A máscara caiu
– A máscara caiu! – exclamou Vanusa, em festa.
Isso foi enquanto eu estava no clube, esperando as crianças saírem da aula de natação. Ela tinha acabado de ler a notícia sobre a liberação pelo governador do estado de São Paulo do uso da máscara até mesmo em lugares fechados.
– Pois é, nem acredito – falei. – Já faz tempo demais, dois anos!
– Mas, e aí, o que você acha?
As pessoas viviam me perguntando isso, só porque sou médico. O grande problema é sempre responder sem que os interlocutores transformem isso em guerra política. O lado bom é que a Vanusa não faria isso.
– Ah, acho que essas medidas de isolamento têm dia para começar e para acabar. O objetivo era esse, dar tempo de vacinar todo mundo… Agora, é como se fosse uma gripe comum. Ao menos, para os vacinados.
– Você não tem medo de variantes?
– Variantes, sempre vai ter, como com o H1N1. Continuamos tomando vacinas contra elas até hoje. Acho que vai ser a mesma coisa com o Covid.
– É, pois é…
– Além disso, já deu, né? Pessoas que não se veem há tanto tempo, crianças que nunca viram outras crianças, vários comprometimentos educacionais, de desenvolvimento infantil e econômicos… Acho que atingimos o nosso limite. Estamos numa situação favorável. O futuro pode me provar errado, mas…
Vanusa estava inquieta, no seu lugar.
– Vocês não sabem de nada, se tivessem pegado a pandemia de venusovírus que aconteceu uns 300 anos atrás… – disse ela, por fim.
– Venusovírus? Você tá inventando isso, né?
– Que nada, afetou o planeta inteiro, a gente ficou dez anos em isolamento. Dez. Anos. Isolamento. E não era essa maravilha de máscara descartável, não, quando a gente saía, era com roupa daquelas de astronauta.
– Nossa, Vanusa!
– Pois é. Os seus bichos evoluem, os nossos também. No começo foi o maior auê, a gente fez que nem vocês, mascarazinha aqui, álcool ali, encontro às escondidas para cá e para lá… Até que veio a variante Pa-K-7. Essa era letal, letal mesmo! Pegou, acabou, derretia seu cérebro. Milhares de venusianos morreram.
– E como vocês resolveram?
– Isolamento até desenvolverem a vacina. Depois, isolamento até vacinarem todo mundo.
– E deu certo?
– Teria dado, se alguns não tivessem se rebelado e saído.
– E daí?
– Ah, quase todos morreram, e aí veio a variante Pa-K-7-teta, que não bastava matar todo mundo que entrava em contato, era tão contaminante, que a gente teve de isolar hermeticamente as casas. Isso foi isolamento definitivo. Foi um horror.
Eu engoli em seco.
– Mas, tudo bem, passamos por isso, agora a gente age preventivamente, apareceu um vírus novo, pá!
– Vocês isolam todo mundo que teve contato e começam a produzir a vacina imediatamente?
– É… A gente isola… sbrubous – falou ela, tomando algo da sua caneca, onde se lia “Tá olhando o quê? Nunca viu ninguém azul?”.
– O quê?
– No espaço – ela murmurou, tomando mais um gole, e desapareceu.
Eu dei de ombros e continuei tomando café. Não era possível. Isolar pessoas no vácuo espacial? Variante Pa-K-7? Ela estava tirando com a minha cara. Só pode ser. Só pode ser…

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais