para deixar qualquer um maluco!) e assim por diante. O presidente não teve escolha e teve de revogar todas as leis que havia sancionado; a semana útil voltou a ter cinco dias, e o horário comercial, oito horas; trabalhadores voltaram aos seus postos felicíssimos, nunca antes tão dispostos a equilibrar adequadamente o seu dia: meia hora de trabalho, meia hora de procrastinação, das oito às cinco. Ó, glória!
Entretanto, embora a lei tenha afetado todo mundo, o senado e o congresso eram entidades à parte do mundo e continuaram trabalhando no ritmo anterior (afinal, eles precisavam discutir se acatariam ou não a nova lei, e só tinham sessões nas quartas-feiras à tarde, curiosamente o dia de pré-pré-estreia de filmes em Pernília, ou seja, não tinham perspectiva de discutir este assunto, ao menos não enquanto os filmes continuassem a estrear toda semana…).
Bem, ninguém se importou com isso, porque todos sabiam que eles não faziam nada da vida, mesmo. Talvez, fosse até melhor que ficassem lá quietinhos vendo as estreias do cinema.
Até que, certo dia, um deles teve a brilhante ideia:
– E se nós dividíssemos o fim de semana? Quarta seria o novo sábado? Não vou nem te contar o que aconteceu depois.
¹ Soessa: País nórdico que tem este nome porque, muitos e muitos anos atrás, havia uma restrição do consumo alcoólico. Imagine que os vikings vinham cansados de suas expedições, doidos por um hidromel ou fosse o que fosse que bebiam, e nos bares lhes serviam apenas uma caneca de dois litros? É lógico que eles gritavam: “Só essa?”, e o nome pegou.
² Tolega: Bem, Tolega não era nem um pouco boba e, vendo que Soessa tinha uma restrição à venda de bebidas alcoólicas, ela mesma nunca restringiu nada. Por isso, era comum os vikings pegarem seus navios, andarem um pouco mais e atracarem lá, onde bebiam até não conseguirem mais. E, quando lhes perguntavam se estavam bem para sair pilotando navios, tudo o que eles falavam era: “Tô lega…”. Não conseguiam sequer completar a frase.
³ Danamarca: completa o trio. Era um país esperto, pois sabia que as correntes trariam os navios dos vikings bêbados bem na sua marca territorial. Geralmente, lá os navios naufragavam (eles tinham fazendas de icebergs especialmente para isso), e havia toda uma indústria de piratas sóbrios especializada em saquear os navios naufragados de suas águas geladas.
Porém, na atualidade, vale notar, estes países ganham dinheiro vendendo petróleo, bacalhau e alugando vaga nas suas prisões vazias. Ninguém sabe onde deu errado (certo).
⁴ Tapão: País bem ao Leste do planeta Areia, também conhecido com a terra do sol nascente, tem este nome porque era comum uma competição em que o primeiro que visse o sol despontar pelo horizonte teria o direito de dar um tapa em quem quisesse. Daí, Tapão.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais