Família…
Começarei esta crônica com um aforismo de um filósofo famoso: Lar é onde a família está (Tá bom, não é nenhum filósofo famoso, é a definição das palavras cruzadas!). Não que esta frase tenha algo a ver com a história, ou talvez até tenha, mas sim porque de vez em quando a gente tem de tentar fazer uma piadinha cretina (Se você não entendeu a piadinha (cujo humor está entre os parênteses), não se preocupe, talvez ela realmente seja cretina demais para você entender).
De uma forma ou de outra, voltemos ao importante: Família. Mais especificamente, a família de seu par.
Conhecer a família da namorada é uma coisa tensa, não importa o quão bonzinhos os pais possam ser. Poderiam até me dizer que o pai era o Dalai Lama, com certeza eu ia ficar com cara de assustado ao chegar perto dele. Aliás, não só eu como provavelmente todos os outros (Não mintam, leitores! Vocês sabem muito bem que não tem nada mais assustador do que imaginar o pai da namorada com uma espingarda numa mão e uma faca de castração na outra – pais de namoradas sempre têm uma faca de castração. Eles a criaram e têm toda uma máfia para vendê-la).
Conhecer os pais da minha primeira namorada não foi nada assustador. Tudo bem, eu fiquei com uma cara de perdido, olhando para todas as coisas na casa, menos para os pais dela (ainda imaginando onde o pai teria guardado o facão). Mas eles eram legais, e o pai até contou uma ou outra piada (das quais, pelo complexo de castração, você se sente impelido a rir, por mais imbecis que sejam).
Agora, os da segunda já foram um negócio um tanto quanto complexo.
Vamos ilustrar a cena:
– David, estudante de medicina, 2º ano, 18 anos, judeu não praticante.
– Mirian, estudante de enfermagem, 4º e último ano, 21 anos, evangélica.
Sentiram a tensão né?
(Se tiveram dificuldade de sentir, imaginem um fio de alta tensão).
E nós namorávamos já fazia seis meses e meio escondidos.
(Neste momento, vocês, descalços, no meio de um lago, pegam com as duas mãos no fio de alta tensão).
Aí estava a complexidade; havíamos passado tanto tempo sem contar por medo da reação da família dela, até que uma hora as espionagens estranhas por parte de parentes dela haviam chegado à conclusão de que eu tinha uma filha chamada Nicole (!!!) (Ah, sim, observem, para enganar a irmã dela, Mirian havia falado que eu namorava uma Nicole, porque, não sei como, a irmã dela havia descoberto que eu existia).
As opções eram variadas, e iam desde uma simples castração minha (simples o c@&%¨*$!!!, pleonasticamente falando), até meu assassinato e ressuscitação para assassinar novamente 95 vezes seguidas, cada uma de um jeito diferente. Para ela, imaginávamos uma expulsão, excomungação e mais sei lá o quê.
Enfim, ela contou para os pais depois de muita pressão. Primeiro para a mãe e para a irmã, que não só não reclamaram como ainda apoiaram. Minha cara foi mais ou menos assim: O.o . Depois, a mãe contou para o pai, que não só não reclamou como também apoiou, e a minha cara ficou assim: O.O .
Aí, logicamente, como ela já havia feito o mais difícil (Da parte dela!), acabaram-se as desculpas para eu não ir conhecer a família.
Tudo bem, por incrível que pareça, eu não tinha nada contra ir, contanto que usasse um colete a prova de balas. E uma saqueira de aço.
Foi feriado de primeiro de maio, e meu pai acordou cedo para fazer 30 – sim, TRINTA – strudels, que eu levaria para a família dela. Os 30 foram exagero, então eu peguei só 13 (Eram quatro mais eu, e mesmo assim eu levei duas vezes e três quintos a mais). Voltei para Sorocaba, de banho tomado, perfumado, com a melhor roupa (tirando o terno, que seria exagero) que eu tinha. Parei em frente à casa e avisei para os meus pais (se eu fosse assassinado, saberiam minha última localização!); pouco depois, minha namorada apareceu, e fomos os dois um tanto incertos para a casa.
Entramos na sala, o coração voando no peito.
Não havia ninguém.
Sacanagem! Só pra fazer mais tensão!
Fomos para a cozinha, então, e lá encontrei praticamente toda a família; cumprimentei o pai, a mãe, entreguei a forma de strudels, cumprimentei a irmã e a amiga dela (ainda bem que trouxe doces a mais! Há!). Depois, sentamo-nos no sofá, e, silêncio por silêncio, o pai dela me perguntou onde morava, São Paulo, Onde de São Paulo?, Na verdade em Taboão da Serra, é que nem Sorocaba e Votorantim, fica do ladinho, Perto de onde?, Ah, fica no sul do zona sul, Perto de Cotia, essas coisas?, Sim (lógico que não vou contrariar e, convenhamos, em um amplo espectro, fica sim do ladinho). Sabe, já morei em São Paulo, e…
Adorava quando a família começava a falar e discutir entre si, porque eu não tinha que falar nada, apenas observar.
Depois de um tempo, fomos para a cozinha, onde a mãe dela serviu o jantar (tinha pão, strudel, salame, queijo, strudel, margarina, cuzcuz, bolo de milho, strudel, suco, café e refrigerante e strudel), e eu, com toda a boa educação do mundo, tentei provar de tudo. Você gosta de Cuzcuz?, Então… (pensando em uma resposta boa… Socorro!), o único que eu comi foi o da escola, mas era horrivel, desde então nunca mais comi, então não sei… Ah, mas Cuzcuz de escola é horrível, Tudo bem, não me importo de provar (o que diabos é Cuzcuz???). E aí, o que achou? (procurando resposta boa), Ah, é muito melhor que o da escola, sem dúvida!
Porém (mas que fora!), quando ela me perguntou se queria mais, disse que não, muito embora depois, quando me ofereceram para levar um pouco, logicamente aceitei, e expliquei que só não havia comido porque não tenho o costume de jantar comida (o que é verdade; não tenho o costume de jantar comida, e o Cuzcuz realmente havia sido o melhor que eu já comi, tanto que terminei com ele hoje…).
A família resolveu, então, ir para a igreja, (insistindo zilhões de vezes que iriam de carro – coisa que nunca faziam – para que eu colocasse o meu na garagem, o que, quando fiz, foi um sofrimento, porque as paredes eram estreitas, o carro enorme, minha carta era nova, e ele não queria subir a rampinha de jeito nenhum (tive de mudar do gás para a gasolina para conseguir)) e sobramos eu, Mirian, Talita (a irmã) e Lica (a amiga) para ir alugar um filme para assistir. Após muita discussão, resolvemos levar O Terminal (seria este título o prenúncio do meu fim?).
Voltamos para casa e começamos a assistir, e quando eu achava que tudo estava tranquilo, que eu teria folga até os pais dela voltarem, uma tia me aparece no meio…
Elogios à parte (nunca vi uma tia que não elogiasse alguém na frente desta pessoa), voltamos para a cozinha, onde todo mundo se sentou para, mais uma vez, comer (repentinamente me senti no meio de Casamento Grego, mas sem Vidrex). Graças a Deus, no entanto, o rojão se concentrou em zombar da cara da Mirian, então por um tempinho me salvei; depois, conforme o resto do pessoal chegou da igreja e se sentou para comer, progressivamente mudaram o assunto para a própria família e eu tive de falar bem pouco sobre a minha própria, praticamente só ouvindo (minhas bochechas doíam de tanto sorrir).
Quando os tios e a amiga foram embora, voltamos para o quarto eu, ela e a irmã dela; o pai nos vigiou por um tempo, enquanto assistíamos ao filme. Quando finalmente terminou, eu estava morto, e já eram onze e meia; o pai estava na sala, lendo, mas os olhos pareciam fechados e praticamente dormindo; por um momento achei que realmente estivesse.
Mas ó, não estava, e ó, não puxou o facão; cumprimentou-me e, depois que eu me despedi da minha namorada, voltei para casa, com aquela sensação de nossa, estou vivo, daqueles sobreviventes de desastres naturais.
É, realmente estava.
Mas no dia seguinte ela já queria que eu voltasse…
Acho que eu não vou sobreviver…
Nota do autor, setembro de 2021: esqueci de mencionar que a tia dela contou a mesma eterna piada sobre uma pessoa entrando no ônibus e soltando um pum. Graças a Deus, eu não me lembro mais como era…
Ah, sim, não só sobrevivi, mas estamos juntos há 15 anos, já. Quem diria, não?
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais