O casal no restaurante
Teve um dia em que eu e o meu marido fomos a um restaurante e, quando já estávamos quase acabando, prontos para pagar a conta e sair, eu vi, pelo canto do olho, um casal se aproximando.
– Danilo, não olha agora, mas aquele casal chato acabou de entrar no restaurante.
Não preciso dizer que, como todo bom homem, dizer “não olha” é o mesmo que dizer “olha”. Com um movimento nem um pouco sutil – quer dizer, tão sutil quanto um elefante –, ele virou a cabeça para trás, tentando achar o casal de quem eu havia falado.
– Quem, aqueles dois, lá na entrada?
– É lógico, né? Eu não falei que eles acabaram de entrar?
– Mas, quem são eles?
Homens. Todos iguais. Respirei fundo.
– Não lembra aquele casal que a gente conheceu na lua de mel?
– Não.
– Caramba, Danilo! Eles ficaram um tempão com a gente no hotel! Pelo amor de Deus, o que você lembra da nossa lua de mel, afinal?
– Quer mesmo que eu fale?
Eu lhe dei um tapa, para ele parar de ser safado.
– Abusado! Ai, eles tão entrando! Olha pra lá, olha pra lá!
Ele tentou se esconder na cadeira onde estava, mas não adiantou muito.
– Eles tão vindo pra cá. Tão vindo pra cá! Não tem mais jeito, eles viram a gente. Rápido! Aquele esquema que a gente combinou.
– Que esquema?
Homens!
– Danilo! Talita!
– Priscila! Antonio! Mas que coincidência!
– Pois é, quem diria – ela disse, enquanto me beijava e me abraçava. – Faz tanto tempo que a gente não se fala! Acho que desde…
– A lua de mel – completei.
A Priscila era uma daquelas loiras falsas, que passam horas no salão fazendo chapinha, escova e luzes, saem achando que estão arrasando, mas que mais parecem que enfiaram os cabelos em um tanque de água oxigenada. Andava toda metida por causa do silicone que botou nos peitos, o narizinho empinado, a bunda rebolando (ah, mas eu vi as suas celulites na praia, querida, se vi!), se achando o último biscoito do pacote com aquela pinta no meio da testa, que eu fiquei uns dois dias imaginando como seria arrancar, enquanto ouvia ela falando sem parar. Tudo dela era do melhor, tudo para ela era melhor. E o marido dela, com aquela cara de bobo, o cabelo sem graça lambido para o lado e uma barriga de chope enorme, sendo que tinha acabado de se casar! Imagine dali a alguns anos!
E pensar que tivemos de aguentar os dois no hotel por três dias intermináveis… Iam com a gente para todos os lugares, mas só para dizer que já tinham ido para lugares melhores e jogando na nossa cara, só porque tinha sido a nossa primeira viagem de verdade.
– As praias daqui são bonitas – ela dizia, enquanto passava o bronzeador e se preparava para ficar no sol por horas e horas – mas, amiga, você precisa conhecer o Taiti. Estive lá no ano passado…
E o marido dela, que, apesar da cara de bobo, vira e mexe eu pegava olhando para o meu decote!
– Vocês vêm sempre aqui? – ela perguntou, de pé ao meu lado, à mesa.
– Ah, de vez em quando – eu respondi. – Quando a gente quer fazer algo diferente.
– Ah, aqui é bonzinho. Eu venho de vez em quando também, porque fica no caminho de casa. Dá pro gasto, pra matar um tempinho enquanto espero o trânsito baixar…
Por que não vai de helicóptero então, sua perua? Ou tem medo da hélice puxar seu cabelo falso?
Tive de me controlar para não rir, enquanto imaginava a cena.
– Agora, se vocês querem conhecer um lugar bom mesmo, tem um restaurante que o Antonio me levou logo que a gente voltou de viagem que…
E começou a esnobar, falando do seu restaurante chiquérrimo e carérrimo.
– Bom, a gente ia sentar lá no fundo, mas, já que vocês estão por aqui, acho que podemos dividir a mesa. Vai ser como na lua de mel – ela falou, sem nem sequer perguntar se a gente deixava, e já foi puxando a cadeira, para sentar de frente para mim.
O bobo alegre sentou logo ao seu lado, e eu encarei o Danilo: para variar, não tinha se lembrado do esquema. Ai, ai…
– Pelo jeito, vocês já estavam nas entradas – ela falou.
– Na verdade, a gente já tinha acabado – respondi, entredentes, mas ela, logicamente, como toda piriguete, não deu a menor bola.
– Ah, mas sempre dá para pedir mais alguma coisa. Garçom, por favor! Um cardápio e a carta de vinhos.
E lá nós tivemos de aturar os dois mais uma vez. Mas a minha vingança chegaria, ah, sim! Aproveitei para pedir uma garrafa do vinho mais caro, também – e o meu marido ficou branco só de imaginar como iria pagar aquilo, mas eu fiz um sinal por baixo da mesa para ele ficar calmo. Tomamos até a última gota, depois pedimos a sobremesa, e eu escrevi uma mensagem no celular, que mostrei por baixo da mesa para ele.
E, quando eu já tinha terminado a minha sobremesa, e a chatila, digo, Priscila ainda estava esnobando enquanto escolhia, dizendo que as sobremesas da França, aquelas, sim, eram sobremesas, e que não tinha sorvete como o da Itália, eu comecei o meu plano.
– Acho que eu bebi demais, preciso fazer xixi – falei.
– Ai, eu vou com você! – ela respondeu. Lógico. Com certeza ia falar que os banheiros de gelo da Noruega eram melhores que os daqui. E que precisava retocar aquela maquiagem malfeita com o material de maquiagem que comprou em Paris.
Meu marido me olhou com desespero, enquanto eu me afastava, mas eu realmente não sei qual é o problema. Afinal de contas, homem sempre encontra alguma coisa para falar com outro homem, nem que seja de futebol, cerveja, carro ou mulher; o que tinha de mais ele ficar um pouco com o bobonio, digo, Antonio?
Quando entramos no banheiro, e isto era uma parte essencial do meu plano, como sempre as cabines estavam ocupadas e já tinha uma mulher usando o espelho para arrumar o cabelo. Tivemos de esperar – e ela realmente começou a falar dos banheiros de algum hotel de Dubai –, até que uma cabine liberou.
– Pode ir na frente – eu falei.
– Ué, mas você não estava apertada?
– Ah, mas pode ir, eu vou no próximo.
– Bom, então, tá bom, querida. Aff, não existe um banheiro limpo neste país, eu vou te dizer… Ainda bem que sempre ando com um saquinho para cobrir a tábua. Você já viu isso? Comprei quando fui pro Japão, é muito útil, você…
Mas não escutei o resto. Deixei ela falando sozinha – afinal, o que ela gosta mesmo é de ouvir a própria voz – e saí do banheiro. Enquanto andava para fora do restaurante, liguei para o meu marido; o plano era que ele fingisse que era uma ligação do serviço, que não estava escutando direito e que saísse para tentar pegar sinal. O que deu certo! Quando nos encontramos do lado de fora, ele pegou minha mão, me deu um beijo e disse:
– Vamos?
Andamos o mais rápido possível, sem levantar suspeita, e entramos no carro.
– Vai rápido, vai rápido! – eu gritei, do banco do passageiro, de onde podia ver a porta de vidro do restaurante, onde, imaginava, a Priscila deveria estar me procurando, e o Antonio devia estar… Sei lá, olhando para o decote de outras moças.
Danilo cantou os pneus, e nós saímos voando da vaga. Enquanto corríamos pelas ruas, como se estivéssemos fugindo da polícia, ríamos como duas crianças felizes.
Doce vingança!
Nota do autor, setembro de 2021: não, esta não foi baseada em fatos reais, mas, pensando comigo aqui, achei uma excelente estratégia. Vou guardar para o futuro! Rsrsrsrs
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais