Pedro Panela
Muitos conhecem a história de Peter Pan, o menino que não queria envelhecer. Por isso, morava na Terra do Nunca, um lugar maravilhoso onde ele poderia voar, não tinha de respeitar nenhum adulto, e ainda por cima lutava contra um capitão malvado com um gancho no lugar da mão.
Bem, essa é a história bonita que a indústria cinematográfica trouxe para todos vocês. O que ninguém nunca quis falar, na verdade, é: e o Pedro Panela? Ou ator que trouxe à vida Peter Pan?
Pois é. Por essa, ninguém esperava.
Porque, na realidade, nosso caro Pedro, em seus cinquenta anos de idade, continuava com a mesma estatura de uma criança de 12, 13 anos, as mesmas feições, o mesmo tudo. Portador de uma doença no mínimo misteriosa, enquanto tudo ao seu redor envelhecia, ele permanecia lá, exatamente igual. As memórias e as experiências se acumulavam, mas todos juravam que ele era apenas um garoto, um garoto que não crescia – e que, talvez, nunca sequer morreria. Esta é a história dele.
Pedro estava do lado de fora do estúdio, fumando um cigarro; ao menos, lá, todos o conheciam e ninguém olhava torto quando ele estava fumando. Nas ruas, sempre achavam um absurdo uma criança tão jovem com um cigarro na mão, e ele mandava com seu vozeirão oscilante:
– Tá olhando o quê?
Oscilante, porque, por uma peça do destino, ele havia parado de crescer naquele momento em que sua voz era meio de adulto, meio de criança. O que era bom e ruim ao mesmo tempo; para alguns filmes, ele fingia que era mais novo; para outros, que era mais velho.
– Saudade da Dakota…
Dakota Fanning fora sua esperança; a menina que não envelhecia. Por alguns anos, ele imaginou que a sorte havia lhe sorrido: havia outra pessoa no mundo que tinha a mesma doença que ele, que, por nunca envelhecer, havia escolhido sua única opção viável, a de eterna atriz mirim.
No entanto, durou pouco; após um período em que ela fizera inúmeros filmes, todos exatamente com a mesma cara, ela apareceu em outros, mais velha, quase adulta, e seus sonhos acabaram. Nada de se encontrar com ela, de se casar, de conseguir uma vida normal; ele permaneceria para sempre o Pedro Panela, querendo ser adulto, sem poder.
Afinal, quem se casaria ou pensaria em constituir família com um homem que pareceria ser sempre seu filho ou neto?
Pedro tinha muito dinheiro; não tinha em que gastar, porque não tinha amigos, então acumulara tudo.
A história de não ter amigos? Bem, era simples: quem gostaria de sair com um cara que parecia criança? Depois que seu terceiro colega foi acusado de corrupção de menor, todos se afastaram dele. Lógico, as acusações eram infundadas, eles eram totalmente inocentes, porque Pedro não era menor de idade, mas, para explicar que focinho de porco não é tomada, sempre leva tempo, e ninguém gostava de ficar na delegacia.
Afinal, até Pedro havia se cansado. A polícia já o parara tantas vezes, que tinha desistido de dirigir. O pessoal do Uber sempre olhava torto para ele, por mais famoso que fosse.
– Garoto, da próxima vez que for falsificar uma identidade, coloca uma idade menor. 47 anos? Nem a pau que eu vou acreditar!
Este fora o último Uber que tentara pegar desacompanhado. Um saco.
Assim, tinha um motorista particular, ou simplesmente ia de bicicleta para o estúdio, quando o tempo estava bom. No começo, os diretores lhe ofereciam carro e motorista, mas, conforme ele fora perdendo o prestígio – estavam todos cansados de filmes com crianças prodígio, o que eles queriam, naquele momento, eram cachorros com poderes especiais –, perdera também o direito ao motorista.
Começou a chover, e Pedro se encolheu debaixo do toldo, acendendo um cigarro no outro. Combinava bastante com seu humor, aquele tempo.
Como dizia, Pedro Panela tinha muito dinheiro, mas não tinha com o que gastar: ir às baladas era sempre uma complicação, porque ninguém acreditava nele. Já tentara usar barba falsa e perna de pau, mas, por mais que isso funcionasse nas comédias pastelão que ele fazia, na vida real, não serviam de nada. Além do mais, o que ele faria em uma balada, se todos achavam que era uma criança?
– Não, eu sou o Pedro Panela! O ator que fez a adaptação de Peter Pan!
– Ah, moleque, nem vem tentar me enrolar – dissera a última mulher que tentara abordar.
Por outro lado, tentar ir a festas escolares parecia ainda mais bizarro; seria compatível com a sua aparência, mas não com a sua cabeça. Uns anos atrás, fora contratado por um pai para participar de uma festa de quinze anos; acabara se engraçando com a aniversariante e quase fora expulso a pauladas.
O problema daquelas festas é que ele começava a confundir quem ele fingia ser, com quem ele era de verdade.
A vida era muito complicada, para quem não envelhecia. As pessoas tinham uma tendência de achar que seria bom ser criança para sempre, ter os pais para cuidar de si, preocupar-se com as contas e tudo mais… Só que, ao contrário dele, seus pais envelheceram e não estavam mais lá. Seus irmãos? Bem, ele só tinha mais um, que estava atualmente com quase 60 anos, já era avô e não conseguia explicar aos netos como que o seu tio avô tinha basicamente a mesma aparência que eles.
– Talvez, tudo o que eu precise seja construir a minha própria Terra do Nunca! – considerou.
Michael Jackson tinha feito isso; por que ele não podia? Era excêntrico, era rico, era solitário. Tinha todos os pré-requisitos.
Assim, jogando a guimba do cigarro fora, Pedro Panela começou a criar sua própria terra. Comprou um terreno nas cercanias de São Paulo e iniciou a construção: um enorme parque de diversões, com direito a navios piratas, esconderijo de meninos perdidos, tudo o que havia na Terra do Nunca. Lá, as crianças poderiam ir quando bem entendessem, poderiam brincar o quanto quisesse, não haveria regras… E ele colocaria atividades com aqueles cabos de aço de cinema, para as crianças sentirem como era voar.
O projeto causou rebuliço: um parque de diversões grátis para crianças? Mais especificamente, para crianças órfãs? As más línguas começaram a falar besteiras, mas Pedro Panela não ligava. Esbanjando dinheiro, contratou um Capitão Gancho, com o qual lutava diuturnamente para deleite da plateia.
Mas, a coisa começou a subir à cabeça de Pedro de uma forma meio quixotesca: em pouco tempo, ele passou a acreditar que estava, de fato, na Terra do Nunca!
– Tá bom, então por que você não consegue voar? – era o argumento clássico de qualquer um com quem falasse.
– Fiquei tanto tempo aqui, que desenvolvi alergia ao pó de pirlimpimpim. Não funciona mais em mim – dizia ele, chateado, o que convencia as crianças, mas não os adultos com quem conversava.
– Ah, vá.
Mas, não importa, Pedro Panela vivia seu sonho. Até que os Capitães Gancho, exaustos das batalhas (e de serem jogados ao mar, onde crocodilos robóticos sempre tentavam comê-los), começaram a rarear; a fonte de dinheiro foi secando; processos não paravam de surgir, com as alegações mais estapafúrdias, arruinando a reputação do pobre menino velho; e o parque foi fechado.
O que nos traz novamente à mesma situação: pobre Pedro Panela, fumando seu cigarro, parado na entrada do parque, sob um toldo meio furado, enquanto uma chuva torrencial caía.
Foi aí que ela apareceu. Uma moça de uns vinte anos, linda.
– Esta é a Terra do Nunca? – ela perguntou; estava usando uma capa de chuva e um guarda-chuva.
– Um dia, foi. Agora, está acabada – ele disse, tragicamente.
– Estou procurando o senhor Pedro Panela.
– Aqui está ele, em toda a sua glória – ele falou, com a voz oscilante, abrindo os braços para mostrar a sua triste figura.
– Eu sou Beatriz Botão – disse ela, estendendo a mão. – Talvez o senhor me conheça.
– Não tenho certeza – ele respondeu. Não queria ficar animado; toda vez que alguma mulher falava com ele, aliás, toda vez que alguém falava com ele, as coisas davam errado. Na maioria das vezes, era só um oficial de justiça trazendo uma intimação.
– Eu ouvi falar do senhor e decidi que tinha de tentar – ela tinha um sotaque estranho. Certamente, viera de outro país. Será que se dera ao trabalho de aprender português só por isso?
– Pode me chamar de você – ele disse.
– Ah, claro – ela respondeu. – Eu sei da sua… Condição. Você nunca envelhece, não é?
– Sim.
– No meu caso, é o contrário.
Ele franziu as sobrancelhas e a encarou.
– Como é?
– Eu envelheço ao contrário. Estou com quase sessenta anos, agora, mas com a aparência de vinte e tanto. Nasci velha, agora sou nova.
Ele arregalou os olhos.
– Estou procurando alguém que seja como eu, mas, claro, nunca encontrei.
O coração de Pedro Panela voou no peito; seria possível?
– Acho que só pode ser obra do destino – ela falou. – Quando li sobre você… Sobre seu parque, no jornal. Acho que fomos feitos um para o outro. Tenho ainda alguns anos antes atingir sua idade. Depois, os médicos acham que vou ficar cada vez mais jovem, até parecer um bebê e… Bem, eu não tenho certeza depois disso.
Pedro jogou o cigarro e se levantou; não podia acreditar naquilo. Seria verdade? Seria uma pegadinha? Seria apenas mais uma artimanha do destino, aquele safado?
– Vamos tomar um café? – ele sugeriu.
E, assim, Pedro Panela começou a segunda parte de sua vida. A parte de verdade. Os dois se casaram (o que ficou muito estranho nas fotos), tiveram um filho (que envelhecia normalmente, como qualquer outra pessoa) e viveram felizes por bastante tempo. O único problema é que, quando este filho alcançou vinte e tantos anos, sua mãe parecia um bebê e, seu pai, apesar da aparência ainda jovem, estava claramente demenciado. João Botão Panela não pensou muito; reativou o parque, cobrando muito caro pela entrada, botou os dois em uma espécie de creche e foi ser feliz e viver de renda. Não queria aquela novela nas suas costas, não. Eita, coisa maluca!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais