O destrambelhado palavreado aparvalhado
Meu Deus! Quem foi que fez este começo asqueroso de crônica? O destrambelhado palavreado aparvalhado é decerto um impropério de último grau! Mas, sabem o que é o pior? Não é não. É o mesmo que se dizer o desnorteado vocabulário bobo, ou algo do gênero. Se era tão mais simples – e bonito – dizer algo assim, por que estas palavras complicadas? Eu sei, porque os lingüistas não têm mais o que fazer, está bem. Mas, então, de onde vêm estas palavras? Já sei o que vai dizer: da cabeça deles, certo, claro, mas eu quero dizer que elas devem vir de outro lugar, não é? Ou elas surgem por geração espontânea?
Por exemplo, devagar. Vamos separar esta palavra em de e vagar. Quando se diz devagar, então, quer se dizer que se estava de vagar. E vagar é a mesma coisa que andar sem destino, vaguear. Logo, quem está andando devagar, na verdade não está indo a lugar algum! Por isso que devagar se vai longe! De tanto se vagar, tem de se chegar a algum lugar.
E divagar? Se separarmos em di e vagar, teremos um “vagar duas vezes”. Logo, quem divaga não devaneia nem fantasia, mas sim vaga duas vezes mais. Se é deste modo que se encaram as coisas, o ditado deveria ser “divagar se vai longe”, ou então “devagar se vai longe, e divagar, duas vezes mais”.
Se guerreiro é de quem luta em guerras, guerrilheiro, em guerrilhas, fuzileiro, aquele que cuida de fuzil, e barbeiro (além daquele paquiderme no trânsito), aquele que cuida da barba, bombeiro deve ser aquele que cuida de bombas, já que se trata de uma clara união de bomba com eiro (que no caso significa “aquele que cuida”, como se evidencia em caseiro). Deste modo, chego à conclusão de que Bin Laden não é um terrorista, mas sim um bombeiro, do mesmo calibre que George W. Bush.
Calibre. O que seria isso? Uma união de Cal com Libre. Mas o que é libre? Libré significa farda, uniforme ou aspecto exterior. Logo, uma arma de tal calibre significa que usa uma farda de cal. Ou uma farda de cá. O que seria mais lógico, uma vez que cal não usa farda, porque não cabe.
Caber. De onde vem caber? Para mim, se querem saber, é um aportuguesamento adverbial de efeito da palavra cab, do inglês, que significa táxi. Tem lógica, claro: por exemplo, quando se vem da fronteira em um táxi, cheio de contrabando. Eles acham lugar lá para caber até a sogra do vendedor. Daí veio a palavra: caber é a mesma coisa que colocar no cab, ou táxi, uma vez que nele cabe de tudo, desafiando as leis da física.
E desafiar? O que é isso? Se des é a mesma coisa que fazer ao contrário, e afiar é o mesmo que amolar, eu diria que desafiar é a mesma coisa que não amolar. Ou seja, se alguém estiver te enchendo o saco, vira para ele e fala “Desafia, seu chato!”. E ele vai desafiar.
Também pode ser cegar, uma vez que uma faca não afiada (ou desafiada) é cega. Portanto, uma pessoa cega é desafiada. E se dizer desafiada visualmente, como muitos falam, é puro pleonasmo.
Cegos me lembram trombadas. Sabem de onde surgiu a palavra trombada? Até onde me chegam os conhecimentos, tem a ver com trombas. É porque, antigamente, na África, os elefantes tinham trombas de mais de quatro metros, e elas ficavam caídas no chão, fazendo com que quem não olhasse para frente tomasse uma trombada, caindo no chão em seguida. Profundo, não?
Por fundo do poço, só se for. Profundo deve ter surgido junto de trombada, então, pois as pessoas tomavam trombadas e iam por fundo do lago, pro fundo da poça, do poço, do mar, do que você quiser.
Falando em mar, isto me lembra de golfinhos. Golfinhos, para mim, é um diminutivo de golfo. Acho que golfinhos eram avistados aos montes em golfos, especialmente no do México, daí surgiu golfinhos do México. Meigo, não?
Agora, sempre que penso em México, penso em Tequila, que me lembra álcool, que é inflamável. Inflamável. In, de dentro, ável, de possível, e flam, de flã, aquele delicioso pudim. Logo, se uma coisa é inflamável, é possível colocá-la dentro do flã. Mas o que se coloca dentro de um flã? Algo inflamável, sei, obrigado pela resposta redundante.
E obrigado, vem de onde? Quero dizer, você pede e fala “por favor”, tudo bem, quer dizer que você está pedindo um favor, depois que você diz obrigado, a pessoa responde “de nada”, ou “por nada”, o que quer dizer que não custou nada fazer isso. Mas, daí para obrigado? Em inglês se diz agradecido, em alemão, agradecido, em espanhol, graças, ou agradecido, mas, por que diabos no Brasil é obrigado?
Será que porque as pessoas ficavam irritadas por fazerem favor, já que brasileiros são meio… Ahm… Preguiçosos? Então se dizia “Ô, brigado, agradeço por isso”. Devem ter resumido daí para simplesmente obrigado. E dali para brigado, ou brigadúúú, tudo depende do estilo.
Se for assim, brigadão por ler meu texto.
Nota do autor, outubro de 2020: Esta crônica deu origem a um livro, que foi publicado em 2015 pela Editora Evoluir, intitulado “O Mais In-crível Disse-o-Nário”.
Eu tive também de remover algumas coisas da crônica original, que, em 2004, não teriam problemas, mas, atualmente, seriam um tanto politicamente incorretas.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais