Tempestade em um copo d’água
Era mais um dia calmo no clube Hebraica. O sol brilhava, os pássaros cantavam, as velhinhas sentadas às mesas dentro da Ala Nobre contavam piadas e riam à-toa, as moças do Amor aos Pedaços trabalhavam tranquilamente, e um chato de galochas (sim, ele era um chato de galochas) as pentelhava, como era seu costume e tradição, uma espécie de ritual diário.
Foi quando uma mulher apareceu, olhando o balcão, e disse:
– Eu quero água… Com gás. Não, sem gás. Com gelo… Não, sem gelo. Com gás? Uhm…
A atendente a olhava, tentando fingir que entendia, e iria perguntar, se o chato não tivesse se metido no meio.
– A senhora quer uma água com ou sem gás?
– Ahn, sem gás – respondeu, apesar dos esforços da moça atrás do balcão, tentando avisá-la para não dar corda no chato.
– Mas água sem gás? Qual a graça de tomar água que não seja com gás?
– Não sei… Então eu quero água com gás – decidiu-se, enquanto a moça do balcão se aprontava para pegar.
– Mas água com gás? Não sei, acho que… Bom, gases dão gases, e isso não é bom para uma senhora, se é que me entende…
A mulher corou, e a atendente bufou, fechando a geladeira.
– Então pode ser sem gás mesmo…
– Mas com gelo ou sem gelo?
– Eu acho que…
– A água é sempre melhor gelada. Quente não tem graça – completou, antes que ela terminasse a frase.
– Então com gelo…
– Mas qual a idéia de comprar água mineral limpinha pra depois colocar uma pedra de gelo que foi feita sabe-se lá de qual água?
– Então pode ser sem gelo – retrucou a outra, de expressão fechada, a atendente sem saber o que fazer.
– De copo ou garrafa? – adicionou o chato.
– De copo…
– Mas pra que tomar água de copo? Pega uma garrafa logo, ela você pode reutilizar, o copo não, você tem de jogar fora, sem contar que ele é mole.
– Então a garra… – grunhiu.
– Mas o copo vem menos, é melhor se você não está com tanta sede, e você sempre pode colocar uma fatia de limão e um pouco de açúcar, vira uma limonada das boas!
A outra bufou, em coro com a atendente. Como o chato era chato!
– Quer saber, eu vou tomar do bebedouro! – disse, indignada, e caminhou para longe.
– Mas a água do bebedouro nem sempre é limpa! – gritou ele, em uma última tentativa, mas ela já se havia ido. – Ora, bolas! Mas que mulher maluca! Onde já se viu, comprar água? Pra que uma pessoa faz isso se você toma de graça dos bebedouros, ou então na piscina…
E a atendente foi embora, deixando o chato falar sozinho.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais