O Político Voador
Todo mundo sabe que políticos são os que criaram aquele ditado: vaso ruim não quebra. Isso não é novidade em lugar nenhum do mundo e, claro, no Pernil, não haveria por que ser diferente (embora lá seja a terra do contrário, e os ladrões corram atrás da polícia, os políticos continuam sendo salafrários): não tinha coisa mais rara que político morrer.
Podia ter um câncer terminal, era o câncer do político que morria.
Podia ter um tiroteio, a bala desviava e acertava o ladrão (quer dizer, o ladrão que não é político) ou um inocente aleatório.
Podia cair um avião, só restava o político lá, com seu cinto de segurança afivelado e o pacote de amendoim¹.
A grande diferença é que Asdrúbal decidiu capitalizar isso.
Asdrúbal era um deputado federal de Santa Paula e, como todo bom deputado federal, ninguém tinha muita certeza do que ele fazia exatamente. A sua semana de trabalho, como já tão bem descrevemos anteriormente, começava na terça-feira após o almoço e terminava na quinta-feira antes do almoço. Às vezes, se algum sessão de quarta-feira se estendia após as 17 horas, era de comum acordo que a quinta-feira deveria ser abolida. Bem, e às vezes, também, se o voo de terça para Pernília se atrasava (o que ele fazia costumeiramente, diga-se de passagem – literalmente), eles aboliam a terça.
Mas não vamos gastar tempo demais discutindo as horas de folga, quero dizer, de trabalho dos excelentíssimos políticos do Pernil. Falemos de Asdrúbal, um gênio dos negócios.
Porque, aproveitando-se do tempo livre que ele tinha na sua semana (e muitas vezes do tempo em que deveria estar na câmara, mas isso não vem ao caso no momento), ele decidiu abrir um negócio: segurança de voo.
Era muito simples: para onde você viajasse, Asdrúbal iria junto, no voo. Bastava comprar a poltrona logo ao lado, e os dois viajariam juntos, com um intricado sistema de segurança: um cinto, daqueles de escaladores, sabe?, mantinha Asdrúbal e seu clientes presos um ao outro. Isso significava que, não importa o que acontecesse com o avião, quem estivesse ligado a Asdrúbal sobreviveria, é claro.
E, assim, Asdrúbal atingiu ares nunca antes vistos! Todo mundo queria contratá-lo para sua própria segurança no voo. Tem uma viagem para Micaguei²? Bora contratar o Asdrúbal! É da família real britânica e não quer correr risco de acidentes? Better call Asdrúbal! É algum inimigo pessoal do Pudim³? Asdrúbal garante que você chegará ao seu destino em segurança! Zdorov’ye! Ele tinha uma agenda tão cheia, que basicamente passava o seu dia indo e vindo de avião (mas, sempre de primeira classe, claro!). Enchendo a sua conta de dinheiro de forma lícita (o que era algo relativamente novo para um político no Pernil, diga-se de passageiro), logo Asdrúbal viu a oportunidade de criar um império: começou a contratar funcionários (que não eram fantasmas! Pura inovação!) para poderem viajar com seus clientes, garantindo a segurança.
Havia uma série de níveis de proteção, conforme o que seu bolso poderia pagar: suplentes de vereadores, vereadores, suplentes de deputados estaduais, deputados estaduais, suplentes de deputados federais e, é claro, Asdrúbal, que não iria correr o risco de dividir seu posto com nenhum outro deputado federal. Se você queria muita, mas muita segurança, podia pagar para viajar com Asdrúbal e o seu suplente, um de cada lado. Praticamente impossível de o avião cair⁴.
Certo dia, o presidente (ele mesmo, Polvo, que estava de volta ao Pernil depois de vários anos afastado – quer dizer, preso, mas isso é história para outra crônica) chamou Asdrúbal ao seu gabinete.
– Asdrúbal, companheiro… O seu esquema primeiro me deixou curioso, mas agora, captou minha atenção – ele falou, oferecendo um copo de uísque. – Tenho uma proposta irrecusável.
A proposta era clara: ou ele dividia os seus ganhos com o presidente, ou ele iria dar um fim em seus negócios.
Asdrúbal engoliu em seco (quer dizer, mais ou menos, porque tinha o uísque, então foi só uma força do hábito). O que faria? Não havia como derrubar o presidente, todo mundo sabia que isso era simplesmente impossível! A não ser que…
Um plano começou a se formar em sua mente. Só havia uma coisa mais poderosa do que a sorte natural de um político, que torcia o espaço tempo para garantir que ele sobrevivesse: Cademeu Pudim!
Assim, apesar de concordar que iria dividir seus ganhos (60% para o Polvo e 40% para ele), Asdrúbal começou uma campanha de difamação do presidente por meio de deep fake⁵ e deep web, com vídeos construídos mostrando Polvo falando que odiava Pudim. Todos eles. Em trosso (e olha que ninguém sabia que ele sabia trosso, mas, claro, todo mundo acreditou, porque, se estava na internet e parecia totalmente inverossímil, ora, é lógico que é verdade!).
Pudim, como esperado, ficou bem bravo, e decidiu que iria se vingar na próxima visita oficial do presidente Polvo, no mês seguinte.
Polvo, assim, chamou o caro Asdrúbal ao seu escritório.
– Asdrúbal, preciso dos seus serviços, companheiro!
Afinal, por mais que ele fosse presidente e a chance de ele morrer fosse algo próximo de zero, eles não estavam lidando com um zé ruela qualquer: era Cademeu Pudim, pelo amor de Deus (e da Vodka!). Assim, eles encheram o avião presidencial de políticos; afinal, se já era difícil um político morrer, imagine um avião cheio deles?
Eu gostaria muito, muito mesmo, de dizer que o poder de Pudim foi maior e aquele avião caiu, levando consigo todos os terríveis políticos que representavam o Pernil, mas não. O avião chegou em segurança à Tróssia, claro, Polvo se encontrou com Pudim, demonstrou sua clara ignorância com a língua dos trossos, provando que o vídeo não poderia ser mais falso, declarou um amor incondicional à vodka e, depois de muitas bebedeiras e alguns acordos comerciais certamente desfavoráveis ao Pernil, dos quais Polvo se arrependeria depois (mas não mais do que da ressaca), voltaram todos ao Pernil, felizes, sorridentes e contentes (e com várias Matrioscas repletas de Vodka, para passar pela imigração).
O plano de Asdrúbal pode não ter dado certo (é certamente muito difícil vencer Polvo, o rei dos políticos do Pernil), mas ainda há mais uma aventura que vale a pena relatar: no Pernil, o político só é fiel a uma coisa: dinheiro. E, quanto mais dinheiro, mais fiel. Assim, a viagem para a Tróssia plantou suas sementes, e Asdrúbal colheu seus frutos pouco depois. Um ex-companheiro político de Pudim, após ter um vídeo vazado em que dizia não gostar de pudim de leite (mas de coco ele gostava!), estava com medo de seu voo de retorno à Hibérnia⁶ e decidiu contratar os serviços de Asdrúbal. Em certo momento, o nosso intrépido político soltou seu cinto de segurança:
– Preciso ir ao banheiro – disse.
Neste exato momento, o avião foi bombardeado e, enquanto ele se despedaçava e os passageiros eram tragados para fora, o cliente disse:
– Mas eu te contratei para me manter vivo! Paguei em dólares!
– Sinto muito – respondeu Asdrúbal. – Pudim me pagou em barras de ouro! Hahaê!
E foi puxado para fora, junto com uma mala que levava, ora só, quem diria! Uma asa-delta!
Enquanto o avião caía, Asdrúbal planou até uma planície dos estepes russos, onde montou um urso e voltou com honra e glória até Mascou, a capital da Tróssia. Enquanto isso, o ex-companheiro de Pudim virou pudim.
Tá, tudo bem, pode ser que isso seja mentira. Mas, você vai mesmo desconfiar de algo sobre o Pernil que acabou de ler na internet?
¹ Inclusive, cabe dizer, o cinto afivelado não é obrigatório: em 1995, Saulo Daluf estava voando de avião, quando outro avião passou logo ao lado, de forma totalmente irresponsável, e arrancou um pedaço da asa. Saulo estava, claro, sem o cinto de segurança (ah, vá, para quê?), e o avião começou a girar e girar e girar. Pois bem: o avião se partiu em dois, como o Titanic, e Saulo, dentre diversos outros passageiros, foi arremessado para fora. Só que, de alguma forma, ele acertou uma mala, que estava repleta de roupas de cama e, ainda girando, acabou envolto em um paraquedas improvisado.
Conclusão: todos presentes no voo morreram, exceto Saulo, que desceu a estilo Mary Poppins, ainda segurando o seu pacote de amendoins.
² Cidade muito, muito fria dos EUA, que tem esse nome pela sua relação história com infecções intestinais.
³ ademeu Pudim é o presidente da Tróssia há uns trocentos anos. O seu nome é, de fato, Pudim, o que, quando era mais jovem, não fazia muito sentido, mas, agora que está velho e ainda gosta de andar sobre ursos sem camisa, podemos ver a sua barriga balançando como um pudim. Até que faz sentido.
PS: os trossos não gostam que façam troça deles (perdoe o trocadilho), por isso mesmo que não é uma boa dizer que não gosta de pudim por lá. Qualquer que seja o pudim.
⁴ De fato, no Pernil, uma vez um avião com dois políticos caiu. Bem, não foi bem caiu; ele, apesar de ter perdido as duas turbinas, planou em segurança até uma plantação, onde aterrissou. Depois que os políticos foram retirados (antes de todo o resto, óbvio), o avião implodiu e, claro, ninguém sobreviveu. Pensando agora, o ideal seria ter tirado os políticos por último, não?
⁵ Vale dizer que o conceito de Deep Fake no Pernil é invertido. O normal, na internet, é todo mundo dizer mentiras e mais mentiras, e todos já estão acostumados a isso, ninguém acredita em nada do que lê. Assim, quando se faz um deep fake, na verdade, é para a pessoa dizer a verdade. Justamente por isso que é tão crível. Quanto mais absurdamente verdadeiro, mais as pessoas acreditam, apesar de contradizer o senso comum do Pernil (bizarro, né?).
⁶ Região muito fria, ao norte da Tróssia, para onde os prisioneiros vão para, literalmente, hibernar. Não no bom sentido.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais
Fulvia Golcman
13 de setembro de 2023 @ 15:24
Cabeça criativa de primo escritor é para se aplaudir!! Ótimo conto, David. Parabéns 👏👏👏👏
David Gonçalves Nordon
13 de setembro de 2023 @ 16:31
Obrigado!!!!
Fulvia Golcman
13 de setembro de 2023 @ 15:27
Parece q podemos comparar a algum outro país e seus governantes….
David Gonçalves Nordon
13 de setembro de 2023 @ 16:31
Qualquer semelhança é mera coincidência!