Um Padrinho Chático
Era um dia antes do meu casamento. Como padrinho, o Chato achava que a sua função era me assessorar em absolutamente tudo o que eu fazia e passou o dia me perseguindo, enquanto eu ia comprar coisas para a minha casa, levar coisas para cá, levar coisas para lá…
Como ia casar em Sorocaba, havia deixado a minha noiva lá pela manhã – o Chato, logicamente, fizera questão de acompanhar, dando pitaco em tudo. Quis até opinar sobre a maquiagem, tirou o vestido da embalagem só para ver, quase manchou ele com lama, quis ver os sapatos… Foi um inferno. Quase tão ruim como quando ele foi comigo escolher o terno para o casamento.
Em vez de alugar um fraque ou coisa parecida, eu achei muito mais interessante comprar um terno novo, que eu usaria no futuro. Sendo assim, aproveitei uma loja que estava com desconto de 50% e fui escolher um. Vinha com colete, o tecido era fresquíssimo, e o homem ainda me trouxe um lenço de seda, uma gravata e uma camisa feita do “único algodão que toca a família real britânica”. Não que fizesse qualquer diferença para mim se eu e o príncipe Harry compartilhávamos a marca de camisa, mas ela era linda demais e eu quis levar.
– Algodão britânico? Acho que isso ultrapassou todos os seus níveis de frescura! – ele disse e fico o todo o tempo soltando comentários do tipo, dando conselhos contraproducentes e dizendo que uma gravata borboleta vermelha com bolinhas brancas, combinando com uma meia xadrez verde e vermelha ficaria ótimo.
Mas na hora de escolher a sua roupa, o Chato, obviamente, não quis ficar atrás; entretanto, não havia nada que lhe servisse. Pela altura, teve de pedir um da seção infantil; entretanto, pela sua largura (isto foi logo depois de ele fazer a cirurgia bariátrica, mas ainda sem ter perdido tudo o que deveria), não havia nada que lhe servisse, e o alfaiate não sabia fazer ternos para hipopótamos.
– Sinto muito, senhor, mas não conseguimos ajustar o terno o suficiente – o vendedor dissera. – Acho que o mais fácil para o senhor é mandar fazer direto em um alfaiate.
– Tudo bem! – respondeu ele, erguendo o nariz orgulhosamente. – Eu não ligo. Logo, logo vou estar magérrimo, você vai ver! E aí, eu volto aqui com um terno da Hugo Boss só para esfregar na sua cara, seu esnobe!
E saiu da loja. Eu ainda não havia acabado de provar tudo e, como ele não poderia voltar depois deste showzinho, teve de ficar sentado no banco do lado de fora, observando-me e morrendo de raiva conforme o vendedor me contava piadas, só para que nossas risadas irritassem o Chato.
Mas, no dia anterior ao casamento, eu fui obrigado a ir fazer a unha, porque, se não, minha mão sairia muito feia nas fotos (depois, por sinal, eu descobri que a câmera do fotógrafo era tão boa, que conseguiu até pegar as curvas das minhas digitais).
– Boa noite, eu vim fazer a unha – disse eu, chegando no salão.
Todas as mulheres viraram e me encaram, assustadas.
– Que foi, gente, ele vai casar amanhã! Nunca viram, não? – exclamou o Chato. Mas, no caminho, murmurou para mim: – Retiro o que disse sobre o algodão do príncipe Harry. Isso aqui ultrapassou todos os seus níveis de frescura.
Sentamo-nos; e, enquanto a mulher cuidava das minhas cutículas (seja lá o que elas forem), o Chato se esparramava na cadeira e deixava que lhe fizessem as mãos, os pés e ainda colocassem um creme parecido com chantilly e pepinos nos olhos. Ah, sim, e massagem na careca.
– O que você dizia mesmo sobre frescura, ehm, ô homem pepino? – indaguei.
– Isto é para as minhas olheiras. Tenho de estar lindo amanhã. Não perturbe.
Balancei a cabeça, com minha constante inconformação. E, pouco depois, quando já não achava que havia sido esquisito o suficiente…
– Tem que passar esse troço aí? – perguntei, quando vi a mulher pegar dois vidros de esmalte.
– Isto aqui é para dar brilho. Tem a com menos brilho e a com mais brilho.
Arregalei os olhos.
– Pode ser sem brilho nenhum?
– Deixa que eu já resolvo isso – disse o Chato, puxando o meu celular. – Alô, Mirian? Me diga uma coisa, você quer que o seu noivo chame mais ou menos atenção do que você na festa? Ah tá, só para saber. Tchau-tchau. Passe só o polidor – disse ele para a mulher que fazia as minhas unhas; na minha cadeira, eu continuava com os olhos arregalados. Depois, ele se virou para as que faziam as suas: – Para mim, camada dupla de extrabrilho!
Com a mão que ainda não estava inutilizada, tentei ver se o Chato realmente havia realmente ligado para a minha noiva ou não, mas o celular deu pau e zerou a memória. Nunca iria saber.
No final, saí de lá tendo de pagar todo o tratamento de beleza da criatura frescurenta que me acompanhava, e ainda tive de aguentar ele reclamando da forma como haviam feito as suas cutículas, que ele fazia muito melhor, que elas haviam arrancado verdadeiros bifes das suas mãos…
No dia seguinte, que era o do casamento, consegui sair cedo o suficiente para fugir do Chato – que estava acampando na casa dos meus pais havia duas semanas – e chamei outro amigo meu para me ajudar a resolver mais algumas coisas. Quando por fim voltamos para casa, lá estava a criatura desesperada, reclamando que eu estava atrasado, que tínhamos de sair com cinco horas de antecedência…
No caminho, o Chato aproveitou para novamente falar mal do salão de beleza – mas, como este lugar era o favorito da minha mãe, ele comprou uma briga que durou uma hora e meia… No final do percurso, os meus ouvidos e os do meu pai doíam de tanto ouvi-los falar.
Ah, onde estava a Chaticus Mamicus? Bom, ela estava com tanto medo de perder o casamento por qualquer motivo, que já havia ido para Sorocaba na quinta-feira (o casamento seria no sábado).
Eu poderia gastar páginas e páginas dizendo todas as doideiras e maluquices que o Chato fazia e os seus comentários esdrúxulos, que ele fazia de dez em dez segundos. Mas aí, ficaria tão chata, mas tão chata a crônica, que ninguém iria ler. Portanto, vamos resumir para o importante: chegamos a Sorocaba, arrumamo-nos e fomos para o salão. Lá, logicamente, a Chaticus Mamicus já havia chegado antes mesmo da decoração e supervisionado a execução de tudo, com direito a todos os seus comentários insuportáveis. O local onde fizemos o casamento era um restaurante em forma de chácara, muito bonito e com ares rupestres. O salão era bastante longo e, no seu fim, havia uma árvore, na qual foram colocadas dezenas de velinhas acesas, e diante da qual havia sido montado o púlpito. Lá ficariam os juízes, os padrinhos em volta, e nós de frente.
Devo aproveitar este momento, porém, para dizer algo: fiquei muito surpreso tanto com ele, quanto com ela. Ambos pareciam de fato magérrimos; acho que os dois fizeram juntos a cirurgia e, associadamente, um pacto de ficar sem comer absolutamente nada por três meses e ainda fazer 20 quilômetros de caminhada, pois ambos pareciam apenas pessoas comuns com um leve sobrepeso. Inacreditável.
Tudo ocorreu como planejado; a organizadora pôs os padrinhos em fila, a música começou a tocar, e lá foram eles, cada casal para um lado. Quando foi a vez do Chato, a organizadora não sabia onde colocá-lo.
– De qual lado você é? – ela perguntou.
– Dos dois – eles responderam.
– Mas não tem tantos padrinhos assim, são só três de cada lado! – ela exclamou.
Enquanto isso, os músicos recomeçavam a música de entrada dos padrinhos.
– Mas eu combinei de ficar no meio justamente por isso – o Chato falou.
– Mas não pode, no meio fica o juiz!
– Tudo bem, eu ocupo o lugar dele.
– Mas você não pode tomar o lugar do juiz! É ele que vai realizar o casamento!
– Mas eu vou fazer um discurso, eu sou muito mais importante!
– Não tem nem cadeira para vocês sentarem lá na frente!
– Tudo bem, eu fico em pé.
– Não, não, não. Não estava no combinado, então, nada disso – a organizadora acenou para os músicos, que interromperam a música de entrada e se prepararam para a minha.
– Eu vou entrar e não quero nem saber! – exclamou o Chato.
Pegou o celular com uma mão, a mãe com outra e, fazendo tocar a marcha imperial do Darth Vader, entrou com ela sem dar a mínima para ninguém. Todos olharam o esquisitão sem saber o que dizer, jurando que era um penetra, mas lá foi ele. E, pela falta de lugares à frente, puxou cadeiras da mesa mais próxima e lá se sentaram ambos.
E, apesar disso, a cerimônia prosseguiu, com a organizadora quase tendo um infarto.
Eu entrei com a minha mãe, depois veio a florista, minha noiva entrou (e ela estava linda, por sinal), foi feita parte da cerimônia, e os pajens entraram com as alianças. Logicamente, eram falsas, e o juiz perguntou:
– Estão com as alianças?
– Eu trouxe, eu trouxe! – exclamou o Chato, pulando de sua cadeira.
Ele tropeçou em um dos fios da câmera e foi ao chão; para se apoiar, segurou na barra do vestido da assistente do juiz, que fez um rasgo na lateral, que por sorte parou na altura da coxa. Indignada, ela lhe deu um chute no rosto, e o chato rolou para o lado segurando o nariz sangrento.
– As alianças! As alianças! Perdi as alianças! Alguém, me ajude a procurar! – exclamou.
E a Chaticus Mamicus rolou ao chão para ajudá-lo. Só com os seguranças do local conseguiram puxar os dois para fora e limpar rapidamente as gotas de sangue que haviam escorrido do nariz dele.
Por fim, tirei as alianças do meu bolso – havia dado um par falso para o Chato, de tanto que ele me enchera, já sabendo que não daria certo de jeito nenhum deixar as verdadeiras com ele – e prosseguimos com a cerimônia.
E, então, antes de dar tudo por encerrado, quando íamos partir para o cumprimento aos padrinhos, os músicos já colocando os arcos às cordas, o Chato emergiu do chão como uma baleia saindo na superfície da água.
– Eu tenho um discurso! – exclamou, puxando um papel higiênico dobrado de seu bolso. – Eu tenho um discurso. Para o meu melhor amigo, David! Afinal – ele continou, dando umas tossidinhas para limpar a garganta – faz dez anos que eu o conheço e…
Ele não pôde continuar. Com um sinal, a organizadora avisara o segurança, que mais parecia um jogador de rugby, e este, com uma investida, levou o Chato ao chão, imobilizando-o, e logo o levaram rolando para fora de lá.
Entre a nossa saída, para fazer as costumeiras fotos do lado de fora, e a entrada novamente para abrir o buffet, contaram-me, depois, que o Chato também teve um papel inicial. Ele estava, dizia, sentado perto dos doces para poder ver o que ocorria no salão, enquanto segurava com um saco de gelo o nariz para que parasse de sangrar, quando viu uma senhora parar diante da mesa de doces, abrir uma sacola e começar a jogá-los de braçadas para dentro.
– Ei, a senhora não pode fazer isso! – exclamou.
– Posso sim – ela respondeu, indignada. – Eu sou mãe de médico!
O Chato parou e piscou os olhos.
– E daí? Mãe de médico dá direito a roubar doces de casamentos?
– Ora, seu enxerido… – ela retrucou.
E os dois se pegaram pelos cabelos. Quer dizer, o Chato a pegou pelos cabelos; ela o pegou pelas orelhas, e os dois começaram a girar em uma cena ridícula. Outros tentaram apartar, mas isso só juntou mais gente na briga e, quando perceberam, estava ela, caída no chão, com os óculos do Chato em suas mãos, e ele, do outro lado, com a peruca dela em mãos. As mesas de doces haviam sido destruídas, e todos eles não passavam de uma pasta multicolorida esparramada pela madeira do piso.
A senhora, horrorizada, colocou a sacola de doces na cabeça, para cobrir os parcos fios que lhe restavam, e saiu correndo.
– Meus óculos! Meus óculos! – gritou o Chato; e ela os arremessou para trás, sem olhar, deixando que caíssem no chão e quebrassem. – Nããããão!!! – exclamou ele.
Depois disso, ele e sua mãe conseguiram ser definitivamente expulsos da festa (tudo sem que eu ficasse sabendo). Não sem muito custo, a organizadora conseguiu arrumar toda a bagunça. Tudo bem que, quando passamos pela mesa de doces novamente, os móveis eram diferentes, os doces também, mas quem se importava? Era a última coisa que eu iria prestar atenção. Quer dizer, penúltima. A última era a ausência do Chato.
Nota do Autor, setembro de 2021: não preciso dizer, quase nada disso é verdade. Tirando, é claro, a história de uma pessoa roubando doces. Isso foi real… Acredite se quiser.
Por sinal, recomendo a todos uma organizadora de casamentos; diminui muito o seu estresse no dia. De verdade.

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais