Faxina
Descobrir que era a dona Marta quem estava lavando e passando as roupas do Danilo não resolveu em absolutamente nada o nosso problema; só serviu para ele ficar me olhando com uma cara de sofrimento indescritível, durante o seu novo ritual sabático: na sexta, ao pôr do sol, ele colocava as roupas para lavar na máquina; depois, pendurava e deixava secando durante a noite.
Uma vez ele até tentou usar a secadora, mas a sua roupa encolheu; a camisa, tudo bem, o problema foi a calça social, que saiu parecendo uma legging. Inicialmente, eu ri, e muito; mas, depois, choramos juntos com o fato de que não tinha salvação e ele teria de comprar outra calça, que não estava nem um pouco barata.
Por fim, no sábado de manhã, ele passava a sua roupa, com a mesma cara de uma pessoa condenada a quebrar pedras até o fim da sua vida, enquanto eu ia para o yoga de verdade. Tadinho. Ele até tentou reclamar, um dia:
– Sabe, eu acho meio injusto eu estar aqui, passando a roupa, enquanto você vai lá, bela e formosa, no seu yoga.
Eu não perdi a minha zenitude.
– Injusto é eu ter de lavar e passar a sua roupa. Ou a sua mãe fazer isso. E, se você não gosta, que tal colocar junto para lavar com a minha, na quarta à noite, em vez de assistir aos jogos?
– Não! Sexta está bom.
Ainda bem que ele não tinha trucado, porque nunca, nunca que eu ia compartilhar a máquina com ele. Imagina! Ia pôr tudo misturado, encher minhas roupas de bolinha… Afe!
Mas, apesar de tudo, até que a gente se arrumou com relação às roupas. O problema mesmo era com relação à limpeza da casa. Um domingo, a gente fez uma reunião:
– A parte da louça está resolvida. Cada um que come, põe na máquina. Cozinhou, lavou. Se fez comida para os dois, um cozinha, o outro arruma, certo?
– Tá bom, tá bom – disse ele, bufando. Estava bravo porque estava perdendo tempo do seu sagrado futebol dominical com Lipão, Marcelão e outros ãos da vida.
– Mas, ainda temos algumas coisas: limpar o fogão?
– Coloca um papel alumínio em cima, depois é só trocar.
– Tá louco? Isso é caro pra caramba! Além de ser péssimo para o meio ambiente. Não, quem limpar a cozinha depois que o outro cozinhar, limpa também o fogão.
– Ah, tá bom, tá bom…
– Banheiro?
– Banheiro? É só dar um tapinha!
– Que nada. Limpar a privada todo dia.
– Todo dia?
– Tá bom, a cada dois dias, se você controlar esse seu bingulim aí.
– Ele é muito bem controlado, tá? Mas, já que estamos falando nisso…
– Não, eu já falei que não vou instalar um mictório!
– Por quê? Você não reclama que sempre respinga? Um mictório seria a solução perfeita!
– É nojento e fede!
– Sem mencionar a economia de água…
– Não, não, não! Nada de mictório! Foco, Danilo, foco! Além de limpar a privada, tem também esfregar o banheiro inteiro, chão, parede, box, isso é uma vez na semana… Tem que arrumar a cama…
– A gente não tinha combinado que o último a levantar arrumava a cama?
– Sim… – respondi. Depois deste combinado, ele começou a acordar trinta segundos antes de mim, pular da cama, tripudiar que levantou antes e dormir mais trinta minutos no sofá, antes de se arrumar. Mas, tudo bem, eu gosto de arrumar a cama e ver ele levantar com dor nas costas todo dia.
– Tem que varrer o chão e passar pano. Varrer a sala, sempre depois de comer. Varrer e passar pano, pode ser uma vez na semana, se não, a gente não dá conta. Muito bem, o que você prefere fazer?
– Mas tem coisas aí que dão muito mais trabalho!
– Tudo bem, pode escolher.
– Mas, varrer e passar pano na casa é muito mais que limpar o banheiro!
– Tá bom, você quer o banheiro?
– Não, ele é nojento!
Eu revirei os olhos.
– Tá bom, eu limpo o resto da casa – ele falou.
E, assim, ficou combinado; nossa atividade de domingo à tarde. Ele ia para o tão amado futebol dele, depois a gente almoçava (eu fazia o almoço, ele limpava) e arrumava a casa. Só que, não demorou muito tempo, e ele veio com a seguinte ideia:
– Viu, acho que a gente não deveria dividir por tarefa, mas por tempo, sabe? Porque, não acho justo, limpar a casa demora muito mais do que limpar o banheiro.
– Quer trocar? – ofereci.
– Não, eu só acho que… A gente deveria contar por tempo.
– Não, a gente não vai contar por tempo, porque eu conheço você, Danilo, você vai ficar embromando e embromando até não querer mais, e, quando eu for ver, você vai ter varrido só o quarto e eu já vou ter limpado a casa inteira!
Ele me olhou com aquela cara de “Tá bom, me pegou”.
– Ok, ok, vamos trocar, então?
Não adiantou nada; acabava que eu tinha limpado a casa inteira, e ele ainda estava brigando com o cabelo no ralo do banheiro.
– Pelo amor de Deus, custa juntar o seu próprio cabelo e jogar na privada depois do banho? – reclamou ele.
– Quem está ficando careca é você, não eu!
– Mas meu cabelo não é desse tamanho!
Na semana seguinte, destrocamos. Sem problemas, eu acho realmente relaxante ficar limpando rejunte do banheiro! Muito mais do que passar pano na casa.
Mas eis que, três semanas depois, eu estou toda molhada de esfregar o box, me deparo com Danilo sentado no sofá, de pernas pro ar.
– O senhor já acabou o serviço? – perguntei, irritada.
– Estou trabalhando nisso – ele falou, apontando para o chão.
Como raios ele poderia estar trabalhando nisso, se estava sentado sem fazer nada?
E, bom, qual não foi a minha surpresa quando vi um troço redondo, andando para lá e para cá, no chão.
– O que é isso, Danilo?
– A solução dos nossos problemas! Um robô aspirador!
– Não me diga que foi ideia do Lipão?
– Não, foi do Celão – ele respondeu, com naturalidade.
– Danilo, a gente mal tem espaço pra gente mesmo aqui dentro! Como que um robô vai limpar o chão?
– Ele desvia das coisas.
– Mas, tem tanta coisa e tão pouco espaço, que ele só vai desviar!
– Você só está com inveja, porque eu consegui dar um jeito de acabar as coisas mais rápido do que você!
Eu bufei e voltei a esfregar os rejuntes para desestressar. Pouco depois, eu ouvi o Danilo tratando o robozinho como se fosse um filho:
– Você trabalhou muito bem, pequeno BB-8, agora, vamos descansar um pouquinho, tá?
Certeza que estava pondo na cama e cobrindo com a coberta, enquanto ligava na tomada!
Pouco depois, ele começou a passar o pano na casa e, realmente, acabou antes de mim. Suspirei. Eu não podia ganhar todas.
Mas, claro, uma hora o feitiço ia se virar contra o feiticeiro! Como o Mickey naquele desenho em que ele enfeitiça os esfregões, sabe?
Bem, não demorou muito. Logo, quando eu fui ver, Danilo estava com os pés para cima, e o robozinho estava girando para lá e para cá, com um pano preso na parte de trás dele.
– O que é isso?
– Agora, ele não só aspira, como passa pano!
Eu tentei manter minha zenitude, mas estava difícil.
– Viu só? Agora, tem um robô fazendo todo o meu trabalho. Aposto que não tem um robô que limpa o banheiro! – disse ele, batendo o indicador na testa, como se fosse muito inteligente.
Tentando ao máximo me controlar, fui para a lavanderia e voltei com um pano e alguns produtos.
– Tá bom. Com certeza, também não tem robô que tire pó, limpe vidros ou lustre móveis, certo? Então, bora. Aproveita e tira as cortinas para pôr para lavar, que elas estão imundas. Ah, e aspire o sofá, está nojento, vocês ficam comendo Doritos enquanto assistem jogo… – falei, antes de sumir para dentro do banheiro.
Para não ser deixado para trás, na semana seguinte, ele tentou colocar um daqueles suportes retráteis de celular em cima do robozinho, com um pano amarrado, para que ele lustrasse os móveis enquanto aspirava o chão. É claro que não deu certo, e ele derrubou um vaso em cima de si mesmo, que se espatifou e o encharcou. O bichinho deu uns tremeliques e parou.
Não fiquei nem um pouco triste com os seus suspiros robóticos finais; Danilo agiu como se tivesse perdido um filho, gritando e quase rasgando a roupa em sofrimento (na verdade, o sofrimento principal era porque ele tinha dividido em doze vezes e mal tinha pagado a primeira parcela).
– O dinheiro que você gastou com essa idiotice daria para a gente pagar uma faxineira quinzenal por um bom tempo – soprei a ideia. – Com isso, tudo o que a gente precisaria fazer era dar um jeitinho na casa a cada quinze dias e manter arrumadinho durante a semana.
E, assim, as semanas foram passando, passando… Até que, em um dia em que ele estava particularmente cansado depois do futebol, ele explodiu.
– Eu não aguento mais! – reclamou. – Eu quero meus domingos de volta! Assistir meus jogos, jogar videogame, dormir, passear! Não aguento mais limpar a casa! Você conhece alguma faxineira?
– Vou te mandar o contato de uma – falei, de pronto, tentando controlar meu sorriso.
E, realmente, na semana seguinte, nossa nova faxineira começou. Ah, que glória!
Sabia que ia dar certo. Homem limpando a casa? Há. Não aguentam nada, esses fracotes…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais