A polícia fotônica
Eu sou um fóton. Isso significa que eu sou a partícula mais rápida de todo o universo. Isso significa, portanto, que nada pode ir mais rápido que eu.
Exceto o espaço, é claro. Como ele não tem massa, ele é algumas vezes mais rápido que eu – algo em torno de sete, oito vezes.
No começo do universo, nós brigamos pelo primeiro lugar, mas ele ganhou. Paciência.
De qualquer forma, eu não sou um fóton comum; eu sou um fóton policial. Isso quer dizer que eu sou responsável por evitar que outros fótons quebrem uma das leis mais básicas do universo, ou seja: que ultrapassem a velocidade máxima, que não é pouca, se vocês querem saber a verdade. Absurdo pensar que alguém iria ultrapassar isso, não é?
Mas, andar sempre à velocidade máxima possível no universo faz uma coisa muito esquisita: faz o tempo parar. Não para as coisas ao redor, mas para mim; o tempo simplesmente não passa para mim. Isso quer dizer que todos os fótons têm a mesma idade que tinham ao início de tudo, ou, ao menos, no momento em que foram formados. No meu caso, eu tenho algo em torno de… Um instante. Mas eu deveria ter 13 bilhões de anos. É, eu sei, estou bem em forma, não?
Isso também quer dizer que nós, fótons, vivemos no presente. Não sabemos o que passou, não sabemos o que virá, o que torna o meu trabalho como policial ainda mais difícil do que já parece ser. No geral, tudo ao meu redor é apenas um borrão escuro; dependendo da direção em que vou, não consigo enxergar absolutamente nada atrás ou ao lado, apenas escuridão ou borrões.
Mas, sabe, essa história de o tempo não passar às vezes deixa a gente meio maluco. Por isso, tem vezes que eu vou a uma câmara de desaceleração. É, isso mesmo. Desaceleração.
Existe um planeta feito completamente de diamante no meio do universo. Não adianta eu explicar para você onde ele fica, porque, por mais rápido que você, pobre humano, tente ir, nunca chegará a ele. O grande truque é: quando eu atravesso o diamante, eu desacelero para mais ou menos a metade da minha velocidade, que é o mais devagar que consigo ir. E, aí, uma coisa inacreditável acontece: o tempo volta a correr. É nestas raras ocasiões em que eu consigo envelhecer. Que consigo pensar. Que consigo ver como o universo evoluiu nestes bilhões de anos.
É nesse planeta de diamante, presos em uma câmara de espelhos refletores, que nós mantemos os fótons que tentam ultrapassar a velocidade máxima. Eles ficam quicando, para cima e para baixo, envelhecendo, o que seria a pior punição para um fóton.
Mas, não para mim. Neste momento, eu consigo finalmente enxergar o que há ao meu redor. Eu consigo pensar. Consigo sentir o meu próprio ser crescer, envelhecer, amadurecer.
Mas, você deve estar se perguntando: como um fóton pode ultrapassar a velocidade máxima? Pois é. Tem vezes que eles estão enérgicos demais, empolgados demais, e simplesmente se esquecem de manter o controle. Agora, você deve estar se perguntando: se, à velocidade comum de um humano, o tempo passa a uma determinada velocidade, e, à velocidade da luz, ele simplesmente não passa, o que acontece quando um fóton ultrapassa essa velocidade limite?
Bem, uma coisa simplesmente incrível acontece. O tempo retrocede.
É, exatamente. Retrocede.
É meio que o único momento em que eu consigo ver um fóton de costas: só que, em vez de ele estar se afastando de mim (ou, ao menos, indo na mesma direção e à mesma velocidade que eu¹), ele está vindo na minha direção, porque ele continua avançando no espaço, enquanto se afasta no tempo. É, eu sei, dá um nó na cabeça. Nem me fale. A questão é que fótons não andam de costas.
E isso leva à grande dificuldade de prender um meliante desses: se eu acelerar, eu vou começar a voltar no tempo, o que significa que eu até posso chegar ao ponto onde eles estão no espaço, mas vai ser depois de eles estarem lá, porque eles estavam lá no passado, já que estão voltando no tempo. Coisa maluca, né? O grande negócio é identificar o ponto de inflexão: quando eles ultrapassam a velocidade, começam a voltar no tempo, em vez de avançar. Isso gera uma pequena onda no espaço, de acúmulo de luz, e uma espécie de brilho com uma ondulação gravitacional. Complicado, mas nós fótons policiais, temos uma sensibilidade especial para isso.
E, aí, vem o grande negócio. Eu preciso fazer manobras complicadas: deslizar no horizonte de eventos de um buraco negro para fazer uma curva e, com um cálculo preciso, acelerar o bastante para voltar no tempo o suficiente para chegar a esse ponto de inflexão.
Eu consigo isso, de vez em quando, mas não é fácil. Alguns, às vezes, escapam.
Você pode se perguntar: e daí? O que, exatamente, acontece com os fótons que ultrapassam a velocidade e voltam no tempo?
Bem, se voltarem tanto, que sequer terão existido, eles desaparecem. Viram partículas virtuais.
E, sabe o que acontece se simplesmente todos os fótons decidirem fazer isso?
Um novo Big Bang.
E eu acho que vocês não querem que o universo comece todo de novo, não é? Daí, a importância da minha função. Eu, literalmente evito que o universo colapse.
Você nunca imaginou que a polícia fotônica fosse tão importante, não é?
¹ A princípio, não seria possível enxergar um raio de luz que estivesse indo à mesma velocidade que nós, na mesma direção, porque ele tem de vir em nossa direção para o enxergamos. Mas, manter esta realidade física acabaria tornando o fóton virtualmente cego (ok, eu sei, ele é uma partícula, ele não vai enxergar), então, eu usei uma licença poética para quebrar esta lei da física.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais