As mais incríveis invenções humanas
Estamos hoje naquele mundo em que tudo que vale é terceirizado, maquinado, fabricado em indústrias gigantescas, soltando fumaças aos montes por suas bocarras. O que vale são apenas aquelas coisas de última geração. Sonho de consumo é um Pentium 4 HT. Mas, e aquelas coisas tão importantes para nós, a que ninguém nunca dá crédito?
Por exemplo, a porta. Ninguém nunca dá valor à porta. Contudo, ela é essencial na nossa vida privada de hoje. Quando se fecha uma porta, prendemo-nos em nosso mundo, ganhamos nossa privacidade. De porta fechada, ninguém vê o que fazemos. Separamo-nos do mundo, excluímos os chatos, impedimos que nos roubem as posses. Mais do que isso, a porta é uma incrível forma de expressão. Está-se com raiva, Pá!, bate-se a porta. Não se quer falar com alguém, Pá! nele. A porta o tira de perto de nós como um daqueles guardas das baladas. Sem contar que, quando queremos escutar alguém no cômodo sem sermos vistos, nada melhor que uma porta para nos esconder.
Ela é fabulosa, única em seu estilo, charmosa em suas formas, graciosa e muito educada. Sim, muito. Aliás, eu diria até indiferente. Podemos bater e chutar, pregar tudo que quisermos, colar todo o tipo de coisas, abrir um buraco para um cachorro passar, que, mesmo assim, ela não liga. E sempre fecha com delicadeza. Sem mencionar que elas contribuem, e muito, para o aumento do nosso vocabulário ofensivo e ainda mais para hospitais; basta deixá-la entreaberta, passar com pressa e Pá! Um hematoma no pé e um novo palavrão a ser adicionado no Houaiss.
Mas ainda há coisas mais assombrosas: a fechadura e o olho mágico, a inseparável dupla. O que seria de nós sem eles? Afinal, só o super-homem tem visão de Raio X. Os pobres terráqueos, infelizmente, têm de recorrer para o buraco da fechadura ou então o adorado olho-mágico, que tudo vê e tudo sabe, ainda mais do que aquela vizinha que mete a cabeça por sobre a cerca para observar tudo da sua vida.
O desentupidor de pia. Quem foi que inventou isso? Eu não seria capaz de cogitar um negócio assim nem em mil anos! Tão simples e tão complexo, na sua forma redonda, gorda, com um cabo. Antes ele era uma simples redoma de borracha com um pau atrás, mas ele evoluiu tanto que agora é de plástico, em formas anatômicas de maior potência, em espiral e de cores chamativas para atrair pessoas de todos os gostos. Se os hippies ainda estivessem por aqui, tenho certeza de que teriam sua própria versão, cheia de flores e frases filosóficas.
Porém, desentupidores não servem apenas para acabar com uma azia “pial”. Não, muito mais do que isso; em desenhos de baixa qualidade, eles servem de rabo para alguma ave traquina, ou para a rainha do baile não ter de beijar aquele cara gordo, espinhento, de óculos fundo de garrafa e respiração asmática de terror Hitchcockiano, usando um colete xadrez e um aparelho de audição afundado na cera de ouvido, meias sobre as calças que lhe alcançam a barriga, presas por suspensórios, em uma cena assustadora e ridícula. Desentupidores de pia são incríveis. Ainda mais porque ninguém gostaria de meter a mão no sifão para desentupir a pia do jeito antigo.
E o chaveiro? Uma simples placa de metal, mas que, ainda assim, é indispensavelmente útil. Não se pode conceber a vida sem chaveiros. Afinal, sem eles perderíamos as chaves, e sem elas não entraríamos em casa, pois a porta é elitista. Chaveiros não servem somente para segurar a chave, contudo; eles movimentam todo o comércio mundial. Chaveiros são peças-chaves no mercado internacional, na bolsa de valores, já que sempre que você sai de casa e viaja para algum lugar, uma outra cidade, estado, país ou planeta, você compra um chaveiro e traz para seus amigos. Imagine o quanto o mundo ganha com eles. Imagine que um dia todos os chineses visitem Foz do Iguaçu (que sufoco!) e comprem um chaveiro por um real cada. Só nesta brincadeira, serão movimentados 1,3 bilhões de reais. Os preços dos chaveiros subiriam giganticamente pela alta procura, pessoas iriam à loucura para conseguir o último, haveria lutas intermináveis pontuadas por quedas nas cachoeiras. E Imagine se o Bill Gates resolvesse gastar todo o seu dinheiro em chaveiros. Aliás, ele deveria é comprar uma fábrica de chaveiros, porque chaveirice, como se diz hoje em dia, é um mercado em expansão.
E todos colecionam chaveiros, porque cada chaveiro obtido é uma aventura. Cada um mostra uma época da vida na qual você pôde parar e pensar: “Opa, eu vou levar um chaveiro, antes que todos os chineses venham e acabem com eles!”. Ou então mostra que alguém se lembrou de você e lhe trouxe um. Chaveiros guardam chaves, chaves que são portas secretas para a nossa vida, nossa mente. Eu adoro chaveiros.
Outra coisa também inacreditavelmente útil é o lápis. Um simples pedaço de madeira com uma grafite dentro, mas que, não obstante, tem tantas utilidades e tantas utilizações! Lápis servem para se escrever, rabiscar, desenhar… Grandes pensadores usavam “lápises”. Ele é a base da nossa sociedade. Se alguém não tivesse pensado nele, provavelmente ainda estaríamos talhando pedras ou pintando mais a nós mesmos que as paredes, ou ainda escrevendo com gravetos na areia ou neve, o que não é nem um pouco prático na hora de transportar. Um paradoxo: quem inventou o lápis o desenhou com o quê?
E eu já vi inúmeros usos para o lápis. Já vi até gente prender o cabelo com ele. Isso sem contar que é o melhor para se fazer música. Nem o som da melhor bateria se iguala ao suntuoso batuque dos “lápises”, uníssono, etéreo, universal…
Deus uma vez criou o porco-espinho, e o homem, como bom pirateador que é, resolveu copiar a idéia, criando assim a almofada de alfinetes. Uma das invenções mais práticas do mundo e a mais simples. Como? É fácil. Imagine a vida de um costureiro. Abarrotado de roupas, certo? Invisível sob elas. Coisas jogadas para lá e para cá, meio costuradas, meio rasgadas, tudo bagunçado. E os alfinetes? Todos ficavam voando por aí, em todos os cantos do mundo. De fato, antes da invenção das almofadas de alfinetes (e dos dedais), era constante o número de pessoas no hospital com alfinetes encravados. Alfinetisse aguda epitelial, era como chamavam. Ou simples falta de atenção. E as importações indesejadas? Várias pessoas devem ter sido presas no Japão por contrabando involuntário de alfinetes brasileiros. Havia toda uma máfia em torno disso. Bastava você ter um alfinete preso em suas roupas que, como um ímã, mais vinham logo atrás.
E ele sempre serve de vingança contra aquela tia chata de traseiro protuberante, que se senta na poltrona sem checar a pista de pouso antes, esmagando o coitado do bicho inanimado, que, em sua pobre existência de constantes furos, teve de terminar como esmagado por um meteoro exorbitantemente grande e exponencialmente aterrorizador. Salve o grande e corajoso porco-espinho de algodão, que, em sua empreitada final, bravamente coroou a gigantesca bunda da tia chata.
Algo que me intriga muito é um aparato engenhosamente simples, que se vê hoje em dia em qualquer lanchonete de esquina. Acho que a história do mundo deveria mudar: ao invés de usarmos a escrita como placa para separar a história da pré-história, deveríamos usar o porta-guardanapos como farol. Afinal, como seria a vida sem um porta-guardanapos? Os pequenos lenços de papel voariam soltos por aí, e seria um caos, pois aquelas criancinhas fanfarronas não conseguiriam limpar suas bocas ou roupas quando se sujassem de Quetichupe. Formidável seria para as indústrias de sabão em pó, de fato, mas um filme de terror para as suas mães. Agradeço a Deus pelo dia em que uma pessoa se iluminou e resolveu pegar uma caixa, uma mola e um par de placas de metal para inventar a coisa mais útil do planeta!
Como seria o mundo se as pessoas que inventaram essas coisas não o tivessem feito? Uma coisa é certa: esta crônica nunca teria sido escrita. O que seria uma pena para uns. E um alívio para outros.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais