Como Dominar o Mundo na Virada do Ano
França, final de 2006.
Dois macacos de laboratório geneticamente modificados se encaram, um deles com uma cabeça grande demais e outro com uma pequena demais; ambos estavam com as mãos para fora das jaulas, um deles, porém – o de intelecto menor – coçando o umbigo ao mesmo tempo.
– Encéfalo, o que nós vamos fazer hoje à noite? – perguntou.
– A mesma coisa que fazemos todas as noites, tirando as sextas, as segundas e as quintas. Ah, e os domingos.
– O quê?
– Tentar conquistar o mundo, Azulzinho, sua besta. Será que eu tenho que falar isso todas as noites, exceto sextas, segundas e quintas? Ah, e domingos?
– Puxa, desculpa, Encéfalo, eu tenho problema de lembrar as coisas… Mas mesmo assim, como vamos fazer? Vai ser mais um daqueles planos nos quais nos fantasiamos de Crepe e corremos pelas ruas de Paris aterrorizando a cidade, fingindo que somos alienígenas?
– Ahm, não.
– Ou então um daqueles nos quais nós chamamos todos os cachorros da cidade…
– Não.
– Ou então aquele no qual ameaçamos diminuir ainda mais a taxa de natalidade criando uma camisinha que simplesmente não estoura?
– Não.
– Então…
– NÃO, AZULZINHO, NÃO! – gritou o macaco, batendo na cabeça do outro com uma banana congelada. – O meu plano é o seguinte… Está vendo aquela privada, ali?
– Sim.
– Eu criei uma droga que causa esquizofrenia…
– Nossa, como?
– Do mesmo modo que tem uma droga contra esquizofrenia que causa diabetes, eu fiz uma droga com princípio ativo oposto, o que, por consequência, ativa as células beta no pâncreas e não só impede a diabetes como aumenta a incidência de esquizofrenia.
– Uau, Encéfalo! Mas que complexo! Não entendi nada!
– Não importa – retrucou o outro, de mau humor. Era assim todas as noites. Exceto sextas, segundas e quintas. Ah, e domingos. Domingo era dia do Fauston. – Nós vamos jogar um suprimento interminável de droga que causa esquizofrenia todos os dias nesta privada pelo próximo mês… E, como toda a água daqui termina no rio, e toda a água do rio é destilada para fazer essência dos perfumes franceses, e todo mundo na França usa perfume em vez de tomar banho, em questão de dois meses vão estar todos com esquizofrenia.
– Está bem, e daí, Encéfalo? – perguntou o macaco desprovido de inteligência, muito embora não tivesse entendido absolutamente nada do que o outro dissera.
– E daí que a minha droga causa também uma hiperexcitação das áreas motoras do cérebro por causa do excesso de glicose captada o que gera uma propensão a epilepsia.
– Noooossa, genial, Encéfalo!
– Você não entendeu nada do que eu falei, não é?
– Não.
– Enfim… Depois disso, quando o final do ano chegar e estiverem todos reunidos de frente para a Torre Eiffel, eu vou fazer o que eu sempre quis…
– Tirar uma foto a distância na qual você está segurando a torre na mão??
– Ahm… Não. Mas é algo a se fazer depois. Eu vou fazer as luzes da torre piscar… E todos vão entrar em estado epiléptico… E como eu vou estar controlando a mente de todos os cidadãos parisienses, vou pedir o controle do mundo para mim, ou todas estas pessoas vão morrer de tanto bater a cabeça no chão! – gritou ele, feliz, rindo sadisticamente, conforme um raio caía do lado de fora do laboratório.
– Noooofffa!
– Você sabe o que isso significa?
– Não tenho a menor ideia. Mas a ponta da unha do meu dedo do pé estala se eu giro o meu umbigo pra esquerda e pulo num pé só.
– Uhm, muito bom – foi a resposta sarcástica. – O importante é: me ajude a jogar as drogas na privada, que eu faço o resto.
– Certo.
– Agora, vamos sair daqui.
Os dois macacos se entreolharam, então, concentraram-se e começaram a contar mentiras um sobre o outro. Como consequência, a cada mentira eles diminuíam mais e mais, até um ponto no qual podiam tranquilamente passar pelas barras. Esta era uma das vantagens de ser um macaco geneticamente modificado. Era só uma pena que eles levavam dois dias para voltar ao normal…
Os dois, então, do tamanho de ratazanas, correram pelo laboratório, ligaram alguns canos – Encéfalo já deixara todo o aparato pronto – e Azulzinho ficou em cima da mesa, controlando a barreira de contenção do pó, enquanto o outro ficara em baixo, controlando a descarga.
– Vamos! Solte a primeira leva!
O rato burro puxou uma alavanca, e uma quantidade certa de pó desceu por entre os canos para cair dentro do vaso; o inteligente, por sua vez, acionou o botão e deu a descarga.
E assim eles continuaram por um bom tempo, até que, de repente, a luz do banheiro se acendeu e um homem de jaleco entrou; Azulzinho se escondeu dentro de um pote de cotonetes (bem grande, por sinal), enquanto Encéfalo, sem ter para onde ir, tentou se jogar para fora da privada, mas foi em vão; o cientista olhou para o bicho, tomou um rolo de macarrão em mãos (um bom cientista sempre tem um acessível), chutou o cano para o lado e acertou com tudo Encéfalo na bunda, jogando-o para o redemoinho de água.
– Sua ratazana nojenta! – berrou.
Nisso, Azulzinho, desesperado, saiu correndo, deslizou pelo cano e saltou dentro da privada, atrás dele, berrando: Dot!
Conforme avançavam pelo rio de dejetos, os dois encontraram um peixe-ovelha.
– Ooooi, eu sooooou a Dooooolly! – meou.
Encéfalo a encarou com nojo e submergiu; depois de várias curvas, os dois caíram no rio de uma pequena cidade subterrânea, feita de restos de lixo humano, onde viviam não só dezenas de centenas de ratos como seres geneticamente modificados descartados pelo laboratório, os quais se alimentavam da água do esgoto.
O mais cabeçudo saiu na borda, encarando a cidade, a qual estava repleta de luzes – tinha até uma miniatura da Torre Eiffel – e preparada para o ano novo.
– E agora Encéfalo, o que nós vamos fazer?
– O mesmo que fazemos todas as noites de terça, quarta e sábado, Azulzinho. Ah, e domingo. Não, domingo, não.
– O quê?
– Tentar dominar a cidade dos ratos!
Nota do autor, setembro de 2021: qualquer semelhança com “Pinky e Cérebro” pode não ser mera coincidência…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais