Bléqui fraude
– Eu acho isso aqui simplesmente demais – disse Vanusa, olhando para prints que ela tinha tirado com seu celular.
Até hoje eu ainda não tinha descoberto por que Vanusa tinha desaparecido fazia tanto tempo, nem por que ela tinha decidido voltar, mas me parecia que ela queria pôr as notícias em dia, de tanto que ela estava me aparecendo naquele mês.
– O que, exatamente, Van-van? – falei, parando o que estava fazendo para encarar minha visitante interplanetária.
– A sua tal de Bléqui Fraude.
– É Black Friday – corrigi.
– Pois parece fraude, mesmo. De onde veio esse costume?
– Ih, parece que é bem antigo – respondi, procurando no Google, porque eu também não sei tudo. – Lá do século XIX, na Filadélfia. O pessoal saía para fazer as compras de fim de ano, logo depois do dia de ação de graças, e era o maior congestionamento nas lojas. Elas conseguiam finalmente sair do vermelho e entrar no negro, que eram os lucros. Isso virou uma competição entre os vendedores, que iam dando descontos cada vez maiores.
– Só que o pessoal ficou espero e, na verdade, o que acontece aqui é metade do dobro, ou um terço do triplo…
– Pois é.
– Eu venho monitorando os preços dos produtos daqui sempre – disse ela. – E é impressionante como, ano após ano, vocês caem nesse truque. Eles vão aumentando os preços ao longo do ano, e vocês nem percebem. Alguns nem ligam e aumentam o preço pouco antes da data!
– Pois é.
– Vocês são uma vergonha, mesmo.
– Ah, Vanusa, não fale assim.
– Mas é verdade!
– Eu sei, mas não é legal chutar cachorro morto.
– Chutar cachorro morto?
– É, é uma expressão, quer dizer que…
Mas ela sumiu da minha frente. Dando de ombros, eu voltei a trabalhar, porque, afinal de contas, minha vida não era só ficar respondendo às dúvidas aleatórias de uma venusiana maluca que adorava falar mal do meu planeta.
Alguns minutos depois, ela apareceu novamente.
– É, realmente não é legal.
– Falar mal do meu planeta? – questionei.
– Não, seu planeta é lindo, por que eu falaria mal?
– Do que você está falando, então, Vanusa?
– De chutar cachorro morto. Não é legal. Mas também não é legal chutar os vivos, também. Aliás, por que alguém chutaria um cachorro?
– Mas… Você ficou esse tempo todo pensando nisso?
– Não, eu fui testar.
– Não me diga que você foi chutar um cachorro morto? – perguntei, indignado.
– Não precisei, eu já estava chutando você, aqui – disse ela, rindo, e desapareceu.
Tenho a impressão de que ela voltou mais debochada este ano, não?
![](https://otrancarimas.drdavidnordon.com.br/wp-content/uploads/2021/09/Dr.-David-Nordon-Ortopedista-Infantil.jpg)
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais