O Jantar na Casa de Amigos
Com algum tempo de casados, depois que passou todo aquele sufoco de arrumar a casa, botar a vida em ordem e chamar todos os padrinhos para os quais ficamos devendo jantar, eu e Danilo fomos convidados para jantar na casa de uma amiga minha, casada fazia não muito mais tempo do que nós.
Ficou combinado para sexta-feira; passei a semana inteira preocupada, é lógico, com o que vestir, o que não vestir, se levava meu álbum do casamento para ela ver ou não, já que ela com certeza mostraria o dela, se levava algum presente…
– Ela não pediu para a gente levar a sobremesa. Será que a gente deveria levar?
– Acho que não precisa – Danilo respondeu. Estava meio sentado, meio deitado no sofá, vendo algum jogo que eu preferia nem saber qual, cutucando os pés como se nada estivesse acontecendo no mundo. – Ela provavelmente deve estar preparando alguma coisa também.
– E um vinho? Será que a gente deveria levar um vinho?
Comecei a andar pela casa, em um monólogo, que eu acho que meu marido sequer fez questão de acompanhar.
– Qual a gente leva? Um tinto? Mas, e se ela fizer algo que não combine com tinto? Bom, talvez um branco, mas… Sei lá… Um rosê seria uma boa opção, mas a gente não tem aqui em casa, tem? Deixa eu ver… Ah, não, tem esse rosê que a gente ganhou de casamento…
– Nada de dar o rosê da safra de 2007! – gritou ele lá da sala.
Convenientemente, nisso ele prestava atenção.
– Bom, eu também posso levar um moscatel espumante, ia ficar bom com a sobremesa… – eu falei, olhando o que a gente tinha nas pequenas caselas do armário que serviam de adega. – Mas, por outro lado, eu nem sei se vai ter sobremesa. E se não tiver? Que gafe!
Fiquei mais uns vinte minutos pensando a respeito do vinho. Estava decidida a levar um espumante prosecco que sobrara do nosso casamento, que eu tinha certeza que ia combinar com qualquer coisa, quando o Danilo disse algo muito importante.
– Primeiro, você nem sabe quantas pessoas vão estar lá, e o prosecco pode não dar. Segundo, ele deveria estar gelado. E, terceiro, mais importante de tudo, você levar um vinho para ela pode fazer ela ficar meio… Sei lá. Sabe? Pode parecer meio coisa de metido. E, depois, quando ela vier aqui, ela vai ter de comprar um para retribuir o favor, e é capaz de ela não saber escolher e comprar um caro à toa.
E não é que pela primeira vez ele tinha mostrado um pouquinho de tato?
Mesmo assim, eu fiquei pensando se tudo aquilo não era para economizar os vinhos que a gente tinha em casa…
– E aí, você não vai se arrumar?
– Eu já estou pronto. Só estou esperando.
Eu o encarei, lá, jogado no sofá, parecendo um saco de batatas, só de bermuda, esperando a vida passar ao seu redor. Respirei fundo, contei até dez e… Bom, eram seis horas da tarde, e a gente tinha combinado às sete e meia, então tinha bastante tempo.
– Viu, vai comer alguma coisa.
– Acuma?
– É isso mesmo. Vai comer alguma coisa, se não você vai comer que nem um porco lá na casa deles e me fazer passar vergonha.
– Como assim? – ele perguntou, com um tom indignado. – Minha vida inteira eu fiz isso! Aliás, sua família adora que eu repita os pratos! Eles dizem que é porque eu sou saudável e porque a comida é gostosa. Comer muito é basicamente um elogio!
– Sim, mas, enquanto a gente era namorado, tudo bem você fazer isso. Mas, agora que a gente é casado, não.
– Como assim?
– Ué, quando a gente era namorado, não tinha problema você me fazer passar vergonha, porque eu sempre podia mudar de ideia. Mas, agora que a gente casou e não tem mais volta, não dá mais para eu devolver você, então pode parar de me fazer passar vergonha. Coma alguma coisa aqui, antes de ir.
– Mas! Mas!!! – ele retrucou, extremamente inconformado.
– E, como você é fresco pra caramba com comida, é bom mesmo já ter comido, se não é capaz de passar fome lá.
– Eu? Fresco pra comida? Ah, vá!
Mas, como todo homem bem orientado, pouco depois ele foi à geladeira e fez um lanche com uma cerveja, voltando ao reino do sofá para assistir à liga de basquete. Eu, enquanto isso, tomava banho, me arrumava, maquiava, fazia o cabelo… Estava pronta às sete e quinze, e ele ainda estava jogado no sofá, desta vez como uma saca de farinha.
– E aí? Está pronto?
– Só falta tomar banho e me trocar.
– Mas, Danilo, eu avisei você faz uma hora e quinze!
– É, eu sei, mas a gente só tem um banheiro e você ficou lá uma hora e dez!
Eu só não respondi, porque era verdade, mas, mesmo assim, eu pensei em responder dizendo que tinha ficado uns dez minutos fora do banheiro, ainda que não em sequência, só que só adiantaria se ele tomasse banho em passos. E, quando eu pensei em dizer que era só ele ter entrado para tomar banho enquanto eu arrumava o cabelo, ele já tinha ido.
E a umidade do vapor ia estragar a minha chapinha, então, realmente, não ia adiantar.
Porém, de alguma forma sobrenatural, às sete e vinte e cinco ele estava pronto, de banho tomado, cabelo penteado e todo arrumado. Como os homens conseguem fazer isso? Como pode ser tão fácil para eles se arrumarem? Bem, está certo que eles não precisam passar creme, nem maquiagem, nem fazer o cabelo, e qualquer peça de roupa está bom, é só juntar uma calça com uma camisa, e nem precisam combinar a lingerie, nem meia-calça, nem sapato, nem joias, mas…
Tá bom, está explicado o porquê.
Essa casa da minha amiga não ficava muito longe da nossa. Em pouco tempo nós chegamos e fomos muito bem recebidos.
– Estamos só esperando outro casal de amigos nossos. Vocês lembram da Regina e do Hélio?
– Não – respondeu Danilo. Eu dei uma pisada no seu pé.
– Eles foram no nosso casamento, amor – respondi. – Ela estava com um vestido vermelho.
– Ah, de vestido vermelho! Agora, eu lembrei – ele respondeu, sarcasticamente. – Como pude esquecer, vestido vermelho! Puxa vida…
Simplesmente balancei a cabeça.
Quando você vai visitar alguém logo depois que se casou, as conversas geralmente não mudam muito. Uma pergunta à outra o que faz da vida, como está a vida de casada, se já conseguiu se adaptar, se já arrumou tudo, trocam informações sobre desventuras na cozinha, eletrodomésticos explodindo e coisas do tipo, falam de lua-de-mel e viagens… Não importa quantas pessoas diferentes você visite, o roteiro da conversa é praticamente o mesmo, e acho que justamente por isso Danilo já estava de saco cheio deste tipo de visitas. Ficou conferindo o resultado dos jogos no celular, e eu até tentei dar uma pisada no seu pé, mas, quando dei por mim, Marcos, o marido da Andressa, minha amiga, já estava do lado dele, conferindo junto.
Pouco depois o outro casal chegou, trazendo consigo nada mais, nada menos que… O seu álbum de casamento E um vinho!
Dei uma cotovelada nas costelas do meu marido, com aquela expressão no rosto de “Eu disse! Eu disse!”.
Mas ele nem deu bola…
E, quando o outro casal se juntou à conversa, foi o mesmo roteiro, só mudando os personagens, e os homens se reuniram em torno do celular. Ao menos foram educados o suficiente para não irem para a sala de TV e ignorar totalmente a nossa companhia.
– Vocês estão com fome? Acho que estão, não? – Danilo assentiu com emoção demais; eu lhe dei mais um cutucão, para parar de ser mal educado. – Eu vou servir uns aperitivos para nós.
E ela trouxe uma bandeja com mini queijos, mini frios, mini conservas, alguns nachos, amendoins e etc. E, conforme fomos comendo, ela foi pondo mais e mais…
– Eu acho – murmurou meu marido, em um determinado ponto – que ela não tem jantar, ou tem pouca comida, e está entupindo a gente disso para…
Eu lhe dei outra pisada no pé.
– Odeio admitir, mas acho que você acertou em me mandar comer antes…
Ele fazia aquilo para me provocar, eu tinha certeza!
Porém, depois de algum tempo, a própria Andressa deve ter percebido que estava meio estranho, porque disse que só estava esperando a comida ficar pronta.
– É que é de forno, sabe, demora para assar…
– Acho que o lugar que ela encomendou é que demora para entregar – Danilo comentou, e eu lhe dei um beliscão. Não conseguia ficar um segundo quieto?
Mas, depois de uma angustiante espera, na qual eu achei que ele realmente estivesse certo, e dezenas de aperitivos depois, a comida estava pronta: era um bacalhau com risoto (e o vinho tinto que eu pretendia levar seria perfeito!).
Porém, eu devo dar meu braço a torcer: realmente, uma garrafa não seria o suficiente, e a Andressa nem chegou a abrir a que ela ganhou. Neste ponto – mas só neste! – Danilo estava certo.
Só que, na hora de efetivamente comer, estávamos todos tão cheios dos aperitivos, que ninguém mais tinha fome! Quer dizer, ninguém mais, exceto pelo meu marido, que, apesar de todas as minhas recomendações, tinha feito um prato maior do que qualquer outro! Ai, que vergonha!
– Puxa vida, gente, vocês são de comer pouco, mesmo, ou só o Danilo é que gostou da minha comida?
– Está excelente! – ele respondeu; ele adora bacalhau. – Mas se sobrar, melhor, dá até para fazer marmita!
Desta vez eu dei uma pisada, que eu acho que até os outros perceberam.
– Danilo! Olha o que você fala!
Contudo, todo mundo encarou isso como uma piada, e ao menos aliviou o clima de ninguém ter comido muito (exceto pelos homens, lógico). E o pior; eu não podia nem usar a clássica “Estou guardando lugar para a sobremesa”, porque eu poderia ser indelicada – e se não tivesse sobremesa? Ia ser o maior mico! Então, esforcei-me para pegar mais um pouquinho, empurrei garganta abaixo para o meu estômago já estufado, e pronto. Tínhamos acabado o jantar.
– E agora, a sobremesa!
Dizem que o nosso cérebro sempre guarda um espacinho do estômago para a sobremesa – no meu caso, porém, estava já tão cheio de aperitivos e bacalhau, que não ia caber mais nada.
– Fui eu quem fiz, ehm! Torta de maçã, mousse de chocolate…
– E este sorvete aqui fui eu quem fiz – brincou Marcos. – Eu só coloquei no pote para enganar, mas eu fiz a mão!
Todos riram, lógico, menos eu, que estava mais preocupada em descobrir como não fazer uma desfeita. A solução era ir ao banheiro, fazer xixi para livrar espaço, abaixar um pouco a meia-calça que estava me apertando e, se tudo isso não desse certo, sei lá, vomitar um pouco.
Tá, brincadeira, eu sei que isso faz mal. Mas o resto eu estava falando sério.
A estratégia até que funcionou, e eu realmente consegui comer um pouquinho de cada (enquanto o Danilo se entupia com pedaços e mais pedaços de tudo), mas não fui muito mais longe que isso e já estava me sentindo mal, de tão cheia. E, não só mal, mas principalmente morrendo de sono – já era quase meia noite, e, de barriga cheia, tudo o que eu queria era dormir.
No entanto, ainda tinham os álbuns de casamento, a clássica tradição!
Neste momento, eu esperava que meu marido desse a deixa, dizendo que estava tarde, que ele ia acordar cedo no dia seguinte por um motivo qualquer, e que deixaríamos para ver os álbuns depois (não me entendam mal; eu queria ver os álbuns, mas o sono estava me dominando, e as chances de eu cair em cima dele e dormir eram grandes demais), mas, para a minha surpresa, Marcos lembrou que ia ter disputa de UFC dali a alguns minutos, e os três homens sumiram para a sala de televisão.
E lá fomos nós ver as fotos de casamento.
No meu humor costumeiro, seria uma coisa que eu adoro fazer. Quer dizer, é tudo tão bonito, tem tanta coisa para ver! As várias decorações que os casais escolhem, que eu gosto de ficar pensando o que exatamente eles tinham pensado quando escolheram aquilo, o lugar, as roupas, as comidas, a qualidade do álbum e das fotos (para comparar o fotógrafo, claro)… Naquele momento, porém, conforme a comida se revirava no meu estômago lotado e o meu cérebro zumbia de sono, tudo o que eu podia ver eram padrinhos intermináveis e páginas que nunca chegavam ao fim. Acho que nunca vi um álbum de casamento tão rápido na minha vida.
– E o seu? – Andressa perguntou.
– Acabei não trazendo! Acho que vocês vão ter de ver lá em casa, quando forem jantar.
Por incrível que pareça, nós acabamos de ver os álbuns antes de a maldita luta acabar – e aí, tivemos de esperar os meninos, porque de forma alguma eles iam sair sem saber quem daqueles brutamontes nojentos tinha ganhado. Enquanto isso, ficamos discutindo como foi o casamento, preparações, etc e etc…
Quando eram duas e meia da manhã, eu estava praticamente dormindo no sofá, e a Regina teve a brilhante ideia de ir descobrir o que eles estavam fazendo.
– Quer dizer, não é possível uma luta durar tanto tempo! – ela exclamou.
A gente desceu e, quando chegamos ao quarto…
Estavam os três jogando videogame.
– E a luta? – Andressa perguntou.
– Acabou no segundo round – disse o Marcos.
– E por que vocês não subiram? – perguntei, inconformada.
– Ué, vocês tavam vendo os álbuns, a gente não quis atrapalhar… – respondeu o Danilo.
Eu me controlei para não bufar. Todo esse tempo gasto à toa? Eu lá, me matando para ficar acordada, enquanto os bonitos estavam aqui, jogando videogame? Ah, vá! Era hora de ir embora. Tinha perdido a paciência.
Mandando os bons modos às favas, disse para ele que estava na hora, despedi-me rapidamente dos meus amigos, trocamos amenidades e lá nos fomos.
E, enquanto eu oscilava entre a consciência e a inconsciência, eu me peguei perguntando quem havia aproveitado mais: eu, que tinha combinado o jantar com uma amiga minha, mas que tinha me matado a semana toda pensando sobre qual roupa usar, ficado uma hora e meia me arrumando, também preocupada com vinho e sobremesa, que estava passando mal, sem ter comido o que era mais gostoso, e que nem tinha conseguido aproveitar direito o melhor, que era ver os álbuns de casamento; ou o Danilo, que se aprontou em quinze minutos, comeu até se fartar, e ainda acabou fazendo amizade com desconhecidos e assistindo à luta e jogado videogame?
É, não sei por que, mas parece que sempre nestes jantares de amigos os homens acabam se dando melhor, mesmo ele sendo direcionado para nós, mulheres… Acho que precisamos repensar nossas estratégias…
Nota do autor, outubro de 2021: pois é, os jantares pós casamento são sempre assim. Sempre a mesma rotina, sempre a mesma coisa tediosa… Infinitos álbuns e filmes… Ai, ai… Não sinto nenhuma saudade!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais