Trago seu amor de volta
Pelas ruas de Santa Paula, andava proliferando uma espécie de panfleto, que na verdade não era nada mais do que uma folha impressa em sulfite, de péssima qualidade, com os seguintes dizeres:
“Trago seu amor de volta. Resultado garantido ou seu dinheiro de volta. Pague depois. Julião. Zap Zap XXXX”
E, por mais incrível que você possa imaginar, caro leitor, isso era uma coisa muito rentável para o nosso amigo Julião, especialmente nesta época de crise, em que muitos relacionamentos terminavam porque os casais não conseguiam mais sequer sair de casa para se encontrar, de tanto que tinha subido o preço do combustível, da comida, do aluguel, enfim, de tudo (na realidade, o padre já estava até atualizando seu discurso, que terminaria assim: “Na alegria e na tristeza, até que a inflação os separe?”).
E Julião, que não era bobo nem nada, tinha um esquema muito bom: a pessoa entrava em contato com ele, passando as informações sobre a pessoa amada; Julião prometia que passaria o preço depois que avaliasse o caso; ele ligava para a pessoa amada, e fazia uma proposta indecente:
– Quanto você quer para voltar com o seu antigo namorado e ficar com ele por um mês, apenas um mês? Depois, pode terminar, não tem problema.
Porque este era o tempo de Julião conseguir outro telefone, caso fosse muita encrenca, ou de poder dizer: “Nunca disse que era para sempre. Afinal, a inflação aumentou ainda mais do mês passado para cá…”.
E, no final, ele fazia uma boa grana. Cobrava do cliente o suficiente para cobrir as despesas com o acordo com o amor perdido, ficava com um pouco para ele, e ia vivendo.
Julião já estava havia dois anos neste ramo, indo de vento em popa, quando se deparou com um caso bastante peculiar: Genivaldo, um cara um tanto sem sal, deveria dizer, enviou-lhe uma mensagem pedindo ajuda. Julião logo pediu os contatos da pessoa amada perdida, e o menino lhe enviou.
Ora, mas que surpresa! A menina perdida, que se chamava Jerusa, parecia mais uma modelo!
“Será que você consegue reatar o nosso amor?” o menino perguntou. “Estou perdidamente apaixonado por ela, mas ela não me quer!”
Não tem dúvida por que, né, moleque?, Julião pensou, mas não escreveu. “Vou avaliar o caso, mas acho que não vai ser fácil… Quanto você tem para investir neste seu amor?”
O garoto levou uma vida para escrever, mas finalmente mandou uma quantia bastante considerável. E, assim, exultante, Julião entrou em contato com Jerusa, falando que era o cara que costumava reatar casos de amores perdidos e que gostaria de falar com ela pessoalmente. Geralmente ele não fazia este tipo de coisa – a maioria dos seus contatos era por telefone, apenas, e isso lhe garantia o sigilo. Jerusa, entretanto, pareceu bastante aberta a um encontro – e, quem diria! na noite seguinte os dois foram a um restaurante.
Jerusa estava estonteante, sem dúvida a mulher mais bonita que Julião já vira, e ele, para falar a verdade, também não estava de se jogar fora. Falaram de algumas amenidades, Julião tentando falar sobre qualquer tipo de coisa, só para prolongar o encontro, mas, quando chegaram à sobremesa, não teve jeito; ele teve de falar de negócios.
Explicou como funcionava o seu esquema, e a garota pareceu muito interessada.
– Mas acho que, se você forçar um pouquinho, a gente consegue ainda mais dinheiro dele. Eu sei que ele tem mais, mas ele é mão de vaca.
Os olhos de Julião refulgiram.
– Ótimo! Vamos nos falando.
Mais tarde da noite, ele mandou uma mensagem para Genivaldo.
“Pode parecer esquisito, mas esta noite, pegue um sapo e costure um pedaço de pano com o nome da sua amada na barriga dele. Amanhã, ela será sua”.
Cego de amores, Genivaldo saiu pululando pelos rios perto de sua casa por três horas até achar o sapo e levou mais uma hora para costurar o pedaço de pano na barriga do bicho. Depois disso, havia criado tal simpatia pelo animal, que decidiu deixá-lo no seu antigo aquário de peixinhos dourados.
No dia seguinte, porém… Como combinado, Jerusa ainda não conversava com o garoto. Genivaldo ficou desesperado.
“Puxa vida, Genivaldo, vai ser mais difícil e mais custoso do que eu pensava… Se é que me entende…”
“Não, tudo bem, eu tenho mais dinheiro. Dinheiro não é o problema. Tenho mais XXX”.
“Vamos ver o que consigo”.
Naquela noite, Julião saiu de novo com Jerusa e aproveitou para enrolar mais um pouco e sair na noite seguinte, também. Só nesta ocasião que falou do valor que havia conseguido.
– Acho que a gente ainda consegue um pouquinho mais, ehm?
Julião estava definitivamente apaixonado! Jerusa, além de linda, era tão golpista quanto ele! Assim, mandou a ordem para Genivaldo.
“Pegue o sapo que você usou para a última mandinga” (Ufa, ainda bem que eu guardei ele no meu aquário!, o garoto pensou) “e amarre-o com cordas de violino nas costas de um gato persa”.
Não foi nem um pouco fácil achar um gato persa, e muito menos ainda amarrar o sapo nas suas costas com aquelas cordinhas. Uma madrugada inteira depois, Genivaldo, ainda morrendo de amor e com arranhões por todo o corpo, tinha guardado o gato com o sapo e o pano em uma gaiola, antes de ir para o hospital para garantir que não iria morrer de alguma doença infecciosa.
Mandou mensagem para Jerusa, com uma foto sua todo arranhado, tomando soro e vacina antitetânica no hospital; o coraçãozinho de pedra amoleceu um pouco, mas, para a surpresa de Julião, ela resistiu.
“Julião, ela ainda não me quer!”
“Gente, que mulher difícil!” ele respondeu.
“Não se preocupe, eu tenho mais XXXX”.
Os olhos de Julião cintilaram, e lá se foram mais três noites; estava apaixonado por Jerusa e tinha certeza de que ela também. Já faziam planos de viajar para praias paradisíacas com a fortuna que receberiam do pobre Genivaldo.
– Você só precisa ficar com ele mais um mês. Ah, quinze dias, vai. E a gente vai viajar, o que acha?
Ela concordou, e eles brindaram.
À noite, uma nova mensagem:
“Prenda um chihuahua na mesma coleira que o gato e dê vinte voltas em sentido antihorário no quarteirão. Esta mandinga é infalível. Tenho certeza de que ela será sua amanhã!”.
Genivaldo conseguiu um chihuahua. Conseguiu a coleira dupla. Prendeu a primeira no minúsculo cachorro; depois, a segunda no gato, ainda que ambos ficaram rosnando um para o outro; o sapo, infelizmente, não resistira a tanto tempo fora d’água e já estava começando a feder, mas o garoto achou que não tinha importância, porque o homem não tinha falado nada mais a respeito dele. E, assim, saiu para passear com os dois no quarteirão de sua casa, às duas da manhã.
O gato miava, o cachorro rosnava, o sapo fedia. E assim foram as voltas. Seis. Dez. Doze. Quinze. Na 16ª, o cachorro e o gato se atracaram; iam partir a coleira, fugir! Logo agora que faltava tão pouco! Mas Genivaldo, ah, esse Genivaldo! Não ia desistir. Agarrou os animais, segurando o vômito por causa do cheiro do anfíbio morto, e correu pelo quarteirão; os animais se engalfinhavam em seu colo, mas ele os apertou com força e seguiu. Sangue escorria por suas vestes, pedaços rasgados de sua camisa voavam pela rua, até que, finalmente, ele conseguiu. Na vigésima volta, caiu no chão. O cachorro havia desmaiado, o gato saiu correndo arrastando ele pela coleira, e o garoto ficou no chão, estatelado.
Às cinco da manhã, bateram sua carteira e seu celular.
Às seis, uma velhinha tropeçou nele e caiu; alguém viu, chamou uma ambulância, e só por isso o pobre garoto foi para o hospital. Às dez da manhã, já era notícia de um jornal sensacionalista (“Garoto quase morre em mandinga para reaver a mulher amada!”) e em exatos 35 minutos da veiculação da notícia, um vídeo dela chegava ao Zap Zap de Jerusa e Julião, que estavam juntos tomando café.
Jerusa achou que devia visitá-lo no hospital, para fazer valer o negócio.
– Em quinze dias, vamos viajar – ela disse para Julião, dando-lhe um beijo, antes de sair.
Eles reataram no hospital, foi veiculado na televisão, apareceu no jornal da noite, foi reprisado no programa dominical e, exatamente 37 segundos após esta veiculação, ninguém mais se lembrava de Genivaldo.
Julião recebeu seu pagamento, pois o garoto, embora todo machucado, tomando antibióticos e submetido a duas cirurgias plásticas reparadoras, estava feliz por ter recuperado o amor de sua vida. O trambiqueiro repassou a parte da trambiqueira, e doze dias depois estava no aeroporto de Angolonhas, o segundo maior de Santa Paula, esperando pela sua amada.
Só que…
Nem o coraçãozinho de pedra da trambiqueira resistira às desventuras pelas quais Genivaldo passara. Ela estava apaixonada pelo seu cavaleiro romântico! Havia esquecido Julião totalmente!
Quando ele lhe enviou mensagens sobre todas as noites que haviam passado juntos, sobre toda a história de uma semana que tinham, tudo o que ela respondeu foi:
“Está tudo acabado. Genivaldo é meu amor verdadeiro!”
Diacho de mandinga forte que ele criara! Nunca imaginara que ela seria tão forte!
Julião viajou sozinho para Guilherme de Bolonha, uma ilha paradisíaca na costa do país Pernil. Estava lá, na praia, deprimido, tomando sua água de coco, quando viu, colado em um poste:
“Trago de volta sua pessoa amada. Pagamento após resultado. Welinton. Zap Zap: XXXX”.
Ele ergueu as sobrancelhas.
Dinheiro ele tinha, das passagens que cancelara de Jerusa.
Por que não?
Pegou seu celular para ligar. Ainda havia esperança.
Nota do autor, outubro de 2021: tive esta ideia depois de ver, logicamente, inúmeros cartazes com esta proposta próximo de um local onde eu trabalhava aos domingos. Inclusive, acredito que o escrevi durante o plantão, entre um paciente e outro. Acho uma das melhores crônicas do País Pernil!
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais