É nóis!
– Vanusa, você voltou! – exclamei eu, empolgado.
Depois de acho que quase um ano, Vanusa finalmente tinha reaparecido!
– Nossa, eu tenho tanta coisa pra te perguntar! Tem leitores mandando perguntas, eu queria sua opinião sobre o Natal e a Black Friday, e…
– Calma, calma, calma! – disse ela, estendendo a palma da mão em um gesto universal para que eu me contivesse.
Ela tinha um tablet na mão e uma caneta eletrônica.
– Eu tenho boas notícias.
– Boas notícias?
– Sim. Eu falei com a Universalflix, e não foi fácil, mas eu consegui renovar a sua série.
– Como é?
– Olha aqui!
Ela me mostrou um tablet; nele, começava um episódio de uma série chamada “É nóis!”, da qual, por incresça que parível, minha família e eu éramos protagonistas.
– A gente colocou a música “Sweet child o’mine” de abertura, só a melodia, em homenagem ao seu filho, mas estou pensando que a gente pode ser mais ousado e pedir para o Hans Zimmer fazer a trilha sonora da segunda temporada, o que você acha?
– Vanusa… Do que você tá falando?
– Ora! Ano passado, quando começou o Big Brother, sabe? Eu tive uma ideia. Uma ideia genial! Eu poderia pegar alguns de vocês, humanos, com suas vidas complicadas, sofridas, cheias de picuinhas, filmá-los e criar uma série! Como um reality show, só que sem essa palhaçada de filmar 24 por 7. A gente faria só os melhores momentos em um episódio de 40 a 50 minutos, e pá! Quem não iria gostar de ver a vida sofrida de vocês em ultra high definition? É quase um romance de Charles Dickens em 3D! Veja que beleza!
– Mas… Mas…
– Olha, o episódio de maior sucesso foi esse aqui, número 23 da primeira temporada. Quando seu pai infartou e vocês estavam no meio do sertão do Sergipe. O pessoal foi à loucura! Deixamos no maior cliffhanger, eles só descobriram o que acontecia no episódio seguinte, vou te dizer, a galáxia inteira estava surtando na semana!
– Galáxia? – perguntei, engolindo em seco.
– Os anunciantes… Gente, foi demais! Então, bem, eu falei que não foi fácil, mas a verdade é que foi, sim. Eles gostaram muito da série da sua vida! Foi uma das poucas que foram renovadas, para falar a verdade.
– Sério, Vanusa, não é possível. Às vezes eu acho que você é só um fruto de algum surto psicótico meu ou algo assim.
– Que nada. A gente testou você antes de começar a série.
– Acuma?
– Vocês são perfeitos pra série – ela prosseguiu, indiferente. – Casal, três filhos, um adotado, um cachorro, famílias complicadas… É tudo que o povo quer ver!
– E esse nome, Vanusa? É nóis? É tipo “This is us”, só que em português?
– Shh! Não conta pra ninguém! – ela disse, depois, cobrindo a boca, murmurou: – Copia, mas não faz igual, sabe?
– Vanusa!
Ela riu.
– Fica tranquilo. Segunda temporada tá renovada. Só garanta que tenha tantas emoções quanto a primeira. Todo mundo tá torcendo pro joelho da sua mãe melhorar. Ou não. E aguardando o desenlace da casa do seu pai. Ah, sim, mantenha a barba!
– O quê?
– Ficou per-fei-to para a mudança de temporada! Sério mesmo! Vocês mandam tão bem, que nem precisa de diretor.
– Mas… Mas…
– É isso aí! Te vejo na próxima! – ela disse e desapareceu.
– Mas…
Eu parei e olhei ao redor. Tinha gente me assistindo na galáxia inteira? E que partes… Será que eles… Mostravam?
Fiquei mais uns instantes matutando.
Será que eu não tinha direito a um salário, pelo menos? Ou era tudo um mero Show de Truman?
Devia ser um surto psicótico. Só podia.
No próximo episódio, David vai ao terapeuta. Poderiam intitular de “Nem Freud explica”, ou “É Freud!”.
– É Freud – eu disse, sorrindo. – Definitivamente mais apelativo.
Mas…
Fica a pergunta…
Quem é o roteirista?
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais