Se a moda pega…
– Olha só, Vanusa!
– O que foi?
– Recebemos uma mensagem de uma leitora!
– Como assim?
– Ué, Vanusa, você sabe que eu escrevo!
– Não, isso eu sabia. Só nunca imaginei que alguém se daria ao trabalho de ler.
Estreitei meus olhos e encarei a Vanusa com aquela cara de “Não me zoe”.
– Brincadeira – ela falou. – Eu tenho certeza de que tem pessoa louca o suficiente neste seu planeta para ler o que você escreve.
– Obrigado – respondi. – Me sinto melhor agora.
– Mas, veja o lado bom, posso dizer que você é um dos poucos terráqueos que têm leitores interplanetários.
– Ah, é?
– Sim. Veja, esta é a lista dos 10.000 autores que eu li nos últimos anos… Você está aqui. Posição 9.997.
– Bem, ao menos tem gente depois de mim…
– Sim. São três escritores de autoajuda que se dizem coach.
– Ah – respondi, desanimado.
– Mas, não fique assim. Você podia estar na lista dos outros milhões que eu não li, nem nunca lerei. Então, você é praticamente o pior dos melhores.
– Iei.
– Agora, sério, o que a sua leitora queria?
– Ah, sim! Você me desanimou tanto com a sua zombaria, que eu quase me esqueci. Ela pediu para te repassar a mensagem… Que, da próxima vez que você passar com o seu disco voador, ela quer uma carona para longe daqui.
– Bobinha… – Vanusa respondeu.
– Por quê?
– Todo mundo sabe que discos voadores não existem. Sério, você acha mesmo que tem alguma aerodinâmica em um frisbee gigante de metal?
– Não sei, eu não entendo muito disso…
Ela deu de ombros.
– Mas, e sobre a carona?
– Infelizmente, eu não tenho uma perspectiva de sair daqui tão cedo. Você vê, até as minhas férias foram aqui na Terra, né?
Assenti, um pouco entristecido pela minha leitora que, como tantos de nós, imaginava que haveria mais chance de viver em paz em Vênus.
– Além disso, Vênus tem uma lei bem restrita de que não podemos ter animais de estimação de outros planetas.
– Como é?
– É, tem aquele risco biológico, micro-organismos desconhecidos e tudo mais.
– Não, não é isso, estou falando da parte de animal de estimação!
– Ah, sim. Você acha que vocês, humanos, seriam o que lá em Vênus? Peças de museu ou de circo, animais de estimação…
Ela olhou para a minha cara de desolado e começou a rir.
– Sério mesmo que você achava que vocês seriam recebidos com alguma pompa e circunstância? Sem mencionar que, fala sério, vocês não aguentariam dois segundos em Vênus. Vocês são, tipo, a espécie mais frágil de todo o universo.
– Vanusa, não fale assim!
– Para não mencionar a fragilidade emocional. Pelo amor de Deus, como diriam vocês!
Fiquei em um silêncio desolado.
– Fora que, se a moda pega, imagina? Seria um êxodo. Todo mundo iria querer carona.
Continuei quieto, sem saber o que responder.
– Talvez, em vez de tentar fugir daqui, vocês devessem tentar consertar seus problemas.
– Mas, e se a Terra não tiver conserto? E se for como Marte e, um dia, a gente se autodestruir?
– Olha só, e não é que você está aprendendo um pouco sobre a história do universo?
– Seria melhor ser animal de estimação de venusiano ou ficar aqui e ver a destruição irrefreável da Terra?
– Não sei – Vanusa respondeu. – Mas eu vou estar lá comendo pipoca e assistindo. Achei que teria a companhia da rainha Elizabeth, inclusive, mas, que pena, ela me abandonou… Quem diria…
Mais um silêncio contemplativo, talvez em respeito à monarca falecida, talvez à minha esperança falecida.
– Mas, agora, falando sério, se ela realmente está pensando em sair do planeta, eu tenho um contatinho que pode pôr ela em órbita.
– Ah, é? É um venusiano?
– Não, na verdade, ele veio de Netuno.
– Como é?
– Deixa eu te mandar no zap.
Ela me mandou uma mensagem e, quando eu peguei o celular, ela desapareceu.
Lá na tela estava o contato dele: Elon Musk.
Netuniano? Ela estava de brincadeira, só podia ser.
Mas, isso explicaria a fortuna; certeza que o dólar netuniano valia bastante no mercado interplanetário.
Dei de ombros e encaminhei o contato para a minha leitora.
Se a moda pegar, acho que vou pedir comissão ao Elon. E ter uma rota de escape não seria de todo ruim…
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais