Modinha
– Eu acho tão interessante essas modinhas de vocês – comentou a Vanusa, surgindo, como sempre, do nada na cadeira ao meu lado.
Eu estava exatamente no mesmo lugar onde, no dia anterior, tinha me sentado para tomar um café com o Chato, enquanto ele observava o Beach Tennis e falava mal dele por pura inveja.
– Qual modinha especificamente, Van-van? – perguntei, tomando meu café e comendo minha adorada bolachinha de goiaba. Como de costume, ela me interrompeu no meio do trabalho, mas adiantava alguma coisa falar disso?
– Ah, qualquer coisa vira modinha hoje em dia. Por exemplo: a moda de usar roupa rasgada.
– Eu também não entendo por que as pessoas fariam isso.
– O que eu acho mais inacreditável é vocês estarem dispostos a pagar milhares de reais por uma blusa que parece que saiu do lixão!
– Tem gente que dirá que é uma arte que você veste, tenho certeza.
– Outra modinha que me surpreende é dos dentes brancos e perfeitos. Você não acha que estão todos vivendo uma cultura de massificação e uniformização?
– Ah, sim, por isso mesmo que eu vou deixar meus dentes amarelados do café e com esse encavalamento aqui entre os incisivos inferiores – comentei, mostrando para ela.
Ela fez uma careta.
– Você podia tratar isso aí, vai.
– Vanusa! O que você acabou de falar sobre massificação?
– Ah, mas não é só o dente, eu quero dizer, mulheres com narizes plastificados, cabelos alisados e com luzes, sobrancelhas delineadas, silicone, lipo, harmonização facial, botox… Os homens também estão indo por esse caminho! É uma ditadura estética!
– Você acha que é culpa das redes sociais?
– Com certeza! Todo mundo quer parecer perfeito, como se estivesse usando um filtro na vida real!
– Não tinha pensado por esse prisma…
– E mais! Olha a outra modinha aí – ela falou, revirando os olhos. – Beach Tennis. Todo mundo quer jogar para poder postar dizendo que joga. Mais uma imposição da sociedade. Só é legal, descolado, fit e resolvido na vida quem pode, em plena quarta-feira à tarde, jogar tênis numa quadra de areia.
– Sabe que você está falando de uma forma muito parecida com um amigo meu? Estávamos comentando sobre isso justamente ontem.
– Ele deve ser uma pessoa muito interessante – ela comentou.
– É um espécime único, devo dizer. Talvez vocês devessem se encontrar.
Ela tomou algo de um copo; desta vez, não estava com suas costumeiras canecas, mas, como pude perceber, um copo grande e dourado, com os escritos: “#Fique calmo e tome a sua modernidade líquida”.
Aproveitei a deixa.
– Sabe outra modinha que está pegando todo mundo? Copos Stanley. O povo paga centenas de reais por um deles.
– Como este? – perguntou ela, orgulhosa, apontando o seu.
– Sim, exatamente como esse, Van-van.
Ela deu de ombros e continuou tomando.
– Não tem nada a dizer em sua defesa?
– Não foi por consumismo barato, eu realmente achei interessante demais o princípio de funcionamento deste copo.
– Sei.
– É sério! Veja, são duas camadas, com vácuo entre elas! É demais!
– Sei.
– Não vai conseguir ter troca de calor por causa do vácuo, é muito inteligente! Vocês, humanos, usaram o mesmo princípio que usamos em nossas casas, lá em Vênus, em um copo! Eu preciso levar isso de volta para casa para mostrar.
– Quem sabe, não foi um venusiano quem criou eles?
– Quem sabe não foi um venusiano quem criou todas essas modinhas? – falou ela com um sorriso condescendente, enquanto dava tapinhas no meu ombro, e desapareceu.
Como ela sempre conseguia fazer isso? Desaparecer me deixando com mais dúvidas?
Mas, agora que ela falou, o copo tinha um princípio bem legal. Onde será que ela tinha comprado o dela, com aquela frase? Também quero um.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais