Férias
Eu estava trabalhando no meu escritório, quando Vanusa apareceu do nada e começou a mexer em meus souvenires de viagens.
– Vanusa! – exclamei. – Há quanto tempo!
– Pois é – ela respondeu.
– O que aconteceu? Por que você anda tão sumida? Achei que você estaria pirando neste período eleitoral.
– Eu estava de férias.
– Férias?! – questionei, surpreso; nunca imaginaria um venusiano de férias, de repente passeando pelo Brasil, tirando fotos na Torre Eiffel, sofrendo com filas em parques da Disney.
– Pois é, a gente merece, também. Trabalho basicamente vinte e quatro horas por dia por meses a fio, eu mereço uns meses de férias.
Eu a encarei com curiosidade, pensando como um empresário.
– E as férias são remuneradas?
– Ah, não, a gente não tem isso, não. Mas eu guardei um pouco de dinheiro para poder viajar com tranquilidade.
Vênus então não tinha leis trabalhistas que protegessem os funcionários, é? Não era aquela utopia que ela pintava, coisa nenhuma!
– E para onde você foi?
– Ah, fui para a Patagônia.
– Sério, mesmo? – indaguei, imaginando-a com roupas de frio e esquiando nas montanhas.
– Ah, eu sempre quis ver neve, mas fui alocada justo para o Brasil, onde não neva… Então, fui lá realizar um sonho. Você sabe, não tem neve em Vênus, por razões óbvias, nem em Marte, e os planetas em que poderia ter neve, como Netuno ou Urano, não dá para ficar, porque eles são gasosos, então, com o dinheiro que eu tinha, me sobrou a Argentina, que, por sinal, tá baratinha. Se você acha o peso desvalorizado em relação ao real, você nem imagina como é para o Dólar Venusiano.
Dólar venusiano?
A influência americana tinha chegado até Vênus???
– Mas, e agora, você voltou de vez?
– Sim, estou pronta, mais pronta do que nunca!
– E vai cobrir a nossa corrida eleitoral?
– Não sei. Não tenho estômago para tantas mentiras, sabe? Tem um ex-prisioneiro que se livrou por manobras políticas, tem um psicopata que só fez besteira no governo, tem outro maluco, só que de esquerda, e tem outros que eu nunca nem vi mais gordos que me parecem uns lemingues que não sabem direito o que estão fazendo.
Ela tinha descrito nosso quadro político com perfeita exatidão. Fiquei desalentado.
– Se é para ver mentiras assim, eu prefiro assistir aos seus filmes de super-heróis.
– Mas, e lá em Vênus? Vocês não têm eleições, nem nada assim?
– Ah, não. Lá, nós temos reis filósofos. Platão estava certo, sabe?
– E como funciona isso?
– Ah, eles são preparados desde a juventude para assumir o poder, eles aprendem tudo de tudo e, uma vez que assumem, ficam até a morte.
– Mas, é mais de um?
– Sim.
– E como definem quem será o rei?
– Eles debatem entre si e entram em acordo.
– E se não entrarem em acordo?
– Aí, eles se digladiam até a morte. É tão legal! A gente sempre fica torcendo por isso!
Eu a encarei, indignado.
– É mais limpo que as suas eleições. Vence o mais forte e mais inteligente!
– Mas… E se vocês discordarem do rei?
– O rei é sábio e todas as suas decisões são acertadas. Nunca discordamos.
– Não pode ser. Não é possível! Nem Jesus agradou a todos!
Ela deu de ombros.
– Nossos reis são melhores que seu Jesus. Bem, nos vemos em breve!
Ela desapareceu na minha frente, e eu me recostei na minha cadeira, pensando. O jeito como ela tinha falado sobre o rei filósofo…
Tenho a impressão de que ele não passava de um ditador metido às gregas.
Mas, e se realmente as coisas fossem tão bem quanto prometiam?
Concorrentes à presidência que se digladiam até a morte… Tá aí. A esse horário eleitoral eu iria assistir.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais