Álbum da Copa
– Você tem a figurinha do Neymar?
– Como é que é?
– Do álbum da copa! Não vai me dizer que você não tá colecionando!
– Não acredito que você esteja, Van-van!
Ela riu. Segurava, aliás, melhor, ostentava nas suas mãos azuis um álbum de capa dura.
– Eu sempre coleciono os álbuns das copas, porque é uma excelente forma de registrar os seus melhores jogadores e algumas de suas características. Quer dizer, é uma bela de uma pesquisa antropológica e me economiza muito tempo e trabalho.
Eu achei aquilo apenas uma desculpa esfarrapada, mas enfim, quem sou eu para julgar?
– Agora, o que realmente me impressiona é a disposição de vocês para colecionar estas figurinhas. Quer dizer, qual é a graça de ficar olhando para os jogadores dos times?
– Olha, acho que graça, mesmo, não tem nenhuma, a não ser que você seja aficionado por futebol, o que é o caso da minoria de quem coleciona.
– E então?
– Acho que é porque, como toda coleção, as pessoas querem completar. A mente humana funciona assim: se existem vários itens de determinada coisa, e eu posso ter cada um deles, por mais idiota que seja, eu vou completar essa coleção. Pode ser um jogo de cozinha, por exemplo, ou miniaturas, ou, sei lá, álbuns dos Beatles, livros da Agatha Christie…
– Vocês são muito previsíveis – disse ela.
– É, eu sei. Chega a ser patético, né?
– Mas, o que me impressiona mais, mesmo, é esse pessoal que sequer coleciona de verdade.
– Como assim, Vanusa?
– Você precisa de, sei lá, umas 650 figurinhas para completar o álbum, vai. Isso são 130 pacotinhos. A verdadeira graça de colecionar é você ir trocando, não é? Comprar os pacotinhos ao pouco, para ter a emoção dos que saem novos, dos que saem repetidos, ir caçando para conseguir as que faltam, como eu estou caçando a do Neymar, tentar completar o álbum gastando o mínimo possível, fazendo trocas de figurinhas mais valiosas, batendo figurinhas…
– Sim.
– Mas, hoje, temos um fenômeno de pais que compram os álbuns completos pela internet, ou então já compram direto 200, 300 pacotinhos de figurinhas! Com isso, estão com o álbum completo em questão de horas e ainda sobram várias e várias com as quais eles não tem nem o que fazer! Não tem aquela interação social, aquele esforço verdadeiro para completar o álbum, que é o mais legal de tudo!
– Para quem só queria o álbum para fins de trabalho, você me parece bastante envolvida com o processo de completar…
– É que tudo isso me interessa! Antropologicamente, claro.
– É a modernidade líquida, Vanusa. Nada é feito para durar. Tudo deve ser conseguido na hora.
– Vocês não percebem como isso faz mal? Para não mencionar o consumismo… Já pensou no dano ambiental de todas essas figurinhas?
– Mas, Vanusa… Você também está colecionando. Você não se preocupa com isso?
Ela deu de ombros.
– Não é meu planeta.
Fiquei de cara.
– Agora, deixa eu ir procurar meu Neymar. Fui!
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais