Gorjeta
– Você não deu gorjeta para o cara das malas.
Eu estava no hotel, tentando relaxar tomando a minha caipirinha, enquanto as crianças brincavam na piscina, quando a Vanusa apareceu. Notavelmente, ela estava de biquini branco, para contrastar com a pele azul, chapéu de palha e óculos de sol.
– Você passaria protetor em mim? – questionou ela, entregando-me uma embalagem com um creme azul.
– Tem certeza de que isso não vai desfazer minha mão? – questionei. Afinal, era creme venusiano, não é?
– Fica tranquilo, é seguro em humanos. Sempre testamos em vocês, antes de testar na gente.
Como é???
Achando melhor não contrariar uma raça alienígena superior, comecei a passar o protetor nas costas dela.
– Então, não vai falar nada para se defender sobre a gorjeta?
Eu suspirei. Lá vinha ela de novo, com os mesmos comentários do Chato.
– Sério, eu discuti isso outro dia com um amigo meu…
– É aquele que você não sabe o nome?
– Exatamente.
– E o que ele disse?
– Que não vê sentido em dar gorjeta para alguém que já está executando seu trabalho.
– E o que você acha disso?
– Olha… Estou tentado a concordar com ele. Também não vejo sentido. Assim, eu entendo, é uma forma de compensar os baixos salários…
– Mas, faria mais sentido se os salários simplesmente fossem melhores, não é?
– É verdade. O custo sai do cliente, de qualquer forma.
– Veja que interessante. Eu andei pesquisando sobre a gorjeta. Ela é já é dada, pelo menos, desde antes de 1509, quando se tem o primeiro registro do termo. A ideia era dar uma bebida à pessoa que prestava o serviço.
– Um agrado?
– Sim. Mas, dependendo da cultura de vocês, isso é bem-visto ou não. Por exemplo, nos Estados Unidos e na França, não dar gorjeta é uma ofensa.
– Verdade, um dia eu fiquei muito bravo com o atendimento de um garçom em Las Vegas e saí sem dar gorjeta. Ele veio atrás de mim cobrar, acredita? Não tive coragem de negar, claro.
– Por outro lado, no Japão, dar gorjeta é uma ofensa.
– É, eu entendo. Deve ser a mesma coisa que eu penso: se a pessoa já está fazendo o trabalho direito, por que ganhar algo a mais?
– Pois é – disse Vanusa. – Não temos gorjeta em Vênus.
Terminei de passar o protetor nas costas dela e devolvi a embalagem.
– Mas, espera, se vocês não têm gorjeta lá, por que está enchendo meu saco sobre isso?
– Ah, porque aqui no Brasil é malvisto não dar gorjeta para as pessoas, não é? Aliás, toma aqui, por passar o protetor em mim.
Ela me entregou um dólar venusiano e se deitou de barriga para baixo, para tomar sol nas costas. Eu fiquei olhando a moeda, sem saber o que fazer.
Se estava dizendo que não concordava com dar gorjeta, deveria devolver.
Por outro lado, era um dólar venusiano! Quando eu teria a oportunidade de ter outro desses na vida?
No final, embolsei a moeda. Iria colocar em um expositor na minha biblioteca.
– Isso foi um teste, seu hipócrita – disse ela e desapareceu. Por que eu tenho a impressão de que nós não somos nada além de cobaias para os venusianos?
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais