Ratanabá
Ela estava sentada, lendo um jornal. Sim, um jornal de verdade, segurando as páginas e tudo.
– Você está lendo um jornal de verdade, Vanusa?
– Bem, eu sempre leio jornais de verdade, a não ser que você queira enveredar pelo caminho de Descartes…
– Não, eu quero dizer um jornal impresso.
– Ah, sim, queria ter a experiência. Vocês realmente liam os jornais assim?
– Antigamente, como os astecas, sim.
– Os astecas não… Ah, peguei a referência – ela riu. – Ok, mas, vocês sujavam as mãos, mesmo?
– Fazia parte da experiência.
– E ainda usam para enrolar peixe e batatas em um país lá do Norte.
– E pegar cocô de cachorro.
– Isso é um recurso bem utilizado. Pena que escrevem tanta besteira nele.
– O que você está vendo agora?
Ela virou o jornal para eu ver a manchete sobre “Ratanabá, a cidade perdida na Amazônia”.
– Ah, sim, a mais nova Fake News.
– Sabe, se tivessem falado que ela tinha uns quatro, dez mil anos, acho que as pessoas realmente acreditariam. Mas, 450 milhões de anos?
Eu dei de ombros.
– E as pessoas realmente acreditam?
– Ninguém ensina o tempo do desenvolvimento das coisas na Terra, Vanusa. Eu mesmo aprendi isso depois da escola, por curiosidade própria.
Ela balançou a cabeça.
– Imagine! 450 milhões de anos atrás? A vida estava começando em Vênus e avançando bem em Marte.
Eu a encarei.
– Sério?
– Isso. Enquanto vocês estavam aí, todos orgulhosos das suas trilobitas, Marte já tinha vida inteligente de verdade. Pena que não era inteligente o suficiente e eles acabaram se extinguindo.
– Mas, estava começando em Vênus?
– É.
– Então, vocês evoluíram muito mais rápido que a gente!
– É, o planeta de vocês é frio demais. Vênus é como uma incubadora – ela disse, virando as páginas. – Agora, falando sério, não vai me dizer que as pessoas acreditam também que os Flintstones são de verdade e vocês realmente conviveram com dinossauros?
– Bom, a gente convive com galinhas.
– Dinossauros de verdade. Esses pássaros idiotas não contam.
– Como eu disse, se ninguém explica…
Vanusa se irritou e se levantou; foi ao meu quadro branco, que fica preso à minha parede do escritório, e traçou uma linha.
– Veja aqui! 14 bilhões de anos atrás surge o universo. 4,5 bilhões de anos atrás, surgimento da Terra. 3,5 bilhões de anos, surgimento de vida unicelular. Mais um bilhão de anos para virar vida multicelular. Que lerdeza! E assim vamos. Uns 250 milhões de anos atrás, seus amados dinossauros. 65 milhões de anos atrás, o meteoro que Marte jogou na Terra…
– Como é?!
– Extinção em massa, buuuuummm!!!! Ah, isso para não mencionar que 450 milhões de anos atrás, ainda era Pangeia, tava tudo junto e misturado aqui, Amazônia devia ser um deserto gigante. E, bom, olha aqui, mais ou menos 3 a 4 milhões de anos atrás, os primeiros hominídeos… 400.000 anos, o primeiro “Sapiens” – disse ela, fazendo as aspas com ironia ao nome da nossa espécie. – 10.000 anos atrás, agricultura, 6 a 7.000 anos, escrita. Pronto, aí está a sua linha de evolução da vida na Terra. Seres humanos “inteligentes”, 400.000 anos. Civilizações de verdade, coisa de 10.000 anos. Provado por A + B que é impossível que essa Ratanabá tenha existido.
Eu encarei a linha que ela tinha traçado e, depois, para Vanusa.
– O meteoro foi mesmo Marte que jogou aqui?
– Meu advogado não me permite mais falar sobre isso – respondeu ela e desapareceu.
E agora? Como saber se não era mais uma Fake News venusiana?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais