Elevadores: o Big Brother Matrixiano
Eu não gosto de elevadores. Eles são maus, muito maus, malignos, criaturas de ferro das trevas vindas para nos dominar. Eles se aproveitam de nós, põem-nos nas condições mais constrangedoras e se divertem aos montes com isso.
Começa assim: você está atrasado, chama o elevador com pressa. Claro, ele vem parando em todos os andares, passa pelo seu andar, vai até os outros acima para depois, por fim, descer e parar à sua frente, com aquele sorriso maligno, após dez minutos de uma aflitiva espera. E, claro, como ele é lerdo, o tempo em que você esperou, o mundo inteiro já o chamou, e ele para em todos os andares mais uma vez antes de chegar ao térreo. Haja paciência!
Isso quando ele não resolve travar. No meu prédio, por exemplo, quando você chama o elevador, só vem um deles, o que estiver mais perto. Mas, não raro – aliás, o tempo todo – um deles resolve travar no 13º andar, o andar maldito. E fica lá, impedindo que o outro desça. Só um bom tempo depois a máquina sem coração resolve mandar o outro, que, como de costume, para em todos os andares antes de chegar.
Uma vez na vida e outra na morte você tem a chance de pegar o elevador ainda no seu andar. Contudo, na hora em que você vai abrir a porta, o ser maligno fecha e vai embora, rindo da sua cara, a sua gargalhada gélida ecoando pelo poço inteiro, reverberando por todos os lugares, como se a anunciar a todo mundo: “Peguei mais um trouxa!”, ou então, quando está descendo: “Patoooooooooooooo…”.
Isso quando ele não resolve abrir na hora em que a sua chave cai da mão, engolindo-a para sempre. O número de coisas que deve haver no poço do elevador sem dúvida se iguala ao de coisas que há sob as almofadas do sofá. É um mundo à parte lá, sombrio, cheio de objetos, cada qual mostrando um trunfo, um troféu, da máquina diabólica.
Mas o maior problema do elevador não é quando se está fora dele, e sim quando se está dentro, porque os elevadores, em seus estratagemas malignos, passam suas horas livres (que, acredite, são muitas) planejando, arquitetando e armando contra nós. Por exemplo, se você não gosta de fumantes, ele faz com que vocês dois entrem juntos na cabine. O fumante teve o bom senso de jogar fora o cigarro, mas, ainda assim, aquele bafo fétido e mortal continua rondando o local, e, não importa o quanto você tussa, ele vai importunar suas narinas por um bom tempo.
Ou então ele nos coloca com aquele vizinho pentelho, com quem nunca gostamos de falar. E fica aquela coisa chata, aquele profundo silêncio, pontuado de cofs-cofs, nos quais não se tem o que falar. E ambos fazem de tudo para não ter de se encarar, como se o outro sequer existisse; enquanto um olha para um lado, outro olha para o oposto; pega-se a chave de casa; examinam-se as unhas, os sapatos, a roupa… Beiços são quase dilacerados de tanto se morder, enquanto a geringonça caminha devagar, como se cada segundo demorasse milênios a passar, lentamente, de um andar ao outro, como uma corrida de lesmas. Quando afinal se vê livre, pode-se berrar um “aleluia!”, mas o elevador ri por dentro, pois sabe que teve uma missão cumprida.
Do mesmo modo quando nos colocam com casais. Fica aquela coisa incômoda, os dois se abraçando, beijando-se, e você sem saber para onde olhar, tentando não encarar… Horrível. Ou então, quando se está no meio de uma conversa com um amigo, e outros entram, o assunto é totalmente cortado, não se pode conversar nem nada, pois o fio da meada se foi, e o silêncio se instala, prepotente, folgado, ocupando todo o espaço, sugando nosso ar (em hotéis internacionais, os elevadores fazem questão de fazer entrar um argentino ou português bem no clímax de uma piada sobre eles).
Às vezes, pode-se improvisar um assunto, mas nunca nada de profundo pode ser dito num elevador, dado o tempo curto e o desconforto. No máximo, especula-se sobre o tempo, discute-se sobre futebol, em época de eleições xingam-se os políticos, em Copa do Mundo e Olimpíada pergunta-se quem viu o jogo e se torce para o Brasil, ou se pergunta, com clichê, da família. Nada de inovador, nada de criativo, as pessoas querem coisas simples, fáceis e diretas. Grunhidos e assentimentos são constantes.
O pior de tudo é quando se entra no elevador, e ele está com aquele cheiro esquisito, como se uma coisa densa e fecunda fora expelida antes. Como se de propósito, a geringonça do mal pára e outras pessoas entram, o cheiro, o fedor, aquela coisa rançosa, pútrida, penetra-lhes a narina, e é inevitável não olhar para o vermezinho nojento que estava lá dentro e se aliviou quando não devia. Você é inocente, claro, mas eles não sabem. E, como o elevador tira toda a sua coragem, você não consegue falar nada. E o silêncio – e fedor – se instaura mais uma vez, folgado e orgulhoso.
É por isso que tantas pessoas têm pesadelos com elevadores, também. Nossos medos mais profundos são mostrados lá, todas as nossas fraquezas. Os elevadores destroçam nossas almas e as jogam, destripadas, aos frangalhos, para todos os lados, a seu bel-prazer.
Talvez o medo que ele tanto nos causa seja devido à pressão psicológica que é ficar confinado em uma pequena biosfera por uns minutos com pessoas com as quais normalmente não se fala. E mesmo com as quais se fala, não se consegue falar nada, porque estamos à mercê de máquinas más, que podem acabar conosco em segundos.
Um dia eles ainda vão nos dominar, e será igual ao Matrix. Estaremos todos presos em elevadores-casulos, que sugam nossas almas e nossas vidas.
Acho que só vou usar escadas a partir de agora…
Nota do autor, outubro de 2020: Como você pode ver, esta crônica foi escrita muito antes de os celulares serem onipresentes. Atualmente, ela poderia ser resumida a: você entra no elevador; enfia a cara no celular, para não ser incomodado; e sai do elevador.
Mas, eles ainda permanecem com seus estratagemas malignos, disso, não tenho dúvida. Ainda bem, atualmente moro em uma casa, e minha única briga é com os elevadores dos shoppings (prefiro as escadas rolantes, se quer saber; elas, com certeza, não vão dominar o mundo).

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais