A gravidez
– Parabéns, filha!
– Parabéns por que, mãe?
– Ué, você está grávida, não está?
Imaginem qual não foi a minha surpresa quando eu recebi esta ligação da minha mãe, lá pelas oito horas da manhã.
– Quem foi que falou?
– A sua irmã! – minha mãe exclamou de volta.
Bom, de uma coisa eu sabia: eu não estava grávida. Então, de onde minha irmã havia tirado esta informação absurda?
Foi aí que eu lembrei: era primeiro de abril. Foi estranho, realmente; fazia muito tempo que ninguém fazia nenhum tipo de piada no meu trabalho relacionada ao dia da mentira, mas acho que, conforme você vai envelhecendo, as pessoas simplesmente param de fazer este tipo de coisa, que é mais para crianças.
A brincadeira da minha irmã com certeza tinha sido para enganar a minha mãe; mas, já que era assim, eu ia entrar na brincadeira e enganar a minha irmã de volta.
– Mas como que ela descobriu, se eu não contei para ninguém? – perguntei de volta, fingindo.
– Ué, ela disse que você tinha contado para ela, mas tinha pedido para não contar para ninguém.
– Eu não contei nada pra ela, mas parece que ela ficou sabendo de alguma forma… Ai, ai…
– Mas então, é verdade mesmo?
E começamos a maior conversa, imaginando para quando seria o nascimento, qual seria o sexo do bebê, qual poderia ser o seu nome e daí por diante. Enganei ela direitinho.
Pouco tempo depois que desliguei o telefone, era a minha irmã me ligando de volta:
– Então é verdade que você está grávida, Talita? E você nem me conta?
– Ninguém mandou você sair contando mentiras pra mãe!
– Mas é verdade mesmo?
– E eu ia ficar brincando com uma coisa dessas? Gravidez é coisa séria, Carla!
– Mas… Eu só falei de brincadeira, por causa do primeiro de abril!
– E acabou estragando a surpresa! – respondi, fingindo estar brava. – Eu só ia contar quando já tivesse o ultrassom para mostrar para vocês. Mas, já que você contou…
E começamos a mesma conversa inventada sobre o bebê.
Naquela manhã, praticamente não saí do telefone; depois da minha irmã, foram minhas duas avós e mais três tias me ligando para dar os parabéns. Por dentro, eu me matava de rir.
Pouco depois, quando finalmente o telefone desocupou, foi o Danilo.
– Como foi que aconteceu? – ele perguntou.
– Ahm?
– A gente fez tudo direitinho este tempo todo! Como foi que você ficou grávida?
– Ah, não sei, Danilo! – respondi; até ele ia acabar entrando na mentira. E quem, afinal, tinha contado para ele? Minha mãe, minha irmã, minhas tias ou minhas avós? Aposto que tinha sido minha mãe! – Mas acho que foi aquele dia lá…
– Mas você disse que naquela época não precisava!
– Para você ver, não dá para ficar confiando em tabelinha.
– Ai, meu Deus, Talita! E o que a gente vai fazer agora? Como a gente vai conseguir pagar as contas? A gente não tem condições de ter um filho agora!
– Ah, a gente dá um jeito, querido.
– Ai, ai, ai…
Ele desligou o telefone; por dentro, cheguei até a ficar com dó. Ele ia passar o dia se remoendo! Será que eu deveria contar a verdade?
Fiquei um tempo encucada, mas achei melhor não; queria ver até onde aquilo ia chegar. Minha irmã iria aprender a não fazer mais este tipo de brincadeira idiota.
Fui trabalhar e, realmente, ninguém fez mais nenhuma daquelas brincadeiras de primeiro de abril. O dia passou, mas não recebi nenhuma outra ligação – acho que todos deveriam estar ocupados. Até que, no meio da tarde…
– Amor – era o Danilo, pelo celular. – Que horas você vai chegar em casa hoje?
– Acho que lá pelas seis, por quê?
– É que eu comprei algumas coisas, e eles vão entregar agora à noite.
– Coisas?
– É, coisas pro nosso filho.
– Como assim, Danilo?
– Ah, eu falei com o meu pai, depois pedi uma folga que o meu chefe tava me devendo, e a gente foi comprar umas coisas…
– Danilo! Mas você não acabou de reclamar que não ia ter como pagar?
– Ah, meu pai disse que vai ajudar a pagar!
– E o que tanto você comprou afinal?
– Ah… Você vai ver quando chegar em casa.
– O que foi que você comprou, Danilo?
– Você vai ver.
– Seu Danilo, acho que dá para antecipar… – falou alguém, ao fundo.
– Peraí, amor, o vendedor tá falando comigo. Deixa eu desligar, depois te ligo…
– Mas…
E não consegui mais falar com ele pelo resto do dia.
O tempo foi passando, e eu fui ficando cada vez mais nervosa; aquilo estava saindo do controle! O que mais faltava acontecer? Daqui a pouco, já iam estar combinando o chá de bebê, já ia ter gente me levando presentes e…
“O que acha de fazermos o chá de bebê aqui em casa?”, foi a mensagem que recebi pelo facebook, da minha irmã.
Tive vontade de gritar!
– Talitinha, querida! Quando posso ir na sua casa levar um presente pro meu sobrinho-neto?
– Presente? Sobrinho?
– E não é menino? Eu já comprei um macacãozinho pra ele, você precisa ver que coisa mais linda que é!
Meu Deus!!! Isto está totalmente fora de controle!, pensei.
Voltei para casa realmente transtornada. Não queria nem ver o que estava acontecendo lá. Por uma brincadeira tão idiota, se bobear os dois babões, pai e avô, já estava pintando o quarto e decorando tudo!
Foi quase isso. Cheguei de volta à nossa casa para encontrar o meu sogro tirando as medidas do quarto, enquanto meu marido orientava os entregadores, que, até então, eram para chegar à noite, mas, pelo jeito, haviam antecipado a entrega.
– O que é que vocês estão fazendo?! – gritei.
– Olha quem chegou! A mamãe! – falou o meu sogro, vindo imediatamente me cumprimentar com a mão na minha barriga.
– Querida, não grite! Vai fazer mal para o bebê!
Carregadores para cá, carregadores para lá, berço aqui, mesa ali, brinquedos, macacões, papéis de parede… A campainha tocou, e logo estava todo mundo da família dentro de casa.
– Chega, gente, chega! – falei, ofegante. – Isso é tudo mentira! Pegadinha de primeiro de abril! Eu não estou grávida!
– Do que está falando, querida? Lógico que está!
– Não estou, não! Minha irmã falou para a minha mãe, só para provocar, e eu entrei na brincadeira para enganar todo mundo!
– Acho que agora você é que está tentando pegar a gente – Danilo respondeu. – Não adianta tentar enganar, querida. Eu sei que você foi no médico duas semanas atrás…
– Eu fui colher o papanicolaou!
– E eu sei que ele pediu um ultrassom…
– Mas ele pede toda vez!
– Mas, veja aqui, Talita. Eu fui lá buscar hoje, depois que você me ligou. Com o seu nome e tudo mais. Aqui, ó. Gestação incipiente.
– COMO??!! – interroclamei, pegando o papel em mãos. Não era possível. Tinha realmente o meu nome, os dados, a data em que fiz o ultrassom de verdade… Não era possível! – Mas isso não é meu! Não é possível!
– Bom, vamos ter certeza quando a barriga começar a crescer, não é? – ele falou.
– Ai, meu Deus do céu! Como eu posso provar pra vocês que eu não estou grávida?
– Bom, quando eu achei que você estava mentindo, eu trouxe um teste de gravidez, para você confirmar que… – disse minha irmã, tirando algo da bolsa.
– Dá aqui! – falei, arrancando a caixa da mão dela e correndo para o banheiro.
Não era possível. Simplesmente, não era possível! Como que podia? Eu tinha certeza de que o ultrassom era um ultrassom comum, que ele não tinha achado nada! Afinal, ele não falou nada! Tentei urinar, mas, quem disse que eu conseguia? E ainda mais acertar a mira naquele potinho chato!
Ai, meu Deus… Concentra, concentra, vai lá, acerta a mira, começa e… Pronto, estava enchendo, enchendo… Ah, já dava. Agora, é só colocar o palitinho… Qual lado é mesmo? AI, droga, era do outro lado! Vamos lá, vamos lá… Quantos tracinhos tem que ter? Cadê o manual dessa coisa? Quanto tempo leva, mesmo? Ai, tô sem relógio… Vou ter de contar…
Depois de angustiantes minutos, afinal passou o tempo necessário, e eu olhei para o palitinho: negativo.
Abri a porta triunfante, com o palitinho na mão.
– Negativo! – gritei. – Eu falei pra vocês!
– Primeiro de abril! – eles gritaram de volta e desataram a rir.
Eu olhei sem acreditar.
– Como é?
– E você caiu como um pato! – falou Danilo, cumprimento a minha irmã.
– Mas… E os móveis? E as coisas?
– Esse aqui é o pessoal da empresa. O Felipe estava para levar este berço para um orfanato hoje, aí eu pedi para ele me ajudar com a pegadinha… E a gente só mudou as coisas de lugar. As roupinhas e bonecos são de doações também.
– E o exame?
– É falso!
Eu não sabia se ria ou se chorava. Optei pela segunda opção e me tranquei no quarto. Era muita emoção para um dia só!
Do outro lado, ouvi eles comentando “Ficou enganando a gente, mas, na hora que é enganada, não aguenta, né?”, e “Ela não sabe brincar”, entre outros comentários. Depois de despachar todo mundo de casa e arrumar o escritório, meu marido veio para o quarto.
– Está tudo bem, Talita?
– Mais ou menos – respondi, mal humorada. Não estava lá tão mal humorada, até porque, afinal de contas, a pegadinha tinha sido muito boa, muito boa mesmo, mas eu tinha de fazer drama.
– Desculpa, não sabia que você ia ficar tão chateada assim!
– Humpf! – grunhi.
– Mas, se quer saber, ninguém mandou você dar corda…
Não respondi.
– Agora, para falar a verdade… Arrumar tudo isso para o bebê me fez pensar e… Acho que eu quero ter um filho, agora. O que você acha?
Tirei o rosto do travesseiro.
– Sério? – perguntei, acho que talvez com emoção demais no rosto. Já estava ficando bastante empolgada com a ideia, e um pouco do choro havia sido por causa do exame negativo; todo mundo já estava me fazendo acreditar que era verdade!
– Primeiro de abril! – ele gritou.
Dei-lhe uma travesseirada, e ele passou a noite no sofá com o seu primeiro de abril.
Nota do autor, setembro de 2021: esta aqui aconteceu com a gente, mas não chegou a ir tão longe, assim. Na verdade, a minha cunhada (se não me engano) meio que começou para enganar minha sogra, mas minha esposa já podou logo no começo. Uma pena, porque teria sido muito divertido!
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais