Chatices de Tênis
Sim, o Chato ainda era sócio do clube. Eu sei, vocês deviam estar torcendo para, assim como eu, ele perder o direito ao título familiar na hora em que se casasse ou atingisse certa idade, mas, de alguma forma (e usando meu cartão de crédito), ele conseguiu um título para si mesmo. E, assim, eu tinha de aguentar o Chato em absolutamente todos os lugares, inclusive o clube.
Lá estava eu, caminhando em direção ao café, depois de ter deixado meus filhos na natação, quando ouço alguém bufando.
– David… David… Me espera!
Eu reconheci a voz, então, lógico, eu tomei a atitude mais sensata: corri como se não houvesse amanhã. O que não adiantou nada, porque o Chato emergiu da pista de corrida como uma pantera e me interceptou no corredor ao lado, entre a pista e a quadra de areia, quase me prensando contra a grande do bitchi tênis, a nova modinha, o que certamente teria me levado à morte (calculo um impacto equivalente ao de 10 toneladas).
– David, você não me ouviu chamar?
Ele estava usando uma bermuda ridícula com flores havaianas, uma camiseta de igual mau gosto e uma faixa de pano na cabeça para segurar o suor, que saía aos borbotões da sua careca.
– Desculpe, você sabe como é, muitos Davids por aqui, eu simplesmente ignoro quando me chamam.
– E por que começou a correr?
– Não queria pegar fila lá no café.
– Ah, entendo, esse horário de intervalo das aulas é péssimo – ele falou. – Olha lá, que absurdo! Aquele monte de criança fazendo fila, enquanto tem mães com crianças de colo, e eles não estão nem aí… Devia ter uma fila só para o pessoal da escola!
Sentamo-nos a uma mesa que fica de frente para as quadras de areia, e eu apertei um botão.
– Eu não sei para que você faz isso, sério, elas nunca têm tempo de vir até a mesa, é um absurdo! Eu nem sei por que eles colocam esse botão, poderiam deixar sem, que seria mais fácil e…
Neste instante, apareceu uma garçonete.
– Em que posso ajudar?
– Uma água com gás, por favor. Com o limão embaixo do gelo no copo! – exclamou o Chato.
– Um café gurmê para mim – falei e murmurei para a moça: – E te dou uma gorjeta se você colocar superbonder no copo de água dele, quem sabe ele fica quieto?
Ela riu e se foi.
– Café gurmê? Sério mesmo?
– Que foi?
– Tudo agora é gurmê! É a banalização do termo! – ele exclamou.
– Ah, é só um termo para um café mais suave, eu gosto dele.
– Aliás, você não toma mais café com leite, não?
– Eu parei de tomar leite quando estudei acupuntura – comentei. – Reza a lenda que faz mal para o chi do baço.
– Sério mesmo?
– Bem, sinceramente, não fez lá muita diferença, esteja meu baço feliz ou não, mas eu simplesmente perdi o gosto por leite depois disso.
– Que coisa! – comentou o Chato. – Eu adoro leite, só que eu tenho um problema de digestão, sabe? E ele começa a fermentar e fazer gases e…
– Não quero saber! – exclamei. – Me poupe de suas experiências flatulentas!
Mas ele me ignorou; quando percebi, estava lá na fila da cafeteria, filmando certamente alguma coisa para o seu canal, dizendo o quão absurdo era ter uma fila tão grande para alunos, com idosos e mães de crianças de colo sem qualquer preferência. A moça teve de pedir que ele se retirasse, sob a ameaça de que o limão viria em cima do gelo, e não embaixo.
Furioso, o Chato se sentou novamente comigo à mesa, encarando as quadras de areia.
– Olha aí, mais uma coisa ridícula – ele falou.
– O quê?
– Esse tal de bitchi tênis. Fala sério!
– Ah, é um esporte como outro qualquer!
– Não, não é, as pessoas estão construindo quadras de areia! Quadras de areia! Onde vamos parar? Daqui a pouco, um estádio gigante com piscina de ondas para a gente treinar surfe?
– Você sabe que realmente estão criando um clube assim, né?
– Caraca, achei que minha ideia era original – ele respondeu, com um muxoxo. – Enfim, você não acha absurdo?
– Cara, deixa as pessoas, pelo menos estão fazendo exercício, é uma alternativa mais barata ao tênis…
– Eu jogava isso quando eu era criança. Chamava frescobol.
– É, eu sei, mas não tinha rede, não é?
– Claro, porque de fresco, não tinha nada! Frescura é essa onda de agora!
– Sério, por que você está tão irritado com isso?
– É o princípio, sabe? Essas coisas que viram modinha! Já viu aquele meme, do chapéu de bunda? O cara vê as pessoas andando por aí com um chapéu de bunda, acha ridículo, mas, depois de um tempo, todo mundo tá andando, ele fica desesperado e compra um para ele. É a mesma coisa! De repente, todo mundo quer fazer, vira uma febre, quer dizer, olha lá, um bando de marmanjo, tudo desocupado, jogando bitchi tênis no meio da tarde? Eles não trabalham, não?
Eu apenas o encarei, com a sobrancelha levantada.
– Não, você está aqui por causa dos seus filhos, você tudo bem e, também, nem está jogando….
Balancei a cabeça; ele não conseguia ver o óbvio ululante – o que ele estava fazendo lá numa terça-feira à tarde? Por que ele não estava trabalhando?
– Mas, sério, o pessoal ficou tão fissurado… Igual ao cross fit, lembra quando começou?
Eu me lembro de que o Chato tinha entrado na onda, tentado correr com um pneu nas costas e terminado em um hospital ao rolar a ladeira dentro dele. Mas não ia trazer isso à tona.
– Outro dia estava passando aqui, tinha um cara, todo orgulhoso, mostrando o joelho inchado. “Olha, tá doendo, ficou inchadão, mas tô aqui, jogando”. Vai se tratar, cara! O que você está tentando compensar da sua vida com esse jogo sem noção? Vale arruinar o joelho por isso??? – falava o Chato, quase espumando pela boca.
Bem nessa hora, o café chegou e ele se aquietou, porque a água veio da forma correta.
– E essa bolachinha de goiabada? – ele perguntou, com certeza querendo pegá-la.
– Nem vem, eu peço o café aqui justamente por causa dessa bolachinha!
– Cara, por que você não compra o pacote de bolachinha?
– É o princípio. É gostoso porque está junto com o café e é raro. Se eu tivesse todo dia, a qualquer momento, não teria graça…
Neste momento, ouvimos um “Ai”, e uma bola saiu voando e acertou a cabeça do Chato, causando outro “Ai”. Ele a pegou e ia arremessar de volta com toda a fúria contra uma pessoa, quando viu que tinha um homem caído na areia.
– Acho que torci o joelho – disse.
– Vou levar ele no departamento médico – disse o outro, e o homem saiu mancando, apoiado nos ombros dele.
– Eu falei, eu falei! – disse o Chato, quase comemorando a desgraça dos outros. – Eu não entendo por que eles insistem!
– Por que você não vai lá perguntar para eles? – sugeri.
– Eu vou mesmo! – ele exclamou, saindo triunfante do lugar.
Comi minha bolachinha, cruzei os braços e me pus a olhar; seria divertido! Adorava quando eu podia assistir de camarote ao Chato brigando com as pessoas e elas brigando de volta, a um estilo Quixotesco.
Um dos homens da plateia havia entrado na quadra e, no momento, tínhamos uma dupla de mulheres e um homem sozinho; o Chato foi até lá, com a bola na mão, e eu só pude vê-lo gesticulando com eles e saliva voando para cá e para lá. Na sequência, o Chato saiu e foi ao suporte de raquetes… Não! Ele ia acertar alguém! Será que ele seria igual àquele personagem da novela, que saía batendo nas pessoas com uma raquete de tênis (só que essa era de madeira, com um potencial destrutivo muito maior)? Será que ele finalmente ficou louco, que nem o Quixote? Será que eu deveria me levantar e fazer algo?
Mas, meu café iria esfriar!
De todo modo, eis que, de repente, o Chato não usou a raquete para acertar nada nem ninguém que não fosse a bola; ele começou a jogar! Dá pra acreditar nisso? E todo aquele discurso anti-bitchi tênis? Eu não queria nem saber. Terminei meu café e saí rapidinho de lá, antes que o Chato torcesse o joelho também e eu tivesse de atendê-lo!
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais