O Homem da Mão de Fungo
Houve uma vez em um certo tempo um garoto apelidado de Tronco Velho. Por que apelidado assim? Por causa de sua cor, a qual lembrava muito o supracitado elemento (ah, o que não fazer para evitar a repetição!).
Bom, com o tempo, este garoto cresceu e o apelido parou de persegui-lo.
Casado, com dois filhos e uma maravilhosa esposa cor de terra também, ele vivia feliz em uma casinha, trabalhando como engenheiro. Entretanto, não ganhava muito, e tinha de sustentar três pessoas em casa, mais a sua mãe e os dois cachorros, de modo que a família não era, de todo, muito bem de vida. Todas as noites ele rezava para que ganhasse um pouco mais de dinheiro, para poder sustentar a família.
Até que, um dia, ele acordou com dois cogumelos nas costas de sua mão direita. O que era aquilo? A sua esposa o encarou com asco; os seus filhos o encararam com surpresa, chamando-o de homem da mão de fungo, divertindo-se aos montes com a situação; os cachorros cheiraram e latiram; a mãe não conseguiu ver direito, e, achando que era um cubo de gelo, indagou como ele o mantinha lá, parado.
– São cogumelos! – exclamou ele, olhando para a sua mão.
– Como cresceram cogumelos em sua mão? – perguntou a esposa, incerta.
– Não sei! – alegou, pensando em como era irônico acontecer isso justamente com uma pessoa com um apelido como o seu.
– Muito estranho…
– Vou tentar arrancar – disse.
Com uma faca e muito cuidado, ele arrancou bem rente à pele o cogumelo, e parecia que nada havia surgido lá.
Em pouco tempo, todos esqueceram isso, até que, no dia seguinte…
– Três cogumelos! – exclamou. E, sem hesitar, arrancou-os.
E assim o tempo passou; em questão de dias, como cogumelo não morria, mas sobrevivia de outros cogumelos, havia praticamente uma plantação no lixo deles. Sem saber o que fazer e sem comida para comer, em um dia de desespero, a dona de casa pegou alguns cogumelos e os cozinhou; eram deliciosos, apesar do toque canibalístico.
Os dias se passaram, até que, um dia, um homem misterioso parou à casa deles, à noite, falando que era um errante perdido (o que é um tanto pleonástico e paradoxal ao mesmo tempo); sentiu o cheiro dos cogumelos, e comentou que, fossem o que fossem, deveriam ser deliciosos.
O jantar foi servido e, conforme ele comia, comentou que reconhecia o sabor…
– Este cogumelo… Não é um cogumelo comum. Vocês têm algum cru, ainda?
O dono da casa trouxe os cogumelos e lhe mostrou.
– Nossa! São trufas! – exclamou.
– Trufas não são de chocolates? – indagou ele.
– Não. Quer dizer, também. Mas estas trufas são fungos que só nascem em carvalhos, na Europa. Como que vocês conseguiram isso aqui no Brasil?
Os dois anfitriões se olharam, e o homem explicou a situação.
– Impressionante. Você poderia ficar rico, se pusesse à venda.
Quem era aquele homem que aparecera misteriosamente? Eles não sabiam, mas seguiram seu conselho; no dia seguinte, ele raspou os 50 cogumelos que haviam surgido não só em sua mão, mas também em seu braço, e levaram para o mercado, onde conseguiram um grande valor. No dia seguinte, mais 50 cogumelos. E, em seguida, mais e mais.
Progressivamente eles se tornaram mais ricos, monopolizando o mercado, até um ponto em que um grupo de protestantes veio à sua casa reclamar da dominação do comércio; Trufas para todos!, exclamavam. Sitiaram a casa por semanas, ameaçando só sair de lá quando as trufas fossem distribuídas gratuitamente; os vendedores tentaram reclamar na OMC, falando do absurdo que era tudo aquilo, mas a burocracia os impediu; e, desesperados, com sacas de cogumelos guardadas, já que não conseguiam escoar os produtos, mas apenas 5% para o mercado negro que ocorria pela porta dos fundos, eles arremessaram as trufas para a população irritada.
Um espião, contudo, entrou na casa deles um dia pela manhã, tentando descobrir qual era o segredo para que produzissem tantos fungos, uma vez que não possuíam um carvalho; e, quando descobriu que eles vinham do braço do homem, ficou chocado; a população inteira parou de perseguir as trufas canibais, e o homem foi acusado de… Bom, não havia nenhum título para aquilo, apenas Vender-partes-de-seu-corpo-como-se-fossem-trufas-e-assim-propagar-o-canibalismo, o que era evidentemente proibido naquele país (e em todo o mundo civilizado, convenhamos).
A família caiu em desgraça e o patriarca foi preso; desanimado, parou de barbear os cogumelos, que já cresciam por suas costas e braços. Posteriormente, foi condenado à pena de morte e, poucas horas antes de ir para a forca, virou um fungo gigante na cela da prisão; o faxineiro veio, aplicou um monte de Vidrex com O2, e, em poucos segundos, o ser se dissolveu. Um problema resolvido.
Já a esposa, que não sabia o que fazer nem como alimentar a sua família, pediu, desesperada, para uma estrela no céu, por uma solução.
No dia seguinte, em sua mão esquerda surgiu uma trufa de chocolate…
Nota do autor, setembro de 2021: esta crônica segue a fórmula de várias outras dos Contos de Fadas Modernos. Não é a minha favorita, mas eu gosto de uma história tão inusitada! Mas, e aí: você acha que era canibalismo mesmo comer estes cogumelos?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais