300
– Vanusa! Pelos meus cálculos, estou na minha 300ª crônica!
– Tricentésima, é?
– Pois é! Dá pra acreditar?
– Você não tem mais nada para fazer da vida, não?
– Ter, tenho, mas, evidentemente, estou aplicando meu tempo na coisa errada!
Ela riu. Em minha homenagem, sua caneca de hoje tinha a frase: “Eu sou uma escritora e tudo o que você disse poderá ser usado em uma história”.
– Hoje, minhas crônicas atingem a maioridade – falei. – Quer dizer, quase hoje. A primeira crônica que escrevi foi em 3 de agosto de 2004, 18 anos atrás!
– Nossa! Faz tempo, ehm?
– Pois é. Foi filosofando sobre o “Irmão do homem bicentenário”, um homem que eu via sempre no clube. Fiquei pensando sobre o que ele fazia lá.
– Enxerido, você, não?
– Sempre fui muito curioso. Essa crônica faz parte da minha coleção “Cronicidade Cotidiana”. Sabe, as primeiras crônicas que eu escrevi eram assim mesmo, mais reflexivas. Escrevia, também, várias crônicas políticas. Depois, elas começaram a ganhar outros contornos, outros personagens e, talvez, não sejam mais crônicas, mas, sim, contos.
– Por que não chama de contos, então?
– Porque aí não chegaria tão rápido a 300! – respondi, de pronto, rindo. – Não, brincadeira. Provavelmente, uso o termo errado, mesmo. Mas gosto de pensar que as histórias curtas, que podem ou não envolver acontecimentos pessoais, são minhas crônicas. Registros da minha cabeça doida de escritor.
– E o que mais você escreveu em todos esses anos?
– Deixa eu ver aqui no meu site… Acho que a coleção do “Homo Chatiens” foi a segunda que comecei, em 21 de setembro de 2004, com “Tempestade em Copo D’Água”, com o Chato perturbando uma senhora que queria comprar água.
– Falando nisso, quantos anos tem o Chato?
– Eu não faço ideia. Parece que ele não envelhece! Acho que vaso ruim não quebra…
– Estou vendo aqui que também tem o País Pernil, né?
– Ah, sim, eu adoro ele! Comecei em 13 de outubro de 2004, com a crônica “Bert”, sobre um buraco que crescia cada vez mais em Santa Paula…
– Ih, parece que tem uma coleção anterior ao Chato, aqui. São os “Contos de Fadas Urbanos”.
– Ah, sim! Comecei em 18 de setembro de 2004, com “Os bolinhos da vovó Nona”. Ah, essa coleção é ótima, assim com o Pernil, tem livros publicados… Sabe, esses contos de fadas foram mudando com o tempo. Atualmente, além dos usuais, tenho uma nova linha em que tento revisitar os contos tradicionais, trazê-los aos dias de hoje. Queria chamar de “Contos de Fadas do Século XXI”. Mas, por enquanto, estão todos juntos, na mesma coleção.
– Olha, tem uma coleção ainda mais antiga aqui.
– Meu Deus do céu, é verdade! A coleção “Realidades Paralelas”. Comecei a escrever em 22 de agosto de 2004 com “E o vento me levou para viajar na maionese”. Ah, minha professora de português adorou esta crônica. Salvador Dali ficaria orgulhoso do seu surrealismo.
– Uma bela obra dadaísta, se quer saber.
Revirei os olhos. Anos podiam se passar, e eu continuava com a mesma tirada artística. Talvez eu devesse estudar um pouco mais sobre artes, aprender outros estilos…
– Quando entrei na faculdade, comecei a coleção “Crônicas de um estudante de medicina”. A primeira é de março de 2006. Com o tempo, foi perdendo a graça.
– A vida real não tem nada a ver com as séries de televisão, né?
– Pois é, ninguém iria querer saber da vida de um cara que só estudava e não fazia nada de interessante.
– E a Isabella Angier?
– As histórias dela, na verdade, não são crônicas, são contos, mesmo. Comecei em 9 de setembro de 2011, no meu último ano da faculdade. Não tenho certeza se foi antes ou depois de ter escrito “O Anatomista”. Eu me lembro de que pensei sobre ela enquanto esperava para buscar minha esposa no Instituto de Ortopedia do HC. Aliás, a sua aparência é baseada na minha esposa.
– E eu? Quando foi que você começou a escrever sobre mim?
– 22 de setembro de 2012 – falei, na lata. – Foi a primeira vez que você apareceu, falando sobre a campanha eleitoral em São Paulo.
– Olha só! Parece que setembro é um mês bem prolífico, ehm?
– E não é?
– E essas crônicas de uma recém-casada?
– Começaram em 22 de Janeiro de 2013. Foi logo no meu primeiro ano de casado, que surgiu a inspiração de criar estes personagens. Por sinal, Talita é o nome da minha cunhada.
– E qual é a sua coleção mais recente?
– Esta aqui. “O Clube dos Pais Cansados”, que comecei em 11 de abril de 2022.
– Não precisa nem explicar de onde surgiu a ideia. Posso ver pela sua cara!
– As olheiras não escondem, não é?
– Não, mesmo!
– E os seus romances? Quer falar deles?
– Puxa, não, senão, a crônica vai ficar muito longa. Quando eu chegar ao meu vigésimo romance, a gente fala deles, que tal? Combinado?
– Fechado, meu parça.
Olhei para ela, estranhando o palavreado.
– Qualé? – ela disse, desaparecendo em pleno ar.
O grande problema dessa maioridade é que os personagens estavam saindo do controle. Talvez eu devesse parar de escrever.
– Partiu 400! – gritou ela, de algum lugar, e eu dei um pulo na cadeira.
Tá bom, talvez, não.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais