Poesia Concreta
– Olha só, mas que coisa! Agora virou moda essa porcaria que eles chamam de poesia! – exclamou ele.
Estava passeando pela avenida Pauliceia, a avenida mais famosa do Pernil, onde sempre se reuniam diversos artistas vendendo as suas obras em tapetes estendidos no chão.
– É a tal de poesia concreta – disse a namorada dele.
– É uma idiotice. Diante dele, havia um quadro mais ou menos assim, chamado de “A Pera não Pera”:

– Ah, eu achei legal, você vê, é verde, e ele brinca com a palavra “Pera”, deixa na forma de uma pera…
– Qualquer idiota pode fazer isso!
– Se qualquer idiota pode fazer isso… Por que você não faz então, seu sabichão?
– Pois vou fazer.
Sabe aquela frase motivacional, “Sem saber que era impossível, foi lá e fez?”. Pois então, no Pernil, eles usam costumeiramente uma paráfrase: “Mesmo sabendo que era idiota, foi lá e fez”. E foi exatamente isso que Felipe fez: querendo surfar na onda do sucesso de poetas concretos de meia pataca, ele decidiu criar as suas próprias poesias. Criou um Istragão¹, com o nome @felipepoesiaconcreta e logo começou a fazer sucesso. O que ele não imaginava, porém, é que logo ele faria um sucesso tão tremendo, que acabaria se tornando mais uma daquelas celebridades instantâneas² que frequentemente pipocavam no Pernil. Uma de suas poesias mais famosas era esta aqui, chamada “Gato Mia”:

– Mas, Felipe… Eu até entendo, parece um gato, mas você não acha que as palavras meio que… – comentou sua namorada.
– Como assim?
– O que tem a ver alumia com gato mia? Isso é uma palavra?
– Não importa.
– Miau-gia, você brincou com mialgia, ok, e alergia, mas… Não são coisas ruins de se associar a um gato?
– Isso não importa.
– Você poderia escrever logo de uma vez “Toxoplasmose”, então!
– E como ia ficar a sonoridade? Mas, não importa! Nada disso importa! O que importa o que eu estava sentindo quando criei isso! – respondeu ele, irritado. – O povo me ama, Jenifer! Simplesmente me ama! E eu dou ao povo o que o povo quer!
Ela bufou.
– Pois não quero que você me dê mais nada – respondeu e foi embora do seu apartamento.
Pouco depois, ele ficou matutando…
– Toxoplasmose…
Com isso, ele criou a sua obra-prima: “Ose é dose”, que foi ovacionada nos salões de arte de todo o mundo (especialmente naqueles financiados pela indústria farmacêutica).

E este “Ose é dose” o levou também à famosíssima “Ode à dose”, que foi exposta até mesmo no museu trancês do (Dieu ne) Livre³:

Em uma certa entrevista, perguntaram ao grande Felipe, o mago da poesia concreta:
– Felipe, o que você quer dizer com as suas obras, que tanto nos tocam?
Felipe, que nesta época já era mais do que putrefato de rico⁴, mexeu no cachecol xadrez que usava (apesar do calor de 40 graus do verão do Mar de Fevereiro), abaixou os óculos de sol Dullberry⁵ e lançou um olhar sarcástico para o repórter, com um sorriso no rosto:
– Absolutamente nada, mon cherie. Absolutamente nada.
A repórter engoliu em seco. A manchete estampou os jornais pernileiros: “’Minhas obras não significam nada’, diz artista mais famoso do mundo”. Não podia ser mais concreto.
O Pernil foi à loucura. O valor de mercado de Felipe dobrou, assim com a sua fortuna.
Porque não tem nada que pernileiro goste mais do que fingir que entendeu alguma coisa. Como esta crônica, por exemplo.
¹ Rede social para postagem de fotos, provavelmente a mais famosa do planeta areia. As pessoas adoram postar fotos de tudo: e com frequência até mesmo uma sequência que vai desde a confecção de um determinado prato, até o seu consumo e… Bem, o ponto final.
² Também conhecidas como celebridades “Kinojo”, em referência à marca mais famosa de macarrão instantâneo do planeta Areia.
³ O Museu do (Dieu ne) Livre é o museu mais famoso de todo o planeta Areia. Originalmente, seu nome era apenas “Livre”, querendo dizer que era um ponto de livre expressão para a população mundial. Entretanto, com o passar do tempo, foram expostas tantas coisas asquerosas, que logo começaram a adotar o nome não oficial “Dieu ne Livre”, querendo dizer, em uma mistura de trancês com potroguês, Deus me Livre. Considerando que expuseram as obras do Felipe, dá para entender por quê.
⁴ Sim, ele era tão rico, mas tão rico, que a palavra Podre não era suficiente.
⁵ Marca famosíssima de roupas e óculos. Tão famosa e exclusiva que, só para escrever seu nome nesta crônica, eu tive de pagar 2.000 pseudos.

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais