Vanusa, a Venusiana, em: Natal

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Desta vez, eu tinha deixado meus filhos na natação e tinha saído para ir a uma drogaria comprar um remédio para resfriado. Não sei o que acontece, mas todo final de ano eu fico resfriado – lembro até uma vez em que dei plantão em primeiro de janeiro, tendo de dormir no hospital, e estava super-resfriado (aliás, desenvolvi o resfriado durante um plantão e ele só piorou ao longo dos próximos). Sobrevivi à base de remédios para desentupir o nariz. Enfim, estava voltando da farmácia, passando na frente do Shopping Iguatemi, onde um gigantesco Papai Noel inflável de máscara saudava a todos e os convidava para fotos, quando ela apareceu.

– Sabe, essa história de Natal não deixa de me surpreender.
Como eu estava com meu fone blultufi, ninguém achou estranho eu começar a falar com um ser invisível no meio da rua. Se bem que, convenhamos, estamos em São Paulo, ninguém acharia isso estranho, mas enfim.

– Qual parte dela, exatamente?

– Bem, até onde consegui achar em minhas pesquisas, os romanos pegaram uma festa pagã, do Deus Sol, e, para conseguir converter mais pagãos, modificaram a data de nascimento de Jesus Cristo para que batesse com a mesma festa. Curiosamente, nesta mesma época do ano temos também o Chanucá, a festa judaica das luzes. É isso mesmo?

– Bem, você é a pesquisadora aqui, acho que deve ser isso mesmo, parece bem compatível.

– E então, lá pelo século XIX, colocaram um tal de São Nicolau, por causa de um conto, para entregar presentes, inspirado pelo verdadeiro São Nicolau, lá do Século VI. E, desde então, temos que o Natal é uma época para a solidariedade, o amor entre pessoas e relembrar o nascimento de Cristo.

– Pelo jeito você fez realmente uma boa pesquisa.

– Mas, diversas coisas me intrigam nisso.

– Diga lá.

– Primeiro, por que ter este espírito natalino de bondade e solidariedade somente no Natal?

– A intenção não é você ter apenas no Natal, é que o Natal é uma época para você relembrar este espírito…

– Segundo, pela festa religiosa, as pessoas não deveriam estar dando mais importância para Jesus do que para o Papai Noel?

– Bem, é verdade, mas…

– Terceiro, não é estranho você ensinar para as crianças não falarem com estranhos, mas aceitar que um velho gordo de roupa vermelha entre na sua casa? Aliás, não só isso, deixar biscoitos para ele, esperando que traga presentes?

– Agora que você falou, realmente é estranho…

– Quarto, vocês não estão iludindo as crianças, fazendo elas pensarem que os presentes literalmente caem do céu? Ou, pior ainda, vocês estão chantageando as suas crianças, dizendo que elas têm de se comportar apenas para ganhar o presente de Natal! Aliás, toda a comemoração do nascimento de Cristo foi obliterada, com uma intenção meramente comercial!

– Eu acho que, na verdade, as famílias…
Mas Vanusa estava empolgada demais com as suas indagações para sequer me deixar discutir.

– Por fim, o pior de tudo: estamos em um país onde o Natal ocorre no verão! Veja o calor! Não faz o menor sentido ter um gordo com roupa de frio, decoração com árvores falsas cheias de neve, ou, pior ainda, esperar que o dito cujo entre por uma chaminé, sendo que quase ninguém no Brasil tem uma, porque aqui é quente demais para isso!

– É, realmente…

– Acho que o Papai Noel daqui deveria usar uma bermuda, camiseta regata, havaianas, boné, óculos de sol, voar em uma prancha de surfe puxada por uns botos cor de rosa!
E, tendo concluída sua revolução natalina, Vanusa desapareceu. Olhei para o Papai Noel gigante e mascarado na frente do Shopping: de fato, seria bem mais interessante do jeito que ela apresentou.
Mas dei de ombros. Eu não comemoro o Natal, mesmo, então não faz a menor diferença.