Eugenismo superdotado
– Me explica esse negócio de superdotação, aí. O que quer dizer?
Eu estava no meu escritório, finalmente montando a aula da pós-graduação que eu estava embromando há semanas para fazer.
– Como assim, Vanusa? O que você quer saber?
– Superdotação é quando a pessoa é mais inteligente que a média, certo?
– Sim.
– E pelo que estou vendo do seu livro aqui – ela estava folheando o livro que eu tinha escrito sobre o assunto e aparentemente lendo cada página em um piscar de olhos –, tem uma influência genética muito importante. Ah, e vocês ainda usam testes psicométricos, é?
– Por que, vocês usam o quê? Aliás, vocês têm superdotação?
– Claro que temos. Bem, quer dizer, depende do que você quer dizer.
– Como assim?
– Todos nós somos mais inteligentes que os humanos, claro, mas todos os venusianos têm o mesmo grau de inteligência.
– Isso não é chato?
– Não, isso é ótimo! As festas ficam ótimas e acaba com a briga de egos – ela comentou, guardando o livro de volta. – Não sei como vocês sobrevivem, aqui. Tem até um clube do bolinha da superdotação, né?
Eu ri, concordando.
– Você não faz parte dele, né?
– Não faz muito meu tipo, não. Mas, me diga uma coisa, Vanusa, como vocês fazem para todos terem a mesma inteligência? Vocês selecionam com quem se casar?
Não queria nem perguntar como eles faziam para se reproduzir. Eu, ehm.
– Nãooooo… Você acha que nós somos o quê? Cachorros? A gente manipula a genética.
– Como? – indaguei, chocado.
– É. Seleciona os melhores genes. Mas o governo delimita um limite para a inteligência. Bom, quer dizer, a gente chegou ao máximo. Até temos tecnologia para ir mais longe, mas a última experiência com bioimplantes não foi legal, então a gente desistiu dois séculos atrás.
– Vocês selecionam todos os genes?
– Sim. Todos inteligentes, todos bonitos, como eu, sem doenças, vida longa…
Eu queria perguntar como eles faziam isso a 400°C de temperatura, mas tinha certeza de que ela ia bater na minha cabeça e me chamar de bobinho.
– Mas, isso não é eugenia, Vanusa?
– Sim – ela respondeu, com a maior naturalidade.
– E não diminui a variabilidade genética? Não atrapalha a evolução? Não aumenta o risco de morte por doenças? Não é injusto com os que não têm dinheiro para arcar com isso?
– Ah, não, a gente faz uma variação controlada do sistema imunológico. E, bom, é uma política pública, então, não tem problema não ter dinheiro. Aliás, dinheiro é um conceito tão antiquado, eu adoro quando vocês usam, é tão fofo!
Minha cabeça estava girando; que maluquice!
– Para falar a verdade, não sei por que vocês não vão por esse caminho. Eugenia. Faz tanto sentido.
– É claro que não! Preciso lembrar pra você que meus antepassados quase foram exterminados por causa das ideias eugênicas de um maluco de bigodinho? Não podemos nunca nos esquecer, para isso nunca se repetir!
– Sabe que é engraçado que aconteceu a mesma coisa em Vênus, mas no reverso. Ele queria uma raça de venusianos que não fossem perfeitos. Isso foi logo antes da revolução eugênica, uns mil anos atrás.
– E o que aconteceu?
– Ah, a gente prendeu ele e fez umas modificações genéticas. Agora ele trabalha pra gente. Ah, e raspamos o bigodinho, era ridículo demais.
Com isso, ela desapareceu e meu livro caiu no chão.
Esses venusianos… São todos malucos…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais