Diversos tons de cinza
Ligaram da portaria para a sua secretária; ela ligou para a sua sala.
– Seu Antônio? É o seu irmão. Está lá embaixo.
– Ora, fale para ele subir – ele respondeu automaticamente. Depois, parou para pensar um pouco. – Espera um pouco, Cilene. Qual irmão? O Alberto?
– Não, senhor. Ele falou que se chamava Agenor.
Antonio se recostou à sua cadeira, pálido. Agenor? Seu irmão, Agenor? Não, não era possível. Era uma peça do Alberto, só podia. Não tinha como ser…
Mas não deu outra. Um minuto depois, sua secretária abria a porta para apresentá-lo.
– Ora, seu Antonio, por que o senhor nunca me falou que tinha um irmão gêmeo?
Ele deu um sorriso amarelo. Agenor. Era ele mesmo. Mas, o que estava fazendo ali? Antonio ficou desnorteado.
– Agenor, como…?
Porque, se ele estava na sua frente, só poderia significar uma coisa: ele tinha fugido da prisão.
A pessoa diante dele, tão parecida que poderia ser o seu clone, embora claramente mais magro e infinitamente mais sofrido, deu de ombros. Antonio suspirou.
– Vamos tomar um café – disse. O que mais poderiam fazer?
Levou-o pelo braço até um café a duas quadras do prédio onde trabalhava, um lugar onde poderiam ficar um pouco mais escondidos, sem que o pessoal do prédio percebesse. Só pensou o que lhe aconteceria se a polícia os pegasse lá quando já estava na metade do segundo café com uísque. Agenor estava se entupindo de mistos quentes, coxinhas e três tipos diferentes de doces, tudo ao mesmo tempo.
– Muito bem, o que vamos fazer agora? – indagou ele.
Agenor deu de ombros mais uma vez. Tinha fugido porque estava jurado de morte – mas por que raios estava jurado de morte, em primeiro lugar?
A sobriedade finalmente estava começando a cair em sua mente, ao começo da terceira xícara de uísque com café; primeiro, um abraço apertado em um irmão que lhe fora tão querido na infância, mas que lhe trouxera tanto desgosto nos anos seguintes. Depois, a compreensão do quanto aquilo era errado. Aí, viera-lhe a resposta mais óbvia: tinha de entregá-lo para a polícia. Mas… Ele era o seu irmão! E se ele voltasse e fosse preso, mesmo? Mas, e se o pegassem juntos? O que seria dele, que era inocente, que nunca quisera nada com isso para si?
Decidiu fazer o mais sensato. Ligou para o advogado, que lhe respondeu na maior cara de pau:
– Deixa ele continuar fugindo por aí. Tantos fazem isso! Porque, se você o entregar, matam ele. E se ele se entregar, matam ele também.
Pelo amor de Deus! Não fazia o menor sentido! Mas, por outro lado… Poderia ele entregar o seu próprio irmão? Deixá-lo à morte? Bom, as coisas não poderiam ser sempre só brancas ou só pretas. O que Jesus teria feito?
—
Estavam na rodoviária; ele, com chapéu e óculos, e o irmão, com roupas que o tornavam irreconhecível.
– Cuide-se – disse Antonio, como todo irmão mais velho por apenas alguns minutos deveria dizer. – E aqui, tome. Isso deve te ajudar por tempo suficiente para achar um lugar para ficar. Gostaria que pudéssemos ficar mais tempo juntos, como nos velhos tempos…
Os dois se abraçaram. Momentos de choro lembrando a infância. E então o bom senso lhe disse que era melhor ficar o mais longe possível, pelo bem de sua família.
– Se alguém perguntar, este encontro nunca aconteceu.
Separaram-se na estação.
—
Dias depois, sua secretária anuncia novamente:
– Seu Antonio, tem um policial aqui para vê-lo.
– Policial?
Agenor fora preso.
– Preciso lhe fazer umas perguntas sobre seu irmão.
—
Estavam lado a lado, sentados, tomando sol. Eram impressionantemente semelhantes.
– Viu só, maninho? – perguntou Agenor, com um sorriso no rosto. – Estamos juntos de novo!
Ele olhou para o irmão com um sorriso amarelo. Bom, estavam juntos, no final das contas. Nem tudo era só branco ou preto.
Exceto pelas roupas listradas que usavam.
Nota do autor, outubro de 2021: como vocês podem ver, houve um grande intervalo entre a última crônica, que foi de janeiro de 2014, e esta, de julho de 2015. Isso se deve à minha “prisão pessoal”, também conhecida como residência médica. Todo o meu tempo livre era gasto estudando ou trabalhando para pagar as contas, então, não sobrava muito tempo para escrever.
Mas, esta crônica foi baseada em um acontecimento da minha família, de fato. Fica o grande questionamento: o que fazer quando o seu próprio irmão, ou filho, simplesmente foge da prisão e aparece à sua porta? Boa pergunta!
Tecnicamente, Antonio só seria preso se Agenor desse com a língua nos dentes, mas, na vida real, qual a chance de isso acontecer? Mínima. Mas achei um final interessante para a história, por isso, ficou assim.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais