Calendário Espacial
– Que dia é hoje mesmo? – eu perguntei para mim mesmo, enquanto me sentava para começar a escrever uma crônica.
– Eu não faço a menor ideia de como vocês conseguem saber isso – respondeu Vanusa, surgindo ao meu lado. Eu prometi para mim mesmo que não ia me estressar quando ela fizesse isso.
– Como assim, Vanusa? É só olhar o calendário!
– Esse é o problema! Vocês têm vários calendários diferentes, com anos diferentes, e nenhum deles faz sentido!
– Tudo bem, eu sei que…
– Veja só, você tem o calendário gregoriano, e, bom, não quero ofender nem nada, mas ele começa baseado no nascimento de uma pessoa. Quer dizer, como assim, com o nascimento de uma pessoa?
– Mas, Vanusa, para a religião cristã, é uma data importante, porque é o nascimento de Jesus, o filho de Deus.
– Mas vocês nem sabem se foi realmente nesse ano, ou que dia foi! Cada um apresenta uma data, várias foram readequadas quando os romanos conquistavam outros povos, para conseguir assimilar a cultura!
– Puxa, Vanusa, aí eu já não sei…
– E aí, você tem o calendário judaico, que começou quando supostamente Adão foi criado. Sério? Um cara, popular o mundo inteiro?
– Eu não entendi, Vanusa, você está revoltada com as nossas crenças religiosas ou nossos calendários?
– Não, eu só acho bizarro um calendário que conta os anos pelo sol e os meses pela lua, então, tem ano com mais meses, ano com menos meses…
– Bom…
– E aí tem o calendário chinês, que também é confuso e ainda tem uns animais, segundo dizem, por sugestão de Buda, que na verdade veio milhares de anos depois de terem começado a fazer o calendário!
– Bem…
– Ah, e tem o calendário Maia, adooooro, vocês surtaram em 2012, achando que o mundo ia acabar, foi demais!
– É, virou até filme e…
– Mas, veja, vocês escolheram umas datas aleatórias para começar o ano, sabe? Poderiam ter pegado, sei lá, o solstício de inverno, por exemplo, faria mais sentido, é o dia mais curto do ano, faz sentido começar daí.
– Eu acho que tinha algo a ver com as estações ou…
– Na verdade, isso tudo é uma baboseira.
– Ah, é? E como vocês calculam as datas em Vênus, então? – perguntei, tentando não me irritar, como tinha prometido para mim mesmo.
– A gente tem o calendário universal, que está no ano 22.001.197.737. Mas, temos também o calendário Venusiano mesmo, que está no ano 7.303.135.222. Eles são baseados em coisas bem mais interessantes, como o surgimento do universo ou a formação de Vênus.
– Gente do céu!
– Mas o calendário Venusiano é bem fácil, porque o dia dura praticamente metade de um ano, então a gente tem basicamente o dia um e o dia dois, mas o chato é que tem que dar uma equalizada periodicamente.
– E vocês não subdividem?
– Ah, mais ou menos, o nosso ciclo circadiano é baseado nisso, basicamente a metade escura de Vênus dorme por um terço do ano, depois a outra metade dorme, e assim vamos. É como se fossem as horas para vocês. Bem, se bem que, para não ficar muito perdido na hora de agendar compromissos, a gente às vezes divide o dia em 200 horas, só para dar uma organizada, sabe? E as horas, a gente divide em 360 minutos, e cada minuto em 1200 segundos, mas o dia dois muitas vezes tem duração variável, para equalizar, e…
– Sério, e você ainda diz que isso é menos complicado que o nosso?
– Claro que é! Pelo menos, é só um calendário! – ela disse e desapareceu no ar, claramente irritada.
Quando ela finalmente sumiu, diante de tudo que discutimos sobre calendários, terráqueos e espaciais, eu tomei uma decisão.
– Hoje é o décimo dia do nono mês do 33º ano do calendário Nordoniano – defini. – Muito bom. Acho justo. Iria começar a datar as coisas assim e esperar a Vanusa voltar, só para provocá-la. Por que não?
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais