Pareidolia
Yaroslav era um garoto de dez anos que morava em uma pequena cidade na Ucrânia. Sua atividade favorita era ficar deitado no chão, observando as nuvens passarem em suas diversas formas, com as aparências mais divertidas possíveis.
Até que, um dia, ele apontou para o céu e disse para sua irmã mais velha, Nadezhda:
– Olha, parece um elefante!
– É verdade, parece mesmo.
Só que, subitamente, a forma do elefante desapareceu; e, depois de um estrondo, eles ouviram um som muito esquisito, algo que se parecia com um bramido…
O chão tremeu e, diante deles, uma manada de elefantes passou, cruzando a estrada de terra, indo em direção ao centro da cidade.
– Não é possível! – exclamaram.
– O que um monte de elefantes veio fazer aqui, do nada?
Eles seguiram a manada em direção à cidade, que saiu criando o caos: virando carros, derrubando barracas de feirantes, postes de luz, casas…
Logo, seus pais vieram atrás, pegaram-nos no colo e os levaram de volta para casa.
– Papai, de onde vieram esses elefantes? – questionou Yaroslav.
– Eu não sei – ele respondeu, nervoso. – Vieram do Leste, do nada!
Os dois irmãos se entreolharam, com certa cumplicidade; seria possível? Não, não era, era apenas uma coincidência. Elefantes que surgiram logo depois que eles viram os animais nas nuvens?
Bem, os elefantes haviam criado tanto caos na cidade, que eles tiveram de ficar dentro de casa por algum tempo, de onde era quase impossível enxergar o céu, suas estrelas ou nuvens. Qual finalmente seus pais disseram que poderiam sair, correram, felizes, para o lado de fora, para encarar as nuvens e descobrir novas formas.
– Olha só! – apontou Yaroslav. – Aquele ali parece um dragão chinês!
– É mesmo – disse Nadezhda. – Olha lá, as garras e os bigodes, até!
A nuvem mudou de forma e eles ouviram, à distância, o barulho semelhante a trovões; correram para a cidade, por onde dragões rugiam e subiam pelas casas, destruindo chaminés e telhados, arruinando a praça pública, quebrando as vidraças das lojas…
Assustados, eles correram de volta para casa, por onde tiveram de ficar abrigados por ainda mais alguns dias.
Da terceira vez, eles viram a forma de um rinoceronte nos céus; no chão, uma manada surgiu, vindo do Oeste, irrompendo com fúria pelas ruas da cidade, até chegar ao seu centro. Os rinocerontes brigavam com os dragões e os elefantes, que ainda criavam arruaça, e a cidade se desfazia sob seus pés.
– Brat – ela falou –, acho que a gente deveria parar de ficar vendo as nuvens.
– Por quê?
– Toda vez que a gente faz isso, algo ruim acontece, um bicho estranho surge do nada e vai destruir a nossa cidade…
Yaroslav a encarou, preocupado.
– Tudo bem, vamos parar.
Mas, mesmo dentro de casa, eles ainda conseguiam ouvir os barulhos dos animais brigando, à distância. Depois de dois dias, em que não tinham nem mais água, nem eletricidade, papai anunciou que eles teriam de sair de lá.
– Mas, por quê?
– Não temos como continuar aqui desse jeito – ele falou. – Precisamos ir para um lugar seguro, onde não tenha esses animais!
Eles arrumaram as coisas rapidamente; as ruas estavam arruinadas pelos animais enfurecidos, impossível de andar com o carro, então eles teriam de fugir a pé. Correram por trás das casas, algumas nada além de escombros, e as duas crianças se esforçavam para não olhar para cima. Mas, quando pararam para almoçar, escondidos entre algumas casas que margeavam a estrada esburacada, começou a nevar, e Yaroslav não resistiu e olhou para cima.
– Veja, sestra! Parece uma cegonha trazendo um bebê!
– Yaroslav, eu te falei para não olhar mais para os céus!
Mas, ela não resistiu e olhou. Era verdade; a nuvem se parecia com uma cegonha, trazendo um bebê no bico.
E, pelos céus, uma esquadrilha de cegonhas surgiu, soltando os bebês de seus bicos, que caíam, cruzando as nuvens com um estrondo ao atingir as casas onde iriam viver pelo resto de suas vidas.
– Olhe, tem um bebê vindo para cá! – disse ele, apontando para os céus.
– Se abaixem! – gritou papai, tentando abraçar as duas crianças, assim como sua mulher.
Um estrondo; as casas desabaram ao seu redor. Era inacreditável o estrago que aqueles bebês inesperados conseguiam fazer.
Yaroslav estava deitado, com o corpo todo dolorido, olhando para cima; não conseguia se mexer. Tudo o que podia fazer era olhar para o céu, repleto das nuvens, ainda com flocos de neve caindo sobre ele.
– Veja, sestra! Parece um anjo!
– Pare com isso, brat!
– Estou falando sério! Olhe! Nadezhda olhou para cima; de fato, parecia-se com um anjo. Ele abriu as asas, estendeu-lhe as mãos, e tudo ficou claro e silencioso.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais