De Chatos, Brigas e Cabras
Estávamos eu e o chato caminhando pelas ruas da Santa Cecília, onde a minha avó costumava morar enquanto ela ainda era viva (não sei se hoje em dia ela ainda mora lá, mas enfim), quando deparamos com o seu velho prédio destruído; a rua, com aquele ar extremamente antigo, com seus prédios baixos de janelas grandes e varandas, todos igualmente velhos, sem nem mesmo estacionamentos (datam de épocas nas quais carros eram artigos de luxo), as paredes pichadas, o bar de esquina e a loja do seu Stein ao lado do prediozinho.
Quando olhei para a fachada, havia um enorme bâner branco com letras azuis, no qual estava escrito: “Alugo apartamento” e “Razões para o aluguel: excesso de barulho, conversas muito altas e…”. O terceiro item eu não me lembro, mas acho que envolvia algo com odiar a pessoa com quem a mulher morava, e os problemas eram extremamente parecidos com o lugar onde eu morava (dá pra se ouvir absolutamente tudo que acontece nos andares de baixo, se as pessoas falarem mais alto do que o normal, e eu sempre sei quando alguém chegou por causa do barulho do portão)…
E eis que, de repente, a fachada do prédio se transforma no de janelas azuis intermináveis de um prédio comercial que eu vi aqui em Sorocaba (no qual, curiosamente, havia um bâner branco com, em letras azuis, o anúncio de aluguel de uma sala por 300 reais).
Do nada, eu e o chato nos encontrávamos dentro do prédio, em um corredor escuro de piso de madeira, entre duas portas (uma de cada lado do corredor) cinzas. Eu sabia que na esquerda morava eu, e na direita, a minha vizinha (a qual, ficara implícito em minha mente, havia expulsado a sua companheira de casa e agora tentava alugar o próprio apartamento onde morava para outra pessoa, note). Como eu não conseguia entrar em casa, porque estava sem chave, creio, eu fui para a casa do lado, onde se podia ouvir uma enorme briga.
Por que eu fui para lá, quando uma briga de grandes proporções estava ocorrendo? Ah, simples. Eu precisava lavar a roupa.
Por isso, sentamos eu e o chato no sofá, olhando para a máquina de lavar roupas (quase da minha altura), em cuja tampa, aberta, estavam algumas meias e cuecas (bóquisser, azuis calcinha), enquanto a máquina lavava e nós víamos algo na televisão (a qual era a própria máquina, e cuja tela era justamente o vidro do tampo desta).
De repente, do nada, a mulher (minha vizinha, que era muito gorda e usava uma calça de moletom azul apertada e uma camiseta branca igualmente esticada pelos culotes) começou a berrar pela janela com alguém do outro lado. Foi possível ver a cozinha, com sua mesa de madeira, algumas cadeiras igualmente de madeira, bem no meio, tudo bem escuro, sem luz, e armários de madeira dos dois lados e uma pia ao fundo, na qual havia uma janela entreaberta (para cima) com os vidros sujos e/ou quebrados.
Ela brigava com uma velha do outro lado da rua, disso eu tinha certeza. E, quando ela veio falar com a gente, de repente tomou a voz e o sotaque do Don Corleone (fazendo até mesmo o gesto italiano com as mãos) e disse, exatamente assim: “You’ve got to back up your family!” (Você tem de ajudar a sua família! – Sim, ela falou em inglês mesmo).
Foi neste momento que eu e o chato nos entreolhamos, a visão da cena mudou para a terceira pessoa, e era visível claramente Jerry Seinfeld e George Constanza se entreolhando em um sofá velho e verde, todo acabado (a parede era de um amarelo velho e descascado. E, no apartamento, só havia esta sala, estreita, e a cozinha no fim desta, igualmente estreita).
Então ela voltou a berrar, como nunca, mas o que ela berrava eu não sabia, e de algum modo a porta da casa dela se abriu e a da minha também. Com isso, o George-chato foi para lá, entrou no meu apartamento (deixando uma cabra sair) e fechou a porta. Só que ele não era mais o George-chato; era uma velhinha de 50 centímetros de altura, saindo de um anime japonês famoso, ganhador de prêmios, cujo nome agora eu não recordo.
A cabra, branca, de quem eu estava cuidando para um amigo, veio até mim (cagando, obviamente, aquelas bolinhas pretas), e eu pensei alguma coisa. O que foi, eu não sei, porque o despertador tocou.
Eram oito horas da manhã; hora de levantar, tomar café e ir para a Tutoria.
(Sim, esta é uma história real. Sim, eu tive exatamente este sonho segunda-feira, talvez com uns detalhes a mais que agora eu não lembro. E não, ela não tem lógica alguma)
Nota do autor, setembro de 2021: analistas vão à loucura com esta descrição onírica tão viva. Mas, de qualquer forma, cabe uma analogia interessante: o Chato realmente sempre foi inspirado no George Constanza. Seinfeld representou uma parte importante da minha infância, eu adorava este seriado, e não podia deixar de notar algumas semelhanças entre mim e Jerry, como a religião e o cabelo complicado (basicamente, só tem isso de semelhanças, já que eu ainda permaneço uma tentativa bem sucedida de comediante sem sucesso).
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais