Realidade Virtual
Começou como uma brincadeira, um daqueles assuntos que se solta de vez em quando em uma conversa no bar, mais uma daquelas filosofias sem motivo nenhum, quando as pessoas costumam discutir ao mesmo tempo de política e futebol e chegam à conclusão de que as células-tronco não gerariam bolas perfeitas e não serviriam para salvar a índole política de um país.
Muitas vezes novas religiões, novos movimentos e novas teses de doutorado que garantem uma cadeira na Academia Brasileira de Letras surgem destas conversas no bar. E foi mais ou menos assim que esta aconteceu:
Estávamos eu, o chato e um amigo nosso, fanático por jogos de computador, que eu chamo de Animaníaco (porque ele é igualmente maníaco por animes), sentados em uma mesinha de um lugarzinho aí, quando Animaníaco veio com a idéia:
– Já imaginaram se todo o mundo ao nosso redor fosse simplesmente uma realidade virtual? Se a gente fosse apenas bonequinhos controlados por outros seres, vivendo em uma comunidade virtual, pela Internet, como se a gente fosse um The Sims Gigante?
O chato achou a idéia absurda e logo começou a refutar, mas eu parei para pensar um pouco. Realmente, não teríamos como identificar, de modo algum, se somos pessoas de verdade ou bonequinhos de um jogo. Era o Matrix para crianças.
– Imagina só, se todas as nossas ações são controladas por seis bilhões de pessoas conectadas em uma rede?
– Tá bom, então, e como eles fazem na hora que vão dormir, ehm? Você não vai me dizer que eles ficam o dia inteiro jogando, sem fazer nada além disso? – opinou o chato.
– Não, não, pensa só; eles podem ir dormir quando nós vamos dormir. Ou melhor, a gente dorme quando eles dormem. Além disso, você já percebeu que às vezes o tempo corre mais rápido que o normal, ou mais devagar? Será que não são eles acelerando o nosso tempo? Além disso, e aquelas vezes que você ouve uma vozinha te obrigando a fazer tal coisa, ou então sente uma imensa vontade de fazer algo, mesmo que não saiba por quê?
– E acabou o livre arbítrio? É um absurdo!
– Não, pode existir o livre arbítrio, que nem no jogo, mas em geral a gente segue o que eles mandam. E, quando eles param de jogar, pode ativar o livre arbítrio… Já reparou que algumas vezes você se sente simplesmente obrigado a fazer algo, mas nas outras você escolhe? Por exemplo, quando eu estou no trabalho, pode ser que o meu mestre me mandou para lá e saiu para almoçar. Eu estou obrigado a ficar lá, mas posso fazer o que eu quiser lá dentro, até ele resolver aparecer… Além disso, outros podem controlar outros sims, como o meu chefe, que garante que eu vou continuar nos conformes do jogo.
– E o governo pode controlar os policiais e tudo mais – adicionei eu.
– Isso aí. Isso pode explicar como sempre têm aqueles caras doidões espalhados por aí, como tem gente que desafia a lógica, como os signos seguem um padrão de personalidade e tudo mais… Neste momento, todos nós podemos estar presos em um jogo de realidade virtual, e podemos não ser nada além de bits em uma enorme CPU.
– Isso é um absurdo! Cê tá querendo dizer que Deus não passa de um pirralho controlando a gente?
O outro assentiu fielmente, e o chato continuou descrente. Eu olhei para cima, pensando nisso. Seria um pleonasmo ou uma metonímia haver alguém controlando um jogo no qual outros controlam outro jogo no qual outros controlam ainda um outro jogo… Será que Deus não estava brincando com um joguinho que envolvia as nossas vidas? E se cada pessoa tivesse um computador e pudesse controlar seis bilhões de vidas ao mesmo tempo? Onde isso ia parar? O que é a realidade?
Estava perdido, mas mesmo assim tomei uma decisão: a partir de agora, vou cuidar melhor dos meus sims.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais