O Clube dos Pais Cansados
Uma vez por mês, desde tempos imemoriais, Tiago, Rogério, João e Eduardo, o Dudu, amigos de infância, encontram-se para pôr a conversa em dia. No começo, eles se encontravam para festas; depois, quando seus relacionamentos foram se tornando mais estáveis (exceto pelo Dudu, que continuava solteiro), começaram a se encontrar somente para conversar, comer um churrasco, assistir a um jogo; e, por fim, quando os outros três estavam casados e com filhos, o que antes era quase um clube da luta se tornou um clube dos pais cansados (exceto pelo Dudu).
Aliás, a piada era constante:
– Vem, Dudu, entra que a água tá quentinha! – brincava um.
– É gelada no começo, mas você se acostuma! – completava o outro.
– Eu é que não sou maluco de me meter nessa – ele costumava responder, rindo.
O fato é que a amizade de todos era maior do que os perrengues que tinham no dia a dia, e o hábito era tão arraigado, que estava basicamente no contrato pré-nupcial de todos (menos o Dudu) que eles teriam um vale night por mês para se encontrarem (contanto que, claro, esses encontros não envolvessem infidelidade, claro).
Mas, no encontro mais recente, Tiago estava meio chateado.
– O que foi, Tiagão? – eles perguntaram, logo que viram sua cara de abatido.
– Ah, nada.
– Deixa dessa, desembucha!
Eles logo lhe entregaram uma cerveja e, sentindo os poderes mágicos daquele líquido gelado, ele logo se sentiu pronto para desabafar.
– Criar filhos é complicado demais – ele comentou.
– Caraca, se você que é o cara da criação com apego e disciplina positiva e está falando isso… – falou Rogério. Ele adorava contradizer a filosofia de criação do Tiago.
– Não, cara, não é por isso. Eu sei que é muito mais fácil criar na cultura do medo…
– Ô loco! Eu ouvi isso, mesmo? Cê tá doente? Covid te deixou louco?
– …Mas isso está totalmente errado – ele prosseguiu, ignorando as provocações. – Mas, a coisa é que parece que só vai mudando de fase, sabe? Ficando cada vez mais difícil?
– Sempre o próximo chefão é pior – comentou João.
– Minha esposa compartilhou umas coisas comigo hoje pelo Instagram… Cara, você acredita que tem criança cheirando liquid paper seco para fingir que é cocaína?
– E daí, cara? – retrucou Rogério. – Vai dizer que você nunca fingiu que tava usando uma droguinha?
– Rogério, pelo amor de Deus! São crianças! E isso faz mal!
– Eu vi essa notícia – comentou Dudu. – Pensei logo no meu sobrinho, 12 anos. Diz que tão misturando até acetona.
– Então! Você acha que a escola é um lugar seguro, mas não. Essas coisas acontecem bem diante dos professores!
– Ah, cara, deixa disso – falou Rogério. – Aqui não é lugar para você ficar depressivo. Ó, vem cá, deixa eu te mostrar esse vídeo aqui que mandaram no grupo de putaria…
– Nem me fala disso, Rogerião!
– Ô loco, véi! Sério, que tá acontecendo com você?
– Não, foi outra coisa que ela compartilhou comigo…
– Cara, acho que você tem que parar de ler as coisas que tua esposa compartilha… – foi a sugestão do João.
– Não, sério, estou ficando maluco com isso. Não consigo parar de pensar na Duda, ela vai fazer 10 anos, vive pedindo celular…
– Cê tá com medo que ela mande uns nudes?
– Se fosse só isso! Vejam a notícia: uma menina que começou a ver pornografia com 8 anos, ficou hipersexualizada, quase saiu por aí para trabalhar como prostituta… Sério, uma história horrível, horrível!
Os outros três olharam a notícia que ele mostrava no Instagram.
– Mas, cara, você já cria seus filhos basicamente no tempo das cavernas – comentou Dudu. – Eu nunca vi eles assistindo TV ou mexendo no celular!
– É, eu sei, mas isso não é o suficiente. Na escola, eles usam computador, precisam usar. Os amigos têm celular, eles compartilham, veem coisas. É difícil!
– Tiagão, tem coisas que você não vai conseguir controlar – disse João. – O que resta pra gente é orientar nossos filhos!
– É, eu sei, eu sei, mas isso tá me tirando o sono!
– Meu, não sei – disse Rogério. – Pornografia faz parte da vida! Lembra quando a gente roubava as revistas dos nossos pais?
– Mas era diferente – opinou Tiago. – Era muito menos explícito, não eram vídeos, não eram as coisas violentas que tem hoje em dia…
– Mas, meu…
– Eu vi um estudo – falou Dudu –, aliás, na verdade, eu ouvi em um podcast, que o consumo de pornografia está levando os homens a ficarem impotentes.
– Ah, não tá, não! – retrucou Rogério, sentindo-se ofendido. – Se tem uma coisa que funciona bem aqui é o Major Rogério!
– É sério. Isso vai lesando uma parte do cérebro relacionada a isso, por causa da exposição. E parece também que funciona como um vício, e o cara precisa cada vez de mais estímulos, até um ponto em que ele não consegue funcionar se não for exatamente como nas coisas que ele vê.
– Pô, Duduzão, não estraga a única coisa de bom que eu tenho! – reclamou Rogério.
– Cara, se a única coisa de bom que você tem na sua vida é as merdas que mandam nesses grupos de zap, tem algo muito errado com a sua vida – comentou João.
– Você entendeu o que eu quis dizer! Eu amo a minha família, ter filhos foi a melhor coisa que me aconteceu, a água tá gelada, mas já, já esquenta… – respondeu ele, não sem um quê de sarcasmo. – Mas, cara, sério mesmo? O que tem de mal de ver uma besteirinha de vez em quando?
– O problema não é você – comentou Tiago. – Você já tá ferrado mesmo, não tem como consertar essa sua cabeça zoada. A questão é as crianças! Isso vai alterando o cérebro delas. As coisas mudaram muito rápido, são muitos estímulos… Elas começam a usar álcool para desinibir, medicamentos para durar mais, drogas para terem efeitos alucinógenos ou coisas diferentes… Tá tudo muito errado!
– Sem mencionar que a pornografia é uma indústria – começou Dudu. – Isso estimula todo um mercado de prostituição e abuso de mulheres.
– Falou o santo! – comentou João.
– Tenho tentado evitar a pornografia, depois que fiquei sabendo dessas coisas. É difícil, mas estou quase limpo!
– Certeza que a principal preocupação foi ter de tomar um azulzinho pra funcionar!
Ficaram todos em silêncio, tomando suas cervejas.
– Cara, isso aqui tá parecendo enterro.
– Desculpa, gente, por isso não queria desabafar – comentou Tiago.
– Não, relaxa, a gente tá aqui pra isso. Somos o clube dos pais cansados. E o Dudu.
– Obrigado por me incluírem fora dessa – ele adicionou.
– Vamos falar de outra coisa – disse Rogério. – Que tal política?
– Ah, não, isso de novo, não! – reclamou João.
– Isso me lembra ainda outra notícia…
– Caraca, sério, Tiagão, bloqueia sua esposa no insta!
– Não, essa fui eu que ouvi no rádio… Do vereador, com os vídeos da menor de idade, sabe?
– Cara, nosso mundo tá muito zoado – comentou João.
– Por isso que eu falei que criar filhos é complicado demais.
Tomaram mais um pouco de cerveja.
– E o que vai fazer com relação ao celular da sua filha? – perguntou João.
– Segurar até ser inevitável – foi a resposta de Tiago.
– Tem certeza de que isso é o mais certo?
– Não sei, cara. Acho que não tem certo ou errado na paternidade. A gente sempre vai fazer merda, e eles sempre vão precisar de terapia no futuro pra tratar as merdas que a gente fez, por melhor que a gente seja. Mas… É o que eu acho mais certo.
Rogério estava em silêncio, mas, por fim, resolveu se manifestar.
– Vou dar uma olhadinha nos grupos dos meus filhos. Talvez… Um aplicativo de controle parental? – ele arriscou.
– Eles são ótimos – falou João. – É o que eu uso.
– Bom, já que está tudo não resolvido, bora pra uma partidinha de Fifa? – ofereceu Dudu, pegando os controles. – Isso pode, não é? Ou, se a gente ficar jogando videogame demais, vai sair por aí querendo… Sei lá, jogar bola de verdade?
– Bola de verdade? Longe de mim – falou Tiago. – Meu joelho não aguenta.
– Acho que a gente deveria mudar o nome do clube para Clube dos Pais Acabados – comentou João.
– E o Dudu – adicionou Rogério.
– Obrigado por me incluírem fora dessa – ele completou, como de costume. E se foram para a partida virtual de futebol.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais
Vitória
12 de maio de 2022 @ 07:39
Amei essa história,realmente ainda existem pais que se preocupam com o que os filhos estão vendo pelos celulares,computadores e etc.
Porém alguns acham “normais” “crianças” veem certos tipos de coisas,o nosso dever é orientar,porém evitar contatos com certos tipos de ações.