O dia em que os cosmonautas encontraram Deus
Era a década de 1960 em todo o seu esplendor; a Guerra tinha acabado, o mundo estava dividido entre os socialistas e os capitalistas, os EUA brigavam com a URSS, a África continuava com a sua descolonização, os hippies estavam começando a nascer e mais todas aquelas outras coisas do tipo. Quem viveu, pode explicar para vocês melhor como foi.
O importante de toda esta introdução é para dizer que, naquela década, os dois blocos mais poderosos do mundo brigavam para ver quem iria colocar primeiro um homem no espaço (e, futuramente, na lua).
Um russo de nome engraçado foi o primeiro homem a ir para o espaço e poder ver, com os próprios olhos, que a Terra era azul; foi ele o mesmo que disse que não havia Deus lá em cima, apenas a imensidão espacial. Essa é a história que nos contam… Mas como foi a história verdadeira?
O grupo de cosmonautas saiu da atmosfera terrestre… Subiu… Subiu… Até que, finalmente, estava fora; lá fora, literalmente, olhando apenas para o espaço escuro com suas estrelas através daquelas janelinhas malfeitas dos foguetes de antigamente.
Eles estavam flutuando, dançando na espaçonave uma daquelas danças russas e tocando o bandolim, berrando “Viva Stalin! Viva Lênin!”, abrindo o pacote de S&S’s e tudo mais, quando algo deu uma sacudida furiosa na nave e eles saíram ricocheteando de um lado para o outro da nave espacial.
– O que aconteceu? – gritaram uns para os outros.
De repente, uma voz etérea invadiu a cabine inteira, e todos se acotovelaram para tentar entender o que estava se passando.
– Ah, não, de novo!
– Quem é que está falando?
– Quem mais poderia ser? – respondeu a misteriosa voz.
– Rasputin? – arriscou um.
– O último dos Romanov? – tentou outro.
– Papai? Como você está aqui? – foi a fala do último.
– Pelo amor de mim mesmo! Quem é que pode ser que vive em torno da Terra?
– A lua fala! – exclamaram, impressionados.
– O que vocês são, russos, é? – indagou a voz, inconformada.
– Sim – responderam prontamente.
– Ah, isso explica. Todos socialistas, certo?
– E com orgulho!
– E todos ateus, certo?
– A religião é o ópio do povo! – exclamaram.
– E com orgulho! – adicionou um.
– Isso vai ser mais difícil do que eu pensava…
De repente, uma enorme mão feita apenas de luz tomou a nave e a levou para uma enorme face, a qual as encarava com cansaço e curiosidade ao mesmo tempo.
– Eu sou Deus – anunciou a face, na qual se podia ver um grande nariz e grandes orelhas, uma barba longa, cabelos brancos e igualmente longos, olhos espertos e pele enrugada.
– Deus não existe! – exclamou um.
– É só uma invenção para dominar o medo da morte! – bradou outro.
– E para a igreja dominar o povo! É uma arma do sistema! – disse o primeiro.
– Como um curinga! – exemplificou o segundo.
– E com orgulho! – gritou o terceiro.
– Quanto às três últimas afirmações, não posso discordar… Mas quanto à primeira – disse Deus – posso sim. Eu sou Deus. Eu sei.
– Deus não existe! – exclamou um.
– É só uma invenção…
– Tá bom, e a Daniela Cicarelli não tem 21 dedos! – retrucou a voz etérea.
– Ahm?
– Ai, meu Eu. De que década vocês são?
– 1960.
– Uhm, engraçado que apesar de reclamar da Igreja vocês ainda usem o calendário baseado no nascimento do meu filho… Mas enfim… 1960? São uns pirralhos ainda. Achei que já estivessem em 2006… Erro meu, acontece, às vezes, quando você vê tudo ao mesmo tempo…
Todos o encararam embasbacados.
– Posso saber o que estão fazendo aqui?
– Se você é Deus – disse um, espertamente –, por que precisa nos perguntar?
– Para manter o diálogo na crônica.
– Ahm?
– Esqueçam. Eu vou ler a mente de vocês, então… Se é assim…
– Não, não, ninguém vai ler a minha mente! – exclamou um deles.
– O que é você, um espião dos Estados Unidos? – perguntou o outro.
– Eu sou Deus, criaturas! – gritou Ele, e a nave sacudiu. – Agora, me digam logo de uma vez o que demônios estão fazendo aqui, ou eu vou explodir esta maldita nave!
– Viemos explorar o espaço!
– Ir para lugares aonde nenhum homem jamais foi!
– E com orgulho!
– Vocês não cansam, não? – perguntou a voz etérea, parecendo cansada.
– Ahm?
– Eu vivIa muito bem na Europa. Mas, aí, todo mundo teve de ir para a Europa. Então eu fugi para a África… Pam! Vai todo mundo para lá. Eu resolvo me esconder na América… Vem um monte de gente atrás de mim! Eu fujo para a Austrália, finalmente acho que vou ter um pouco de paz, um tempinho para usar minha criatividade e criar uns seres diferentes, e Bam! Logo depois que eu crio o ornitorrinco, mais gente aparece. Então, eu vou para a Antártida… Onde não deveria ter ninguém além dos pinguins… E o que acontece? Todo o mundo resolve descobrir o que tem no gelo! E o que me resta, então? O fundo do mar. E aí me vem um idiota e resolve inventar o escafandro e os submarinos! E pronto, tenho de mudar de novo! E quando eu finalmente acho que encontro um pouco de paz aqui no espaço… Vocês me aparecem! Tenha santa paciência!
– Ahm… Nós não… Ahm… Queríamos perturbar…
– Mas já perturbaram! – bradou Deus, e a nave sacudiu violentamente. – Perturbaram demais da conta!
– O que nós podemos fazer… Ahm… Senhor?
– Vocês vão dormir… – disse Ele, e todos imediatamente dormiram. – Muito bem, enquanto eu arrumo as minhas malas… Vocês vão todos dizer que a Terra é azul. Ouviram bem? Azul.
– Azul. A Terra é azul – repetiram idioticamente.
– Isso. E vão todos esquecer o que aconteceu aqui.
– O que aconteceu aqui? – perguntaram.
– Nada. Vocês saíram da Terra, olharam para o lado e viram que ela era azul. Que o sol é amarelo, que a lua é redonda e gira em torno da Terra, e só. Ouviram bem? Só isso!
– Terras são azuis… Sóis são amarelos… A lua é redonda e gira como violoncelos!
Deus se pegou um minuto ou outro tentando entender a rima estúpida, mas desistiu.
– Quando eu disser três… Vocês vão acordar e não vão se lembrar de nada. Só das minhas ordens, certo? Muito bem… Um, dois, três!
– Oh! A Terra é azul! – exclamou o russo de nome engraçado.
– Azul!
– E com orgulho! E Deus tomou suas malas e se foi para a lua, onde pretendia fazer um longo retiro…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais