Sopa de Pedra
Era uma noite fria de inverno quando ele bateu à porta daquela mulher, com uma pedra na mão que havia encontrado no meio do caminho e nada mais.
– Minha cara senhora – ele disse –, estou aqui com esta pedra para lhe oferecer a melhor sopa de todas: a sopa de pedra.
Ela franziu as sobrancelhas e cruzou os braços.
– Nem vem com essa, que eu já conheço essa história.
– Como é? – ele perguntou, surpreso.
– Você vem aqui dizendo que consegue fazer uma sopa deliciosa com nada além de pedra e água. Mas, conforme eu vou fazendo, vai me pedindo um e outro ingrediente e, quando eu vejo, acabei fazendo uma sopa que tem tudo, menos pedra! Eu não nasci ontem!
– Mas não é isso, minha senhora, veja bem…
– Veja bem o senhor a madeira da minha porta!
E, com isso, bateu a porta na cara do pobre homem.
Mas ele não se daria por vencido; três dias depois, colocou um paletó, arrumou os cabelos, escovou os dentes, pegou o quartzo mais bonito que conseguiu encontrar pelo caminho e retornou à casa da mulher.
– Minha cara senhora! – ele disse, com um sorriso no rosto. – Eu vim lhe trazer uma oportunidade única! Única! Esta aqui é a última unidade que eu tenho disponível, e, como a senhora me parece uma senhora…
– Ei, você não é o homem que me apareceu aqui outro dia com uma pedra, pedindo para fazer uma sopa?
É, parece que o disfarce não tinha sido suficiente, mas ele já estava preparado para isso.
– Sim, pois sou eu mesmo!
– E o que o faz pensar que eu vou fazer alguma coisa diferente hoje?
Ele abriu um sorriso e puxou do bolso o quartzo.
– Pois bem, a senhora não quis me ouvir naquele outro dia, mas… Eu consegui cozinhar aquela pedra sem graça, sabe? E ela se transformou nesta pedra maravilhosa e preciosa… E a senhora não imagina as maravilhas que fez comigo!
– Como é?
– Sim, aquele dia eu estava triste, acabado… Estava querendo apenas uma refeição quente, porque, no outro dia eu ia para uma consulta com o meu oncologista…
– Oncologista?
– Sim, o médico de câncer! Eu estava por um fio! No bico do corvo! Estado terminal! Só que…
A mulher o encarou, ansiosa.
– Bem, não sei se eu devo dizer, a senhora não iria acreditar…
– Ora, mas conte logo!
– Bem, bem, veja… Não conte para ninguém… Como disse, eu queria compartilhar somente com a senhora, sabe, porque eu senti que, apesar de não termos nos dado bem logo de cara, a senhora bem que gostaria de…
– Fale, homem, fale! Já veio até aqui, já me atrapalhou o almoço, pois desembuche!
– No que eu passei em consulta aquele dia e fiz o exame… Meu câncer tinha sumido! E não só isso! Todas as dores que eu tinha… Tudo passou! E tudo por causa dessa pedra mágica que eu cozinhei na minha sopa! São poderes quânticos ultrassecretos, e a indústria farmacêutica, os médicos, os grandes empresários, enfim, todos aqueles que lucram quando a gente fica doente sabem que isso existe, mas fazem de tudo para esconder, para eles poderem lucrar mais e mais!
Ele mostrou o quartzo, e a mulher estendeu a mão para pegá-lo, mas o homem puxou de volta.
– Este aqui é o que eu já cozinhei – ele falou, guardando-o no bolso e pegando uma outra pedra, semelhante à que tinha lhe mostrado da outra vez, que tinha no outro bolso. – Esta aqui é a pedra original. Que você precisa cozinhar até virar uma pedra preciosa.
Na noite anterior, ele tinha passado algumas horas envolvendo um quartzo com uma espécie de barro que ficaria duro e se desfaria aos poucos conforme fosse cozido.
Os olhos da mulher cresceram para a pedra.
– Você foi curado do câncer, mesmo?
– Cem por cento. Não acharam mais nada! E olha, eu tinha câncer até onde achava que nem dava pra ter!
– E as dores?
– Estou me sentindo tão jovem quanto uma criança! – ele falou. – Veja, veja! – completou, com pulos.
A mulher não pôde se conter.
– Quanto quer por essa maravilha? Eu tenho umas dores nas juntas que vou te dizer…
– Isso aqui não tem preço…
– Ora, vamos, homem! Fale! Tudo tem um preço!
Depois de uns instantes de discussão, ela comprou a pedra por um valor muito, muito, muito alto, e os dois se despediram, satisfeitos.
Ela fez sopa por vários dias, seguindo as orientações do homem da sopa de pedra e, aos poucos, foi vendo o quartzo despontando de dentro da pedra cinza e sem graça – só podia ser mágica, mesmo! O homem estava certo!
Depois de algumas semanas no processo, o quartzo finalmente se revelou por inteiro, e a mulher estava perfeitamente bem, obrigada, das suas dores. Embora, claro, ainda estivesse um pouquinho travada pela manhã, mas já estava tão, mas tão melhor, que julgava que era apenas uma questão de tempo até sentir todos os efeitos dos poderes da pedra mágica.
Ela contou a novidade para os seus vizinhos e amigos; eles contaram para outros; e logo o homem da sopa de pedra estava rico e famoso, vendendo algo totalmente inerte. Porém, quando pessoas razoavelmente sensatas diziam que não havia funcionado, havia um exército de outras dizendo que eles faziam parte do lobby das grandes indústrias e queriam acabar com um método milenar de cura, usado pelos Incas e arruinado pelos conquistadores europeus. Quando estudos mostraram que ela não era melhor do que pílulas de farinha, teve gente dizendo que eles estavam errados, outros falando que a farinha tinha sido moída com a mesma pedra que gerava o quartzo, outros ainda que a farinha não era farinha, mas, na verdade, medicamentos utilizados pela indústria justamente para falsear os resultados, e alguns ainda disseram que as energias negativas da indústria farmacêutica haviam aniquilado totalmente os poderes da pedra e que eles tinham de ficar longe do que não entendiam, obrigado.
E o nosso vendedor com tudo isso? Está surfando na onda. Literalmente. Ele se mudou para o Havaí, onde vive feliz e contente, com dinheiro suficiente para quatro gerações, sem se preocupar nem um pouquinho com as pessoas que enganou. Na verdade, se ele soubesse que seria tão fácil, teria tentado este golpe antes, em vez de passar anos tentando apenas conseguir uma sopa de pedra…
E a velha senhora? Bem, continua com suas dores e rigidez pela manhã. Mas insiste que estaria muito pior, se não fosse pela sopa de pedra mágica, que ela usa para cozinhar todo santo dia.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais