O Encontro
Já o conhecia, por incrível que pareça, por causa da sua sogra, que trabalhava no mesmo lugar que eu e acabou por se tornar muito minha amiga. Vivia falando dele, da sua esposa, do seu filho… Acabou me adicionando no facebook. E, conversa vai, conversa vem, certa vez comentei que queria assistir a um determinado filme, mas que não tinha ninguém com quem ir, porque todo mundo já tinha assistido.
– Não tem problema – ele falou. – Eu vou com você. Eu já assisti, mas o filme é legal, eu vejo de novo.
E assim combinamos. Porém, quando comentei com alguns amigos do facebook, o pessoal achou meio estranho…
– Sair com ele? – falou uma amiga minha de infância. – Sei lá, isso é meio estranho… Vocês dois não são casados?
– Por isso mesmo, ué! – respondi. – Qual o problema?
– Sei lá, eu nunca vi isso de gente casada ir sozinha no cinema com amigo…
– É só amizade, nem conheço o cara!
– Então!
– Mas quem me falou dele foi a sogra, poxa! Tem até filho!
Enfim, apesar de certa indecisão, acabei indo. Não tinha mais escolha, já tinha combinado, não ia cancelar de última hora. Como estava sem carro, ele veio me buscar em casa e fomos a um shopping perto daqui, onde ele tinha achado um horário para o filme que eu queria ver. No entanto, quando lá chegamos, a informação do site estava errada – a sessão não era às duas, mas às dez. E o que iríamos fazer por oito horas no shopping, até o filme passar? Não ia dar certo.
– Não tem problema, depois eu alugo e assisto em casa – falei.
– É, não tem jeito mesmo. O que vamos fazer?
Eu já estava pensando em abortar o programa e voltar para casa, ideia que estava me dando um pouco mais de segurança, diante desse encontro tão maluco. Mas ele sugeriu…
– Olha, está passando este filme aqui, começa em cinco minutos, o que você acha?
Para não perder a viagem, lá fomos nós.
O lado bom é que os dois estavam realmente interessados no filme, então, nada de ele chegar para o meu lado, nem coisa parecida. Ainda bem! Estava me preparando para lhe bater a qualquer momento. No entanto, uma hora o filme acabou e tivemos de sair. Eu estava morrendo de fome, mas achei melhor não propor mais nada, ou iríamos ficar ainda mais tempo no shopping, e eu já estava me sentindo com culpa.
– Sabe, estou com fome – ele disse. – Vamos comer um lanche antes de ir?
É, não teve jeito. E lá ficamos numa casa de lanches, falando sobre o filme (que não entendemos, de tão doido que era), sobre o trabalho, sobre livros… Comentamos, logicamente, sobre a sua sogra e o seu filho, e ele não parecia se importar com isso, parecia que não atrapalhava em nada a pauta do encontro, e eu não sabia se isso era bom – porque significava que sua intenção era unicamente ver o filme – ou ruim – porque poderia significar também que ele não estava nem aí para a sua família.
Bom, ao fim da tarde, ele me deixou em casa, e, antes de sair do carro, vi-me naquela situação inusitada. Convido para subir ou não? Me despeço de qual forma? Será que ele estava esperando alguma coisa a mais ou a menos?
Ah, mas eu já tinha saído com amigos antes, mesmo quando estava em um relacionamento estável, então, optei por me despedir da mesma maneira. Apertei-lhe a mão, falei que havia sido muito divertido, que deveríamos repetir, porém, desta vez, com a família (seria mais seguro!), e, bom, au revoir, aufwiedersehen e seja lá mais o que for.
Quando entrei no prédio, fiquei imaginando o porteiro encarando aquilo, aquela situação, sabendo do meu estado civil, andando no carro de um homem, que veio me buscar e ainda me trazer… O que ele iria dizer por aí?
Só senti alívio mesmo quando entrei no elevador e voltei para o meu apartamento.
– Onde é que você estava?
– Amor, você não lembra que eu disse que ia no cinema com um amigo meu?
– Cinema? Amigo? Olha, Marcos, eu não sei, mas você não acha estranho essa história de homem casado ficar saindo no cinema com outro homem? – minha esposa perguntou.
– Mas ele é casado também, tem filho e tudo mais! Combinei que na próxima, iríamos os cinco!
– Tem certeza de que era só no cinema que ele queria ir mesmo? Ver filme? Nada parecido?
– Não, amor, não. Era só isso.
Mas, à noite, me peguei perguntando: e se ele quisesse outra coisa, mesmo? E se o encontro tivesse tomado outro rumo?
Achei melhor nunca mais fazer este tipo de programa. A partir de agora, só com a esposa, mesmo…
Nota do autor, setembro de 2021: certeza que você ficou pensando que era uma mulher e um homem, né? Rsrsrsrs. Vou lhe dizer, esta história é verídica, também. Certa vez, eu trabalhava em um AMA, e uma funcionária disse que eu e o genro dela iríamos nos dar muito bem, porque os dois gostavam de ler, eu tocava violino, ele tocava não sei o quê… Eu acho que a gente efetivamente foi assistir a um filme, talvez o Atlas de Nuvens, mas, para ser sincero, faz tantos anos que minha memória está confusa. Não me lembro se realmente fui, ou se acabei desconversando da proposta, mas enfim. Foi uma situação muito inusitada, tanto, que virou esta crônica!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais