O fatídico encontro entre o Chato e o Rabugento
Como vocês sabem, meus caros leitores, o chato é um cara irritadiço (além de chato). Como eu disse uma vez, ele é extremamente detalhista, cheio de pequenices, um pé no saco, de modo que basta uma coisa sair da rotina ou não estar do modo ao qual ele está acostumado para que ele exploda. Como todo chato, ele é curiosamente baixo, com uma circunferência maior do que a altura, e usa óculos e uma peruca ridícula para encobrir a precoce queda de cabelos. Apesar de tudo, ele ainda é meu amigo (eu tenho uma paciência fora do comum!).
(Na verdade, existem chatos de vários tipos, mas este é o padrão-ouro dos chatos).
Um dia estávamos eu e o meu distinto amigo indo para um restaurante no qual ele costuma comer, quando encontramos um problema: a mesa onde o chato sempre se senta estava ocupada, e por ninguém menos que o seu arqui-inimigo, o Rabugento.
Como quase todos sabem, rabugentos têm um tipo de característica própria da sua raça. São altos, magros, de cabelos brancos, nariz grande e fungante e andam com as costas arqueadas. Com eles não se pode nem manter uma conversa, ou sequer se pensar em começar, que a sua rabujice explode em todo o seu esplendor. Portanto, se vocês virem um desses na rua ou em qualquer outro lugar, corram. Corram e nunca, nunca olhem para trás.
– Esta é a minha mesa – começou o chato.
– Não vejo seu nome nela – retrucou o rabugento.
– Esta é a mesa na qual eu me sento todos os dias, neste horário!
O outro o encarou com um sorriso malicioso.
– Diz pra ele! – ordenou a mim o chato.
– Ele senta todo dia nesta mesa – repeti, sem emoção.
– Viu? Agora, por favor, saia daí. Você sabe muito bem que eu devo me sentar nesta mesa.
– Sabe, eu estava quase saindo, mas agora, só porque você falou, acho que vou pedir mais um sanduíche.
– Cai fora, seu rabugento! Esta mesa é minha e você sabe disso! Esta é a melhor mesa do restaurante! – gritou o chato, fora de si.
Pessoas começavam a nos encarar, conforme o rabugento remexia seu magro traseiro na cadeira estofada, para mostrar o quão confortável era.
– Ah, delícia!
– Sai logo daí!
– Ei, amigo – falei em tom apaziguador. – Vamos para outra mesa, não tem problema, ele já está sentado aí, não faz dife…
– Claro que faz diferença! – gritou o chato, batendo os dois pés no chão. – Eu sempre me sento nesta mesa! Ela é minha!
– Vamos, isto está ficando ridículo.
– Ei, garçom! Garçom! Você aí!!
Um atendente sem aproximou, com medo.
– O-oquê? – balbuciou.
– Tire este homem daqui! Esta mesa é minha!
As pessoas o encravam em desaprovação, enquanto eu tentava esconder a minha cara olhando para o carrinho de sobremesas.
– Desculpe, senhor, mas ele chegou primeiro. Temos muitas outras mesas dis…
– Mas eu quero esta mesa! Ela é minha!
Os outros clientes começaram a vaiar.
– Eu quero esta mesa! – berrou o chato.
– Eu tenho um sonho – começou o rabugento, levantando-se. – Um sonho onde qualquer um pode se sentar à mesa que quiser! Um sonho no qual todos podemos sentar lado a lado, como irmãos, sem brigar por lugares!
Aplausos irromperam, como apoio ao rabugento, seguidos por pedidos para que o chato tomasse outro lugar e não mais perturbasse a paz, de modo que logo me vi, junto dele, sendo empurrado para me sentar a uma mesa no fundo.
– Isso não está certo. ISSO NÃO ESTÁ CERTO!!
– Fique calmo. Vamos fazer o nosso pedido e…
– Não, David. Nós temos de nos preparar.
– Para quê?
– Para a minha vingança! Aquele velho vai ver o que é bom para tosse!
– Ah, não! – pensei, escondendo-me atrás de uma xícara gigante de café-com-leite.
– Me aguarde, rabugento! – riu o chato, enquanto a conversa voltava e o rabugento mordiscava confortavelmente o seu sanduíche. – Me aguarde!

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais