Do Meu Encontro com o Rabugento
Outro dia estava eu, serelepe e pirilâmpico, andando pelo supermercado Extra de Sorocaba (tá, não andando, eu estava fazendo compras, porque só um doido anda pelo supermercado sem ter, por razão, ir fazer compras, mas sim passear – perdão aos supermercadófilos), comentando com um amigo meu que aquele supermercado era extremamente rígido quanto à quantidade de produtos que poderiam ser passados no caixa-rápido – só quinze – quando um velho conhecido velho meu passou, com aquele seu sorrisinho metido, em seus óculos raibam, com sua calvice malfeita, deixando cabelinhos às laterais, com suas costas encurvadas e seu nariz adunco fungando, suas mãozinhas de senhor Burns para frente, segurando o carrinho, repleto de compras.
– Ora, ora, quem eu encontro aqui?
– Olá, Ebenezer…
– Se não é o velho amigo novo do meu velho inimigo velho [até ele gostou destas expressões], ahm… Qual o seu nome mesmo?
– David – respondi secamente.
– Ah, sim. Aliás, o que se fez daquele Chato? Ele ia se casar, mas saiu no meio da festa, berrando que não queria de modo algum… Mas que papelão, não?
– Eu que o diga… – e, para manter o ódio que o Chato mantinha por ele (não que eu tivesse algo contra o rabugento, mas, na ausência do Chato, eu tinha de lutar por ele), emendei: – Você não prefere usar o caixa preferencial para idosos, não?
– Uhm… Se eu estivesse na idade, quem sabe, mas como ainda não estou…
– Ah, é, está certo, é só até os 110 anos, e você tem 124…
Ele fechou a cara ainda mais diante disso, muito embora tivesse conseguido muito bem manter um olhar sádico até lá.
– Então, o que você está fazendo aqui? – perguntou, por fim, conforme o caixa 45 chamava, mas para esperar que eu perguntasse o que ele estivesse fazendo ali, coisa que estava seco para dizer.
– Compras. Preciso de algumas coisas para amanhã. E você? – falei, pois, muito embora soubesse da estratégia, estava verdadeiramente curioso.
– Ah – respondeu, quase em um orgasmo por poder fazê-lo –, desde que ganhei na mega-sena, no verão, resolvi fazer uma viagem pelo Brasil, e estou agora, em Sorocaba. Minha amiga precisava de uns itens de extrema necessidade, que ela não tinha dinheiro para pagar, então me ofereci para comprar, e aqui estou.
Olhei em seu carrinho; um patinho de borracha, uma garrafa gigante de anti-hálito de marca desconhecida, algumas coisas da marca extra…
Por fim, o caixa 37 me chamou, e fiquei feliz por me livrar daquele sorrisinho imbecil. Agora, para estar completo, só faltava…
Olhei de novo para o seu carrinho: tinha mais do que quinze itens.
– Ele tem mais do que quinze itens no carrinho e tá na fila de 15 itens! – gritei a plenos pulmões.
– Não! – exclamou ele.
Guardas surgiram do nada e voaram em sua direção.
– Eu tenho um sonho! – começou ele com seu feitiço, como se fosse o Saruman. – E neste sonho, as pessoas podem ir com 20 itens…
– Peguem ele! – ordenei mais uma vez, e os guardas definitivamente pularam sobre o arqui-inimigo do meu… Conhecido.
E assim pude sair tranquilamente do supermercado, enquanto o Rabugento, rabugento como nunca, era enviado para a cadeia dos burladores de caixas-rápidos (recém-feita no governo Lula; era para ser Cadeia do Caixa Dois, mas era pequena demais para comportar todos os políticos e virou uma cadeia de grandes causas pequenas).
Nota do Autor, setembro de 2021: é, eu sei que não está aqui a crônica do Casamento do Chato. Na realidade, eu preciso reescrevê-la, pois está muito, muito ruim. De qualquer forma, ela não é estritamente necessária para que vocês compreendam esta daqui.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais