Vanusa, a Venusiana, em: Campanha eleitoral em São Paulo
Era quarta-feira; eu estava entrando na minha casa, quando, repentinamente, ouço alguém me chamar. Era uma voz feminina, mas totalmente diferente da voz da minha esposa. Meu primeiro pensamento foi: “Vixi, mesmo inocente, vou ficar com pinta de culpado!”, e tentei inicialmente ignorar o fato. A voz, no entanto, continuou a me chamar.
Busquei por todos os cômodos, mas não conseguia encontrar ninguém; afinal, sentindo o ridículo pelo que estava passando, arrisquei: “Quem está aí?”.
Surgiu diante de mim, repentinamente, uma mulher; pareceria muito com uma humana, não fosse azul e com os cabelos brilhantes, quase um Avatar, mas do tamanho normal.
Dei um pulo para trás.
– Quem… Ou o quê… É você? – indaguei.
– Meu nome é Vanusa, sou uma venusiana – ela respondeu, estendendo a mão para apertar a minha.
Meio em dúvida, apertei; afinal, se ela podia ficar invisível, por que não poderia me fulminar com um raio mortal?
– Eu vim aqui para fazer um estágio na Terra. Estou aprendendo como funcionam as coisas por aqui.
– Ah, sim – respondi, meio incerto; estágio na Terra? Como assim? – E em que eu posso te ajudar? – era mais seguro concordar.
– Bom, você me pareceu um candidato favorável a me instruir. É médico e escritor, não é?
Assenti.
– Parece-me um cara bem instruído. Enfim. Posso fazer algumas perguntas?
Fiquei ainda mais incerto; logo minha esposa me ligaria para buscá-la no serviço, e como eu explicaria a visitante inesperada? Aliás, como dispensaria a visitante? Ou pior, e se ela decidisse vir sozinha e me encontrasse com a Vanusa?
Achei melhor não pensar muito nisso e concordei com o questionamento.
– Estou estudando a respeito das eleições na cidade de São Paulo, que é a maior da América Latina, e achei algumas coisas muito curiosas. Em primeiro lugar, tem um candidato que afirma categoricamente que vai ficar os quatro anos do mandato.
– Sim, tem mesmo.
– Agora, até onde eu sei, não é o mínimo esperado que o político fique o mandato inteiro?
– Pois é… – respondi; não sabia se valia à pena entrar neste tipo de discussão.
– Bom, e se ele saiu antes, mesmo depois de assinar um documento, como podemos ter certeza de que desta vez ele não vai fugir?
– É, não dá pra confiar…
– E tem outro candidato que está conquistando seus votos a partir dos fiéis da sua igreja. Um candidato para quem ninguém dava muita bola nos anos anteriores. E pelo que entendi, ele meio que já estava fazendo campanha desde antes, embora não pudesse ser classificado exatamente como campanha. E, além disso, ele ainda estipula cotas para os seus pastores conseguirem votos. É isso mesmo?
– Ao que tudo indica, sim.
– E isso tudo não é ilegal?
– É, deve ser, em algum ponto…
– E tem o maior inimigo daquele primeiro candidato, e os dois ficam se agredindo mutuamente. E ele vem com propostas meio absurdas, falando que vai fazer mundos e fundos, imóveis mais baratos no centro, um bilhete de ônibus mensal, que, no fundo, vai agradar mais ao empregador, que é quem acaba pagando este bilhete da maioria das pessoas, do que o povo em si. E mesmo assim diz que trabalha para o povo pobre, é isso?
– Bem…
– E que história é essa de ficar sempre dizendo que sabe governar especialmente para o pobre e a classe média? Se eu fosse da classe alta, iria me sentir formalmente excluído. O certo não é governar para todos, com equidade?
– Então…
– E tem outro candidato que eu vi… Ele diz que é o único que pode unir a cidade, porque ele é amigo da presidente e do governador, sendo que os dois são de partidos oponentes há décadas. Até onde eu sei, quem é amigo de todos, não é amigo de ninguém, então, como podemos esperar que ele realmente consiga apoio concomitante de dois inimigos?
– É que…
– Fora as outras propostas absurdas que ouvi. Passarelas em lugares onde já existem pontes. Mudanças de aeroportos e rodoviárias de um ponto da cidade a outro. Como vão fazer isso? Pegando um helicóptero para transportar de cá para lá? E a história de que as empresas vão todas se mudar para a periferia? E que ninguém mais vai levar três horas para ir ao trabalho, porque vai morar perto dele? O que vão fazer, um oba-oba de troca de residências e empregos? Eu realmente não compreendo.
– Mas é que…
– E o aerotrem, que é a mesma proposta há não sei quantos anos?
– Bom…
– Não bastasse a sujeira e imundice que eles fazem em toda a cidade, e aqueles djingous que ficam na cabeça e não saem de jeito nenhum… Eu juro que eu não compreendo o que ocorre nesta cidade. Em quem confiar? Em quem votar?
– Mas, Vanusa, convenhamos… Se você é de Vênus, por que sua preocupação? Você não vai ter de votar.
– Eu sei – ela respondeu, tranquila. – Mas minha preocupação é por vocês, não por mim. Se fosse eu, não saberia o que fazer. Acho que me mudaria de cidade, viu…
Não sabia o que responder.
– Bom, acho que sanei algumas das minhas dúvidas… Quando tiver mais alguma, eu volto.
E, com isso, desapareceu, deixando-me profundamente intranquilo com o futuro da minha cidade. Essas venusianas!
Nota do autor, setembro de 2021: Vanusa foi uma personagem que criei quando fui colunista da revista digital “El Hombre”. A ideia era discutir política, entre outras coisas, com ares do “Arc, o Marciano”. Quando saí da “El Hombre”, que foi pouco depois de começar a residência e perceber que eu tinha de escolher entre duas das seguintes opções: dormir, comer, tomar banho ou ir ao banheiro, tive de parar de escrever – e Vanusa foi uma das vítimas. Quem sabe, ela volta um dia? Neste meio tempo, aproveite as crônicas que tenho dela.
O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais