Hora Marcada
Quando se casaram, já eram pessoas ocupadas, mas não tão ocupadas assim; ainda conseguiam se ver com bastante frequência. No entanto, o tempo foi passando, as agendas foram apertando, e ambos estavam sempre trabalhando. Em casa, ficava um na sala, com o notebook, assistindo à televisão e revendo relatórios, para ganhar tempo, e o outro, no escritório, usando o computador e a tábleti, os dois ao mesmo tempo, também para ganhar tempo.
Quando se conversavam nestas ocasiões, tinha de ser online. Estavam no meio do trabalho, quando surgia a pequena mensagem na tela; os diálogos, porém, eram simples.
“Vamos dormir?”.
“Preciso terminar um relatório”.
“Td bem, qm sabe amanhã deitamos juntos”.
E assim foi indo. Um dia, mandaram a proposta um ao outro de um encontro.
“Q acha de sairmos p/ jantar amanhã?”.
“Putz, tenho 1 reunião até as 20. Que tal sábado?”.
“Vou viajar p/ Argentina, volto soh na terça”.
“Deixa eu ver… Tenho 1 vaga na outra semana. 5ª”.
“Perfeito! Onde?”.
“Te mando o convite até semana q vem. A gte se encontra lah”.
Porém, quando chegou o dia, ele mandou mensagens no celular, avisando que iria atrasar; ela sequer respondeu. Com uma hora de atraso, pegou a mesa reservada, mas ela não estava lá. Pediu um vinho, esperou e, depois de meia hora, recebeu uma mensagem.
“A audiência vai demorar d+. Vamos comer aki. Remarcamos?”.
Ele ficou até um pouco aliviado; tinha muito para pôr em dia.
“Te aviso a data”, respondeu, simplesmente.
Ela mandou uma piscada.
O casamento não durou muito tempo. Um ano depois, através de mensagens, decidiram que deveriam se divorciar. Contudo, marcar um horário na agenda para assinar os papéis foi um drama; decidiram deixar sobre a mesa, e cada um que assinasse quando pudesse.
Mas também não tinham tempo de procurar apartamento, mudar-se ou achar um novo parceiro, de forma que ainda estão lá, no mesmo lugar, dividindo as contas como antes, sequer separados no papel, porque ninguém teve tempo de levar as papeladas adiante.
Porém, ainda se conversam vez por outra por mensagem.
Nota do autor, setembro de 2021: pois é, este é um belo conto de fadas urbano! Rsrsrs. De onde surgiu a ideia? Bem, ocasionalmente eu e minha esposa fazemos isso, especialmente nas épocas em que trabalhávamos mais (tive épocas de 100, 110 horas por semana). Mas, ainda bem, continuamos juntos! Não seguimos o destino deste conto de fadas, não.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais