João e Maria e a Bruxa Diabética
Vocês com certeza já ouviram aquela história de João e Maria e a bruxa má que morava na floresta e tentou devorá-los, certo? Bem, eu vou contar uma outra história para vocês. Uma história bem diferente, mas bem mais compatível com a realidade.
João e Maria moravam em uma cidade grande, no meio de uma comunidade, com mais dez irmãos. Os dois eram os gêmeos do meio, e tinham a idade perfeita para, por ordem de sua mãe, ficar nos faróis pedindo dinheiro, enquanto ela cuidava dos mais novos, sentada na calçada.
Bem, um dia estava chovendo muito, e João e Maria não conseguiram ficar lá, na rua, pedindo dinheiro, porque os carros passavam na maior velocidade e os encharcavam com ondas e mais ondas de água. A mãe deles tinha ficado em casa com as crianças mais novas, e os mais velhos estavam se virando por aí para conseguir dinheiro.
O que restou aos dois, então, morrendo de fome e sem nem dinheiro para pegar o ônibus para casa? Foram procurar comida em algum lugar. E, perambulando pela cidade por ruas que eles ainda não conheciam, em meio a diversas mansões dos ricos e milionários, eles encontraram uma loja de doces. Assim que entraram, seus olhos brilharam: doces e mais doces espalhados por todas as paredes, prateleiras, chão, teto! Tinha tanto doce, que a loja parecia feita de açúcar, em seus tijolos, em seus móveis, até os ventiladores pareciam pirulitos coloridos gigantes!
– Uau! – exclamaram.
Uma mulher, muito gorda e com uma verruga peluda na ponta do nariz, estava atrás do balcão, mas, ao tentar se levantar para receber seus clientes, ela caiu no chão com um estrondo que balançou toda a loja e ainda fez alguns doces caírem das prateleiras.
João e Maria, assustados, correram para ajudar a mulher.
– Minha injeção… Minha injeção! – ela dizia, apontando para algo no balcão.
Maria, que era de longe a mais esperta, viu rapidamente uma injeção no suporte atrás do balcão e, conforme a mulher levantava sua blusa para mostrar uma barriga enorme, cheia de pequenas marquinhas de aplicações anteriores, Maria foi lá e aplicou a medicação.
Eles ajudaram a enorme senhora a se sentar e, pouco depois, ela voltou a si.
– Obrigada, meus ratinhos molhados – disse ela, pois eles eram, de fato, pequenos e magrelos como ratinhos e mais molhados que um peixe. – Eu tenho uma doença grave, diabetes.
– Sim, vovó também tem – falou Maria.
– Preciso tomar meus remédios… Mas o grande problema! Ó, o grande problema! É essa perdição! – ela falou, apontando para tudo ao redor de si.
– A senhora bem que podia vender uma coisa mais saudável, não? – perguntou João, que era o mais metido a esperto.
– E você acha que comida saudável dá dinheiro? O povo quer é doce!
Nisso, a sineta da porta bateu e um cliente entrou, apesar da chuva torrencial do lado de fora.
– Meninos, me ajudem a ficar de pé – ela falou, mas era pesada demais para eles. – Ah, que lástima! Não vou conseguir atender os clientes!
– Fique tranquila – disse Maria. – Nós damos um jeito!
E, subindo no banquinho, os dois ficaram no caixa. Maria não sabia fazer conta de cabeça, mas sabia usar uma calculadora, e João tinha certeza de que daria conta de colocar as coisas na sacola.
O cliente, quando se aproximou com a cesta cheia de doces, estranhou as crianças e deu uma olhada por cima do balcão. Do chão, a enorme senhora acenou.
– Está tudo bem aí?
– Só estou descansando – ela falou. – Os meninos vão atender por mim!
– Ceeeerto… – disse a pessoa, sem pensar muito.
Maria passava, assim, item por item, enquanto João ensacava. Depois, com o total somado, a pessoa quis pagar no cartão, e Maria não fazia a menor ideia de como operar uma máquina daquelas, mas o cliente diligentemente explicou como funcionava, e Maria pegou de primeira. João entregou a sacola com primor, e o cliente se foi, satisfeito.
– Muito bom, meninos! – disse a senhora, ainda tentando se levantar, mas, sem sucesso. Nisso, a sineta tocou novamente.
E, assim, passaram a tarde; depois de um tempo, a senhora conseguiu se recuperar e se levantou, mas logo passou mal de novo.
– Minha glicemia deve ter caído!
Eles a ajudaram a medir com um aparelhinho que usava uma gota de sangue e, de fato, ela estava com pouco açúcar no sangue.
– Vamos, me deem aqueles canudinhos de açúcar!
Em pouco tempo, ela se recuperou e explicou que era assim o seu dia a dia.
– Não consigo controlar direito, fica sempre subindo e descendo…
O dia passou rápido, com mais altos e baixos de açúcar e, finalmente, foi a hora de fechar a loja.
– Obrigada, crianças, vocês me ajudaram muito – disse ela, dando-lhe vários chocolates.
– A senhora vai embora pra casa agora? – perguntou João.
– Eu moro aqui, no andar de cima – ela falou.
O cérebro dele deu um tilt ao imaginar aquela mulher tão pesada subindo as escadas.
– E vai ficar tudo bem com a senhora? – perguntou Maria, preocupada.
– Ah, fiquem tranquilas, crianças. Eu vou ficar bem, só preciso chamar o resgate umas duas vezes por semana, eles já estão acostumados.
Os dois se entreolharam e, sem nem falar uma palavra, como bons irmãos, tomaram uma decisão em conjunto.
– Podemos ficar e ajudar a senhora?
Ela sorriu por trás dos óculos fundo de garrafa, sacudindo a verruga peluda.
– Ah, mas claro!
O tempo passou; João e Maria ajudavam a velha senhora com suas medicações e atividades diária, limpavam sua casa, faziam sua comida (com pouco sal, pouca gordura e nada de açúcar, diga-se de passagem) e ajudavam na loja. Em troca, tinham uma cama de verdade para cada um e três refeições por dia, além de doces à vontade.
– Mas, não comam demais, se não vocês vão ficar iguais a mim! – ela disse.
Depois de alguns meses, os dois aprenderam a ler e escrever de verdade e a fazer as operações matemáticas mais básicas; a velha senhora abriu uma conta no banco para cada um e foi depositando um pagamento; e, quando os dois já estavam quase na idade adulta, infelizmente, a senhora morreu por complicações da diabetes. Mas, como ela dizia, sem as crianças, ela não teria conseguido chegar tão longe, de forma alguma!
A loja ficou uma semana fechada, em luto, e eles ficaram morando na casinha dela, enquanto isso. Por fim, quando decidiram que já estava na hora de abrir novamente, um homem de roupa social apareceu, apresentando-se como irmão da velha senhora.
– Ela não tinha filhos – ele disse. – Então, todas as suas coisas passam para mim, tanto a casa, quanto o negócio dos doces.
E os enxotou.
João e Maria saíram andando pelas ruas, desalentados no meio da chuva, e voltaram para o barraco onde antes moravam. Seus irmãos haviam crescido; muitos tinham ido embora, outros haviam nascido, alguns haviam morrido, alguns já tinham seus próprios filhos para cuidar, e a mãe deles continuava lá no farol, pedindo dinheiro.
Sem qualquer outra opção, João e Maria voltaram ao mesmo farol de sempre, onde passaram uma semana pedindo, mas perceberam que nem de longe tinham tanto apelo como aquele que tinham quando crianças. O que fariam? Já estavam “velhos” e sentiam que tinham perdido um tempo valioso de sua vida e ficado de mãos abanando!
E, de repente, um homem de terno e óculos de sol parou um carro chique logo ao lado deles e abriu a janela.
– João e Maria? Que trabalhavam para a dona Bete, da Doce Veneno?
Os dois concordaram; como aquele cara sabia quem eles eram?
– Eu sou o procurador da dona Bete. Ela me falou, antes de morrer, que iria mesmo encontrá-los aqui. Tomem.
Ele entregou um envelope para cada um.
– São os dados das contas de vocês, que vocês podem acessar quando tiverem mais de dezoito anos. O que deve ser… Ah, hoje!
Era aniversário dos dois, e eles nem sequer sabiam?
Aliás, o que deveriam fazer com aqueles envelopes? Do que aquele homem estava falando? Os dois ficaram parados, olhando para os envelopes. O homem suspirou.
– Ah, o que eu não faço por Bete? Venha, entrem aqui, vou levá-los ao banco.
Lá foram eles, e João e Maria descobriram que tinham uma verdadeira fortuna depositada, rendendo juros por anos e anos de toda a sua infância.
– A dona Bete disse que queria que vocês investissem isso em algo bom para a sua família. Usem com sabedoria! – disse o procurador, antes de sumir em seu carro chique, deixando, ao menos, cada um com um cupcake de aniversário.
Os dois se entreolharam e sorriram com os dentes sujos de chocolate, lembrando-se de Bete e suas delícias.
Pouco depois, João e Maria abriram, lado a lado, duas lojas: uma de doces, chamada de “Doce Encanto”, e outra de comidas saudáveis, logo ao lado, chamada de “Doce remédio”. Com o carisma dos dois, a loja cresceu, eles contrataram seus familiares e, agora, têm até uma franquia espalhada por todo o país. Muito melhor que aquela história de sair roubando a bruxa má, não é?
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais