Os vetores para a dominação alienígena estão aí
Se você espera encontrar um texto de H. G. Wells relatando casos da dominação alienígena com armas super-potentes, naves cilíndricas e extra-terrestres extra-feios, você está lendo o relato errado, pois este aqui é o relato de algo que realmente aconteceu – e realmente acontece – no nosso mundo de hoje. Não, não há raios laser, nem raios de calor, nem bombas atômicas nem nada disso. Há apenas as antenas. E as ondas de rádio e tudo mais. Então, se quiser largar o texto agora, vá em frente. Ainda mais se você tiver um celular e não se quiser ver enquadrado aqui.
Muito bem, continuemos então. Acho que você agora já tem uma idéia do que estamos falando. Sim, celulares. É esquisita a dominação que estes negocinhos têm sobre nós. Por exemplo, ontem meu pai estava decidindo qual celular comprar. A Vivo está com uma promoção de pontos que podem ser trocados por um celular. Um jeito de ganhar mais dinheiro entregando aparelhos quase de graça para que usem mais linhas. De qualquer forma, meu pai já tem 3 celulares; minha mãe, 2, eu, 1, e minha avó, um também, o qual ela não usa e deu para a gente de volta. Logo, já temos 7 celulares. E meu pai ainda quer mais um.
Antigamente, e isso não tão antigamente, há, no máximo, uns dez anos, os celulares eram verdadeiros tijolos. Enormes, pesados, você fazia exercício enquanto o segurava à orelha. Mas isso já era um avanço incrível em relação aos primeiros, maletas enormes de uns cinquenta quilos, que só podiam ser usadas por agentes do FBI. Sim, James Bond também devia ter o seu próprio, mas, claro, prevendo o futuro, o dele era do tamanho de uma Palm (nota do autor, outubro de 2020: Palm top, para você, Millenial ou posterior, era algo como uma tablet, porém com um milhonésimo de suas funções; basicamente, servia para escrever notas digitais). Afinal, seria muito chato se toda vez que ele quisesse alertar a agência britânica tivesse de abrir uma maleta gigante e esperar a boa vontade da operadora.
Hoje em dia, contudo, celulares são minúsculos. Oito centímetros, sete centímetros, cada vez menores. Um dia serão apenas um aparelhinho para se colocar no ouvido. Pelo menos vai ser mais difícil de roubar.
E, como computadores, eles têm todos os tipos de funções. Até máquinas fotográficas. E evoluem tão rápido que mal você compra um, ele já está atrasado. Assustador.
Sabem por que celular se chama celular? Porque são espécies de células, por se assim dizer. Cada parte de transmissão é chamada de uma célula. Daí celulares. O problema com isso, entretanto, é que realmente nos fechamos em células próprias. Quantas vezes se está saindo com amigos, contando aquela piada do anão no bar, e na hora que ele vai pedir a Kaiser, o bendito celular do seu amigo toca e lá se vai a piada.
Fora aquela desculpa chata: “Desculpe, estou esperando uma ligação” ou “Eu tenho de atender”, ou então não falam nada, simplesmente vão para o lado e começam a falar. Ou nem vão para o lado. Abrem o celular e começam a esbravejar. E você do lado, com aquela cara de tacho, sem entender o que está acontecendo e sem saber o que falar. Acabou a ligação, a pessoa está irritada, perdeu-se o fio da meada, aí acabou a conversa, vem aquele silêncio chato. Alguns ainda têm a coragem de perguntar o que houve. E raramente o interlocutor responde.
E quando se está na sala de aula, no cinema, teatro, até no hospital? O maior silêncio, o clímax da estória (ou história) e, de repente, toca a música de Jeannie é um Gênio. Tã-nã, tã-tã-tã-tã-tã… Não há nada mais chato que isso. Além de acabar com a moral de qualquer cidadão respeitável.
Hoje está todo mundo conectado. A sociedade não mais é dividida entre ricos e pobres, mas sim entre ligados e desligados. Quem não tem um celular é visto como uma pária da sociedade. Um fungo gigante. Um parasita. Um zero à esquerda. Para se ser aceito, têm de se ter um celular. E, se ele não tiver jogos, ai de você.
Celular virou até forma de se censurar. Na China, foi criado um órgão especialmente para censurar as mensagens de texto. Logo vão censurar o que você fala.
Do jeito que estão todos conectados, o celular grudado à orelha, inseparável, se alienígenas quisessem invadir a rede de celular e dominar todos nós, seria ridiculamente fácil. Será que não foram eles que implantaram o celular na nossa sociedade justamente para isso?
Chamem-me de quadrado, redondo, triangular, o que quiserem, mas eu não gosto de celulares. Tenho um contra a vontade e nunca me lembro de recarregar. A bateria acaba em menos de um dia, e eu só carrego aos domingos, se carrego. Ninguém nunca liga, ainda mais pelo fato de eu não dar o número para ninguém, e também não faço questão que liguem. Afinal, se quero ter uma conversa com alguém, tem de ser cara-a-cara. Um telefone, talvez. MSN se não tiver outro jeito (se bem que por lá se pode falar e ver, além de ser mais barato, no meu caso, que pulso telefônico), mas celular não, é incômodo, é chato, e pode ser confundido como arma de terrorista para explodir bombas de filmes C norte-americanos.
Sem mencionar que, nas palavras de Jerry Seinfeld, não se pode bater o celular. No máximo apertar o botão. E aí se acabou com a máxima expressão do telefone.
Por que não inventam celulares com base? Pelo menos poderemos bater na cara dos ET’s quando eles vierem nos dominar.
Nota do autor, Outubro de 2020: veja que interessante, como tantos anos atrás, já se discutia a influência que o celulares causavam nos relacionamentos sociais. E sequer havia internet disponível no celular, ou aplicativos de trocas de mensagens melhores que SMS!
Ah, sim, por sinal, hoje em dia eu preciso ter um celular. Não dá para viver sem um.
Marcianos, eu me rendo: vocês já me dominaram. Podem me abduzir.
Mas me deixem levar o carregador, por favor.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais