O Casamento
Eu sempre gostei muito de festas de casamento, então, é claro que, toda vez que surgia uma oportunidade, eu queria ir, e não foi nem um pouco diferente no casamento da Camila e do Tavares.
Tavares era amigo do Danilo, meu marido.
– Mas, qual é o primeiro nome dele?
– Tavares, ué.
– Danilo, não é possível que uma pessoa tenha Tavares de primeiro nome!
– Tem um cara que chamava Raposo Tavares! Deveria ter chamado só Tavares, que seria melhor!
Fiquei me perguntando se, de fato, o tal de Tavares não se chamava Raposo, como a rodovia, mas, quando finalmente chegou o convite, lá estava: Tibúrcio Tavares.
– Tá, agora entendi por que chamam ele de Tavares.
– Te falei… Igual ao Raposo.
Enfim, o casamento seria naquela igreja da Avenida Brasil, famosíssima, chiquíssima, e eu não iria perder por nada. Depois, a festa seria em algum salão lá pela zona Oeste.
Bem, faltou eu dizer que o tanto que eu gostava de casamentos era diametralmente oposto ao quando Danilo gostava.
– Pelo menos, vai ser open bar.
Isso significava que ele fazia de todo o possível para atrasar a gente o máximo possível para sair de casa.
– Não sei nem por que precisa ter a cerimônia, podia ser direto a festa!
De qualquer forma, o casamento era às 17h; às 16h, eu já estava pronta, mas o Danilo estava lá, de bermuda e chinelo, jogando videogame.
– Danilo! Vamos embora!
– Ah, pra que a pressa? Fala sério, a noiva sempre atrasa.
– É claro que não!
– Não lembra aquele casamento que ela atrasou duas horas e meia?
– Foi o noivo.
– Não importa. A gente ficou duas horas e meia olhando pro maldito cardápio, morrendo de fome… Aliás, acho que vou comer alguma coisa.
– Danilo, pelo amor de Deus, vamos!
Meia hora e um sanduíche depois, ele estava vestido com o seu terno, que ainda tinha purpurina do último casamento.
– Você não mandou na lavanderia?
– Depois de usar só uma vez? Ah vá, Talita, você acha que tá sobrando dinheiro?
Eu revirei os olhos e passei os próximos dez minutos escovando a purpurina, que não saía de jeito nenhum.
– Como você conseguiu isso, ehm?
– Não faço a menor ideia.
Tenho certeza de que ele guarda um frasco de purpurina no quarto para ocasiões como essa.
– A gente tá atrasado pra caramba! Vamos embora!
A muito custo, já quarenta minutos atrasados, entramos no carro.
– Vixe, preciso encher o tanque.
– Pelo amor de Deus, Danilo!!!
Devagar quase parando, enchemos o tanque e fomos para a igreja; o Waze indicava que a gente chegaria às 17:40, ou seja, muito depois da cerimônia ter começado.
– Relaxa, você conhece casamento, especialmente nessas igrejas grandes, certeza que vai atrasar.
– Danilo, essa é a igreja mais famosa do Brasil, eles não podem atrasar!
– Eu vou perguntar pro Lipão.
Enquanto dirigia, ele mandou mensagem para o amigo dele, o que sempre me deixava maluca (tanto mandar a mensagem pro Lipão, como dirigir enquanto fazia isso).
Às 17:30, ele respondeu:
“Pode vir, mano, ela não entrou ainda”.
– Eu falei pra você! Há! Essas coisas sempre atrasam!
Chegamos à igreja, como o Waze bem previu, às 17:40. Entregamos o carro para os manobristas e corremos.
Eu não conseguia acreditar! O noivo estava lá na frente, embora eu não estivesse vendo bem sem óculos, e a noiva estava para entrar!
Esprememo-nos para achar um canto para sentar, naquela igreja linda, enorme e lotada, e fiquei olhando ao redor. Não reconhecia ninguém – tudo bem, eram amigos do Danilo, não meus, mas eu achei que ao menos a cabeça loira do Lipão eu veria se destacando na multidão. Mas nada.
A noiva, por fim, entrou; ela parecia um pouco diferente do que eu tinha visto nas fotos, mas, sei lá, maquiagem faz mágica, né?
Foi quando olhei para a cara do Danilo que me toquei.
A gente estava no casamento errado.
– Parece que o Tavares deu uma emagrecida, não é? – comentei, como quem não queria nada.
Danilo engoliu em seco; ele também sabia que a gente estava no casamento errado, mas, é claro, ele nunca daria o braço a torcer.
– Acho que é o estresse pré-casamento.
– A noiva não era morena?
– Acho que ela fez luzes… Sabe como é.
– Ah, tá…
Esperei mais um tempo, para os dois se aproximarem e o padre falar alguma coisa, que eu não consegui ouvir muito bem.
– Cadê o Lipão, ehm?
– Acho que tá lá na frente… – disse ele, roendo as unhas.
Por fim, depois de um tempo, o padre finalmente disse:
– Você, Thomé, aceita Danila como sua legítima esposa?
– Aceito – disse o homem lá no altar.
– Tem certeza que a gente tá no casamento certo, Danilo?
– Tenho, sim, claro! O Lipão me garantiu!
– Então, por que o padre disse Thomé?
– Ah, certeza que ele não entendeu que era Tibúrcio.
– E eu tenho certeza que eu ouvi Danila, não Camila.
– Deve ser impressão sua, não é possível…
– Pode beijar a noiva! – disse o padre lá no fundo.
Todo mundo comemorou o primeiro beijo dos recém-casados e, conforme eles saíram pelo corredor e os fotógrafos tiraram fotos, foram se preparando para sair, também.
Danilo me pegou pela mão e me puxou.
– Vamos lá pegar o carro, antes que fique aquele bolo.
– Ei, você não vai nem cumprimentar os noivos?
– Ah, não, a gente cumprimenta na festa…
Saímos à francesa pela igreja e, em pouco tempo, o motorista nos trouxe o carro. Enquanto a noiva saía com seu marido e os convidados vinham logo atrás, já podíamos ver mais gente chegando para o próximo casamento. Era uma verdadeira fábrica de casamentos, aquela igreja!
– Vamos lá dar um oi, a gente tem tempo…
– Não, não, o carro chegou! – exclamou Danilo, me puxando. – Vamos, vamos.
Ele colocou o endereço no Waze, e a gente pegou o caminho. Só que, quando estávamos na consolação, indo em direção à 23 para pegar a radial, eu disse:
– Danilo, não era na zona oeste o salão?
Ele olhou para o Waze com uma cara de falsa surpresa, que eu conheço tão bem.
– Ué? Eu coloquei para casa? Ah, que droga.
– Tá bom, ainda dá pra arrumar, ó – falei, pegando o celular e colocando o endereço correto. – Meia hora para chegar.
– Afe, que droga – ele falou.
Tentando pegar o retorno, ele disse:
– E se a gente deixasse pra lá, ehm?
– Como assim, deixar pra lá? Depois de eu me arrumar toda? Depois de comprar presente?
– Ah, a gente viu a cerimônia, foi o mais importante!
– Mas, e o open bar?
– Estou de boa, acho que aquele sanduíche que comi antes não me fez bem.
– Ah, Danilo, fala sério! Você me encheu o saco para ir no casamento, agora a gente vai!
– Tá bom, tá bom… – respondeu ele, da mesma forma que um condenado concorda em ir para a forca.
E, assim, chegamos ao salão, onde a festa já estava rolando solta.
– A gente chegou super atrasado, Danilo!
– Pelo menos já estão servindo a comida – ele respondeu.
– Vamos cumprimentar os noivos?
– Não, deixa eles lá, depois a gente vai… OIha uma mesa vaga, ali!
– Mas é muito no fundo!
– Não tem problema, é mais tranquilo.
Ele me puxou para uma mesa bem isolada, tão longe, que eu mal conseguia ver os noivos.
Pouco depois, o Lipão chegou.
– Caraca, Danilo! Demorou pra caramba, véio! Que aconteceu? Nem te vi na cerimônia!
– É, também não vi vocês, mas foi bonita…
– Conseguiu chegar a tempo?
– Cheguei, cheguei.
– Mas, que aconteceu? A festa já tem quase uma hora que começou!
– Eu coloquei o endereço de casa, acredita? Tava quase em casa, quando me toquei…
Eu estava encarando o meu marido.
Não sabia se ele estava mais envergonhado em admitir para mim que havia errado e que estávamos no casamento errado, ou em admitir para o seu amigo de infância que ele tinha caído na piada mais antiga da humanidade. Bem, talvez não a mais antiga, mas uma bela pegadinha.
Eu podia, naquele momento, juntar-me a ele e tentar ajudá-lo; fingir que a gente realmente tinha visto a cerimônia correta, mas inocentemente errado o caminho e chegado atrasados.
Só que…
Qual seria a graça nisso?
– O Tavares emagreceu pra caramba, né? Eu me lembrava dele bem gordinho… – falei.
– Emagreceu? – retrucou Lipão, já um pouco alto. – Que nada! Continua uma rolha de poço, fala sério! Acho até que engordou mais! Tinha comprado um terno no começo do ano, teve que comprar outro, porque não cabia, acredita?
– Sério…? – perguntei, fazendo cara de inocente, olhando para o Danilo. – E a noiva? Fez luzes pro casamento, né?
– Luzes? Que luzes? A Camila é morena!
– Sério? Engraçado, porque…
– Ah, tá bom! Tá bom! A gente foi pro casamento errado! Pronto, falei!
– Você o quê?
– Como que é? – falei, fingindo indignação.
– A gente atrasou pra caramba, chegou lá, eu percebi que não era o casamento do Tavares, mas eu não queria dar o braço a torcer. Daí a gente ficou na cerimônia e…
– Celo! Vem cá, Celão! Vem ouvir essa aqui, você não vai acreditar!
Lipão agarrou um amigo pelo ombro enquanto ele estava passando, quase como um daqueles ganchos de desenho animado, e ele por pouco não derrubou a sua bebida.
– Você não imagina o que o Dandoca aprontou! – começou.
Eu fui me sentar; pouco depois, havia um grupinho em torno do Danilo, todos tirando sarro do fato de ele ter ido ao casamento errado.
– Essa igreja não atrasa, cara! Atrasou cinco minutos, perdeu o casamento! – ouvi algum deles dizendo.
Dei um sorriso comigo mesma. Depois dessa, nunca mais que o Danilo vai se atrasar para qualquer casamento. Mas, se quer saber, até que foi bonito, o casamento de Thomé e Danila. Sejam eles quem forem.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais