A Piscina do Prédio
Primeiro eu vi o Danilo pegando uma toalha. Depois, ele pegou o protetor solar. E aí ele passou com tudo para o quarto. Logo depois, ele saiu procurando algo pela casa inteira e só se deu por satisfeito depois de desmontar a sua gaveta inteira de meias e cuecas.
Eu fiquei quieta, só esperando para ver até onde aquilo iria.
Finalmente, ele deu um grito de satisfação e, quando dei por mim, ele estava passando pela minha frente com uma sunga velha, que deveria ter já uns oito anos, laceada, esgarçada, meio transparente até, o cordão logicamente para fora, uma toalha no ombro (a minha toalha favorita, que era de fios penteados, bem grande, macia e cheirosa, lógico), óculos de sol e todo branco do protetor.
– Aonde é que você vai? – perguntei.
– Ué! Pra piscina – ele respondeu, com a maior naturalidade, mas eu tenho certeza de que ele sabia que estava errado. Dava para ver nos olhos.
– Que piscina, Danilo?
– A piscina do nosso prédio, diacho!
Diacho era uma expressão nova, e ele estava empolgado com ela, querendo usar em todos os momentos.
– E por que você vai na piscina do nosso prédio? – eu insisti, da mesma forma como se fala com uma criança. Caso queiram saber, amigas, este é o melhor jeito de conversar com o seu marido.
– Porque tá um calor dos infernos… Diacho!
Falei que ele estava empolgado.
– Mas amor… – carinho é importante. – Você sabe que só pobre vai na piscina do prédio!
– Coméquié?
– É lógico! Pobre que faz piscina na laje, na caçamba da picape… E pobre que vai na piscina do prédio! Nunca vi nenhum amigo rico meu que vai na piscina do prédio. Rico paga academia e faz swimming-jump e swimming-treadmill e coisas do tipo!
Ele balançou a cabeça.
– Primeiro que eu não entendi metade do que falou, Talita – ele respondeu. – E segundo que a gente é rico desde quando, diacho?
– Mas não precisa mostrar pra todo mundo que a gente é pobre!
– Mas como que eu não vou mostrar, diacho? Eu sou pobre! Diacho!
– Para com esse diacho! – exclamei. Estava me dando nos nervos. – E o jeito de não mostrar é não ir na piscina.
– Mas tá calor, diacho! Desculpa. Tá calor. Você quer que eu faça o quê?
– Vai na piscina da academia. A gente paga academia pra quê?
– Pra você ficar fazendo aqueles exercícios de bundinha empinadinha – ele respondeu, na lata.
Bundinha empinadinha! Ora, são exercícios para os glúteos! Tá, tudo bem que eu não sei o nome certo, nem o nome do aparelho, mas, poxa vida, a gente se mata na academia para ficar bonita, e ele vem com essa de “bundinha empinadinha”? É demais!
– E além do mais a piscina é aquecida e fechada, e aqui é aberta e…
– E é por isso mesmo que você não vai! – eu respondi, já bem zangada. – As periguetes todas vão ficar lá, olhando pra você, com essa sunga quase transparente, marcando tudo!
– Então alguém tá com ciúmes, é isso, é? – ele respondeu e, como todo homem cachorro e cafajeste, já veio me agarrar pela “bundinha empinadinha”, bem no meio da discussão.
Eu não sabia se estava mais irritada por ele estar indo à piscina, ou pelo rumo que a discussão estava tomando. Era hora de medidas desesperadas.
– Tiramão! – falei, dando-lhe tapas nas mãos, que nunca eram suficientes, lógico, mas ao menos afastavam ele um pouco, como aqueles mosquitos chatos que ficam voando no seu ouvido quando você quer dormir. – Se você vai, então, eu também vou.
– E toda aquela história de pobre e piscina do prédio, ehm?
Mas eu tinha um trunfo; em silêncio, só caminhando com o nariz empinado, bem de birra, peguei o protetor solar, tirei a blusa e comecei a passar. Ele, lógico, como todo homem cachorro e cafajeste, ficou parado, olhando. Aí foi o golpe final. Eu tirei o sutiã e comecei a passar com bastante cuidado.
– Tá bem espalhado aqui? – eu perguntei. Ele não desgrudava os olhos. – Não quero queimar os mamilos.
Ele saiu do transe.
– Cumé?
– Ué, os mamilos. Porque, se eu vou ficar na piscina tomando sol, eu vou fazer topless.
– Ah, não vai mesmo! Diacho! Eu gosto de diacho e vou falar diacho! Diacho!
Ele estava se desequilibrando psicologicamente! Eu estava ganhando! Há!
– Então, não vou à piscina. Sem topless, sem piscina – respondi, triunfante.
Mas ele queria aumentar as apostas. Com a mesma cara que ele fazia quando estava jogando pôquer com os amigos, ele respondeu:
– Tá bem passado, sim, pode ficar tranquila que não vai queimar. Vamos?
Por dentro, eu ardi de raiva, mas ia levar aquilo até o fim, custasse o que custasse. Rebolando pelo quarto, coloquei o biquíni mais ousado que tinha, peguei uma toalha, óculos escuros, e lá fomos nós para a piscina. Estava muito, muito envergonhada, e ele também, mas a gente ia levar aquilo até o fim.
Quando chegamos, estava cheio de gente; um monte de crianças, várias velhas gordas, uns adolescentes que não tinham mais o que fazer da vida com umas latas de cerveja e o rádio ligado e, óbvio e ululante, um grupo de periguetes.
Ele jogou a toalha em uma cadeira e saltou na água; eu saltei logo atrás, fazendo charme. Ficamos um encarando o outro por alguns minutos, vendo quanto tempo iríamos aguentar. E o pior! A água estava boa, boa demais, geladinha para aquele calor de quarenta graus! Isso era o que me deixava com mais raiva, o fato que eu estava gostando, e, se eu ficasse mais tempo lá, a coisa só iria piorar.
– Bom, tá na hora de tomar sol – falei.
Saí da piscina, joguei os cabelos molhados para trás e tive certeza de que todos os homens (no caso, adolescentes, mas tudo bem) e as periguetes estavam olhando para mim.
Estendi a toalha na cadeira. Sentei. Torci o cabelo para secar um pouco. Deitei. Ele veio logo atrás e se sentou na cadeira do lado, com um olhar desafiador.
– Hora do topless – falei.
Ele nem se mexeu, continuou com a cara do pôquer.
Mantive o olhar.
Levei as mãos para as costas e soltei os nós de trás.
Depois, levei as mãos para o pescoço e comecei a desatar os nós de cima.
Ele só desviou o olhar para baixo por alguns milésimos de segundo, quase como um reflexo.
– Ahh… – suspirei, provocando.
Soltei o biquíni.
Não sei se alguém chegou a ver alguma coisa, porque ele foi tão rápido, mas tão rápido, que quando eu mesma percebi, já tinha dado uma volta com a toalha dele em mim.
– Tudo bem, você ganhou – ele falou. – Nada de piscina do prédio.
– Yes! – exclamei.
– Diacho – ele falou, totalmente vencido, e nós voltamos para casa.
As periguetes ainda tentaram olhar para a sunga dele, enquanto voltávamos para casa, mas eu o enrolei com a minha toalha e lancei um olhar feroz para elas. Elas me encararam com aquela expressão do tipo “Nem vem, querida, você ganhou a batalha, mas a gente vai ganhar a guerra”, e em meus pensamentos eu mandei todas elas para o inferno. Gordas cheias de celulite! Que olhem para a minha bundinha empinadinha, que não era nem grande, nem bronzeada como a delas, mas pelo menos não tinha essas crateras horríveis e nem aqueles pelos nojentos que elas clareavam com água oxigenada.
Subi com um sorriso de satisfação.
– Sabe, já que a gente está assim, quase sem roupa… – ele disse, no elevador.
– Nada disso, mocinho. Hoje não – respondi, com meu ar mais petulante.
– Diacho.
Nota do autor, outubro de 2021: no apartamento onde fomos morar logo que casamos, havia, de fato, uma piscina. No entanto, nunca ninguém a usava. Por quê? Simples: ela não tinha aquecimento, e ficava em um ponto onde pegava pouco sol. Dessa forma, era impossível entrar, sempre estava gelada demais, e o máximo que se conseguia fazer era tomar sol. Assim, o que eu via sempre eram apenas algumas idosas lá deitadas nas espreguiçadeiras. Acho que, efetivamente, só entrei na piscina uma vez…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais