Por que as nuvens flutuam
No começo, quando Deus criou o universo, as estrelas e a Terra, decidiu pintar o céu. Afinal, a partir de então haveria luz e, tendo luz, as pessoas poderiam ver a verdadeira cor dos céus. Mas Deus é muito bom e perguntou ao céu de que cor ele gostaria de ser.
O céu pensou bastante a respeito; a sua cor seria muito importante. Afinal de contas, todos na Terra veriam o céu, todos os dias; plantas, animais, seres humanos, todos iriam se levantar todos os dias, olhar para cima e ver uma abóbada, um véu que lhes cobriria, que lhes traria segurança, que lhes daria a certeza de que não seriam levados embora daquele lugar.
O céu seria muito importante mesmo: tão importante, que durante o dia ele seria claro o suficiente para encobrir tudo o que havia na escuridão do universo: a lua, a estrela e os planetas. Somente o sol conseguiria ultrapassá-lo.
– Desejo ser azul, ó meu Senhor – ele respondeu, afinal, depois de muito considerar com as estrelas e os planetas –, de um azul resplandecente, marinho ao nascer, depois mais claro conforme o dia for avançando e, ao final do dia, quero me tornar mais escuro e com todos os diversos tons de azul e roxo, pois quero que os seres da Terra olhem para mim e se sintam tranquilos e confortáveis. Quero que saibam que há algo sobre eles, para cobri-los e protegê-los, e que saibam que não estão sozinhos neste universo.
– O seu desejo é bom – Deus respondeu, e a sua voz ecoou por todo o universo, de ponta a ponta. – A partir de agora, o céu será azul.
Imediatamente, o céu tomou todas as cores que havia desejado e, aparvalhado com toda a sua beleza, percorreu toda a volta da Terra para se mostrar, para que todos pudessem apreciá-lo. No entanto, Deus o achou muito exibido; e, para ele saber que não era ele que mandava na terra, Deus fez com que o céu dependesse do sol para se tornar azul; por isso, durante a noite, ele tinha de escurecer e deixar que as outras estrelas também reinassem um pouco. E Ele também fez com o que o sol só conseguisse iluminar a terra uma metade de cada vez; por isso, quando de um lado do mundo é de dia, do outro é de noite.
Em seguida, Deus perguntou à terra de que cor gostaria de ser.
A terra, também, não levou esta pergunta levianamente, ou seja, não levou como se fosse uma pergunta qualquer; ela pensou muito. Afinal de contas, se o céu era importante, porque todos do planeta iriam acordar pela manhã e olhar para ele, ou ir se deitar à noite, baseado nele, e até mesmo se dirigir de um canto a outra do mundo, graças às suas estrelas e planetas, como se fosse um verdadeiro mapa, era nela, na terra, que os seres pisariam, que as árvores criariam raízes. A terra seria a base do mundo – afinal, sem ela, o que diferenciaria o céu do chão?
– Quero ser marrom, ó meu Senhor. Marrom em todos os seus tons; escuro no centro da Terra, claro na areia fina e nos desertos, de diversos tons coloridos nas falésias, de um marrom avermelhado em certas planícies, de tons que reflitam a luz do sol ao entardecer, como se fosse ouro e pedras preciosas, nas encostas das montanhas. Quero ser tão apreciada quanto o céu, mas, mais do que isso, quero que os seres da Terra olhem para mim e se sintam cuidados, sintam que possuem um apoio onde caminhar.
– O seu amor pelos meus filhos é verdadeiro – disse Deus. Os filhos Dele sequer haviam nascido, mas Ele, assim como as suas criações, sabia quando e como eles viriam. – O seu desejo é bom. Que assim seja!
Imediatamente, por toda a Terra, a cor marrom surgiu em seus diversos tons.
Ao final, restavam as águas, que iriam cobrir três quartos de todo o planeta.
– De que cor desejam ser, águas dos mares e águas dos oceanos?
Não era uma pergunta fácil. A terra estaria sob todos os seres, e os céus estariam sobre eles. As águas, porém, ficariam entre eles. As águas iriam cobrir a terra e servir de barreira para os humanos que ainda iriam surgir; iriam separar continentes, iriam cobrir as profundezas do mundo e deixar tudo no mesmo nível – exceto pelas montanhas. Iriam servir de morada para inúmeros seres; iriam ser impenetráveis, quase tanto quanto a própria terra. Iriam trazer, elas bem sabiam, o terror e o amor para os homens.
Sabendo de tudo isso, as águas poderiam escolher ser de uma cor bem forte, como roxo, verde ou amarelo, talvez, e cobrir a terra, para fazer frente à sua vaidade. Elas poderiam, também, como elas bem sabiam, fazer montanhas de gelo, que ficariam nos polos e que seriam tão grandes quanto os maiores montes da Terra. E eles poderiam ser da cor que quisessem.
Mas as águas não eram dessas vaidades. Não poderias encobrir seus colegas e não poderias competir com a terra; nunca conseguirias fazer montes tão grandes quanto ela. Poderiam cobrir toda a superfície do mundo, mas o mundo era feito de terra, e o céu era a parte do universo que o mundo veria. As águas não sabiam que seriam muito mais importantes do que a terra ou o céu, e justamente por isso Deus havia deixado que escolhessem sua cor por último. As águas, ao contrário da terra e do céu, eram muito humildes.
– Desejamos ser transparentes, ó meu Deus – responderam as águas, depois de muito pensar –; transparentes para que todos vejam e sintam a nossa pureza. Para que toda a luz possa passar e, quando passar, se desfaça em uma rede de cores, em um verdadeiro arco-íris, para que todos lembrem que a pureza é a mãe de tudo.
– Seu desejo é muito bom e verdadeiro. Assim será – Ele disse.
E as águas se tornaram transparentes e cobriram toda a Terra, como Deus mandou.
A vida na Terra como a conhecemos hoje começou. Todos os dias, o sol nascia, o céu, como tanto esperava, clareava e se tornava azul, e as águas ficavam a olhar, lá debaixo. Pouco a pouco, elas foram se maravilhando com aqueles lindos tons que ele adquiria conforme o dia passava e o olhavam com tanto afinco e com tanta inveja de sua beleza, mas uma inveja boa, que acabaram por refletir todo o seu azul, tentando ficar igual em beleza.
Por isso, o oceano é azul, assim como o céu.
A cada novo dia, mais e mais as águas se encantavam, até um ponto em que não conseguiam passar sequer um minuto sem fitar os céus – até mesmo durante a noite, e é por isso que, do mesmo jeito que à noite os céus são pretos, assim também ficam os mares e rios.
As águas estavam apaixonadas.
Entretanto, a água ficava no chão, e o céu, no alto. Nunca poderiam se encontrar.
Vendo a sua tristeza, a terra, que havia sido criada pouco antes das águas, decidiu ajudá-la.
– Por que está tão triste, amiga água? – perguntou a terra.
– Porque estou apaixonada por algo que nunca poderei tocar! – ela exclamou de volta.
A terra pensou um pouco, olhando em volta. Só havia no mundo, naquele momento, eles três: a terra, a água e os céus.
– Está apaixonada pelo céu? – arriscou.
– E que outro remédio, se fico a olhá-lo o dia todo, com suas cores maravilhosas? Ó, amiga terra, daria tudo se pudesse chegar até lá em cima, para poder tocá-lo, ao menos uma vez!
A terra tremeu um pouco, pensando no que poderia fazer. E foi assim que surgiram os terremotos: toda vez que a terra está com um problema particularmente difícil de resolver, ela treme um pouco em seus profundos pensamentos, até encontrar uma solução.
– Vou ajudá-la – respondeu, por fim.
E, munida de toda a sua força, a terra fez uma volta em torno da água, separando-a como um lago gigantesco, e começou a crescer e crescer, cada vez mais, ascendendo até quase tocar os céus. Formou-se uma montanha, a maior de todas as montanhas da Terra, com um grande lago no seu topo, do tamanho quase de um continente.
Mas a força da terra foi tanta, que não foi só lá que ela cresceu; por todo o mundo, milhões de montanhas surgiram, algumas maiores, outras menores.
E foi assim que se formaram as montanhas.
No entanto, mesmo lá em cima, ainda não era possível tocar os céus.
A terra ficou com tanta raiva, por não ter conseguido chegar, que, em algumas partes, montanhas explodiram, e de dentro dela saíram os rios de lava, pedras ferventes, derretidas.
Foi assim que se formaram os vulcões.
– Não se culpe, terra. Você fez o que era possível. Ao menos, agora, posso vê-lo mais de perto.
Ela suspirou, e os vulcões se acalmaram; no entanto, vez por outra, quando a terra está particularmente irritada, um ou outro entra em erupção.
E lá ficou a água, cada vez mais enamorada dos céus.
Mas, como queria poder tocá-lo de verdade! E estava tão perto! Não teria como realmente chegar até ele?
– O, meus amigos ventos! Por favor, me ajudem!
– Vamos soprar e soprar – eles responderam – até que você consiga subir até o seu amado!
Eles sopraram com toda a força que podiam, mas isto não foi o suficiente para fazê-la chegar aos céus, e a terra já não mais podia subir. E é por isso que até hoje venta tanto no topo das montanhas; os ventos nunca mais conseguiram parar, desde então, de tanta força que fizeram para ajudar a sua amiga.
De vez em quando, também, os ventos trombam um com o outro, na sua eterna pressa pelos ares, e acabam formando redemoinhos, furacões e tornados. Sempre que isso acontece, é porque os ventos estão aprontando alguma de suas traquinagens.
Mas a água não iria desistir; ela precisava encontrar o seu amado. E, olhando para os céus, ainda enamorada, decidiu pedir ajuda para o sol, a estrela mais próxima de todas as que podia enxergar.
– Ó, amigo sol! Me ajude a subir até os céus! Me puxe com seus raios brilhantes!
– Não se preocupe, amiga água; vou fazer o que for possível – ele respondeu.
Afinal de contas, o sol sabia muito bem o que era amar e não poder tocar – pois, todos os dias, ele também via a sua amada, a lua, dando voltas ao redor da Terra.
O sol esquentou e esquentou; esquentou o máximo que pôde, aquecendo o mundo de uma forma nunca antes vista. O sol, no entanto, é tão grande, que não consegue concentrar toda a sua força em um lugar pequeno. Tentando ajudar a água, ele esquentou toda uma faixa da Terra – e é por isso que ela é mais quente no seu centro e mais fria nos seus polos.
A água aqueceu, amornou e começou a ferver; rapidamente, leve como uma pluma, aconteceu uma coisa incrível: a água começou a flutuar. Agora, ajudada pelos ventos, ela foi levada até o mais alto que conseguiu.
Porém, quanto mais alto ela subia, mais frio ficava – porque, na verdade, o sol não conseguia esquentar o ar, mas somente a terra e água.
Conforme subia, mais fria e pesada a água ficava. Para não cair, toda a água tentou se juntar, formando nuvens brancas flutuantes, que se pareciam com aquelas montanhas de gelo que se encontravam nos polos, verdadeiros icebergs voadores.
Mas, quando estavam todas juntas, ainda tentando tocar no céu, elas não aguentaram. As nuvens, que de brancas haviam se tornado negras, pois eram tão grandes que não conseguiam sequer deixar a luz do sol passar, romperam e choveram por toda a terra.
A decepção da água foi tanta, que, até hoje, podem-se ouvir seus gritos sob a forma de raios e trovões.
Por causa do amor das águas, surgiram os rios: é no topo das montanhas mais altas que as nuvens se reúnem, tentando chegar ao céu, e acabam por cair sob a forma de chuva. Esta chuva escorre pela encosta das montanhas, gota por gota, até formar um rio quando chega ao chão. E os rios correm para o mar, onde toda a água se junta novamente, para mais uma vez tentar subir.
E é por isso que as nuvens flutuam. Todos os dias, a água evapora, tentando chegar mais perto do seu amado céu; porém, quando ela realmente chega lá, sob a forma de uma nuvem alva, repleta de paz por ter afinal encontrado o seu amor, ela fica tão emotiva, que se desfaz, caindo na terra para recomeçar o ciclo novamente.
Nota do autor, setembro de 2021: eu tive esta ideia, não me lembro exatamente de quando, mas depois a expandi (esta é a versão expandida) para poder ser grande o suficiente para participar de um concurso. Lembro-me especificamente de que esta adaptação eu fiz na casa da minha tia, em Campo Mourão, PR.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais