Labirinto
Ele se postou em um pedestal, diante de todos.
– Caros senhores! Atrás destas portas, estão os caminhos que vão levar até mim – ele disse.
Todos os ratos encararam as mais diversas portas, cada uma feita de um jeito.
– Se chegarem até o final deste labirinto, eu lhes prometo que, depois de morrerem, terão paz e tranquilidade por toda a eternidade! – prosseguiu o cientista.
– Mas, para onde vamos, depois do labirinto? – perguntou um deles.
– Para um lugar lindo! Tão lindo, que é até difícil de descrever. Nada lhes faltará!
– Podemos ver fotos?
– Não tenho fotos. Não tenho como mostrar. Vocês precisam acreditar!
– E aquelas portas ali? – questionou outro, apontando para pequenas portas de madeira, barro ou uma simples a entrada de uma caverna.
– Esses caminhos não levam para mim. Vocês até podem começar por lá, mas precisam mudar no meio, ou não vão concorrer ao prêmio. Aliás, isso é fato! Para tornar este jogo mais interessante, cada caminho deste labirinto leva para uma versão minha, mas apenas uma é a correta!
– Como assim? – questionou um deles. – Como vamos saber qual é a certa?
– Só no final! Não é divertido? – o cientista falou, empolgado. – Lógico, vocês terão pistas no meio do caminho e podem trocar de trajeto a qualquer momento, mas só podem chegar à minha versão que escolherem por um deles!
– Certo…
Os ratinhos se entreolharam.
– Mas, não é só isso. Não basta chegar ao final. Vocês precisam chegar vencendo todos os obstáculos!
– Tá, até aí, sem novidade. Quem já viu labirinto sem obstáculos? – murmurou um.
– E seguindo todas as regras de comportamento.
– Regras? – ele guinchou, surpreso.
– Sim! – disse o cientista, sorrindo. – Vocês precisam controlar todos os seus impulsos animais. Nada de comer demais. Nada de preguiça. Nada de agredir o outro. Aliás, se for agredido por alguém, haja com paz, naturalidade e não reaja. Não preciso dizer, nada de matar o outro. Bem, exceto por um dos caminhos, lá você ganha pontos se morrer matando o pessoal de outro caminho, mas a gente discute sobre isso quando chegar o momento. Ahm, nada de desejar a mulher do outro. Aliás, nada de sexo antes do casamento, ehm?
– Casamento? – perguntaram alguns.
– Sim! É quando um rato e uma rata que se amam se juntam, com a bênção concedida por mim, por meio de um representante meu na Terra, quer dizer, no labirinto. E aí, sim, vocês têm permissão para se reproduzir.
– Mas… Eu não posso fazer isso antes?
– Daí você perde pontos. Não pode.
– Mas, só perde pontos, ou sai do jogo?
– Depende do caminho.
– Daqui a pouco vai dizer que também não pode beber… – murmurou outro.
– Dependendo do caminho, não pode, mesmo! – exclamou o cientista, rindo.
– E se a gente não quiser entrar no labirinto? Só quiser ficar aqui na gaiola, comendo, bebendo, fazendo exercício na rodinha, fazendo sexo à vontade…?
– Daí, agora que vocês sabem do labirinto, vocês não vão concorrer a um lugar no céu, digo, naquele lugar maravilhoso depois da morte.
Os ratinhos piscaram os olhos, moveram seus bigodes, coçaram as orelhas, encarando o cientista de óculos fundo de garrafa diante deles.
– Tá bom, peraí, deixa eu ver se eu entendi – disse um deles. – Você está dizendo…
– O Senhor, por favor.
– Tá. O senhor está dizendo que, se a gente seguir por algum destes caminhos, a gente tem a chance de ir para um lugar melhor depois de morrer. Só que, para isso, a gente precisa seguir um monte de regras sem sentido, seguir por um caminho que não temos certeza se é o correto, correr o risco a qualquer momento de cair…
– Ah, é verdade, esqueci de falar. Dependendo do que você faz, você cai num alçapão e vai direto por um caminho de dor e sofrimento pelo resto da eternidade.
Os ratinhos piscaram novamente.
– Ceerto… – continuou o outro, incerto. – Correndo o risco, então, de um sofrimento inimaginável.
– Exatamente! Não é demais esse jogo?
– Ou a gente pode seguir por outros caminhos, que não necessariamente levam para algum lugar…
– Isso! Isso! Está entendendo bem! E você pode ganhar pontos extras se, no meio do caminho, fizer oferendas para mim, ou buscar minha ajuda sempre, ou ajudar os outros.
– Quer dizer, ajudar os outros para ajudar a nós mesmos?
– Exatamente! Viu como eu sou bonzinho? Não é só sofrimento!
– Tá… – ele falou, coçando o bigode. – Ou a gente pode simplesmente continuar aqui, na nossa gaiola, seguindo a nossa vida. E, se não fosse por você, digo, senhor, a gente não correria o risco nem de sofrimento, que me parece muito mais provável, nem de paz eterna, que parece muito difícil de conseguir.
– Não, não é bem isso! Eu tenho certeza de que, se vocês se dedicarem, e seguirem pelo caminho certo, é claro, vocês vão conseguir! Ah, eu já disse que o caminho certo muda de tempos em tempos?
Os ratinhos todos se entreolharam e, pegando suas coisas, deram meia volta e retornaram às suas gaiolas, deixando o cientista sozinho em seu pedestal.
Ele olhou em torno de si, para tudo que havia construído, o seu labirinto cheio de artimanhas e obstáculos, um entretenimento maravilhoso que o manteria por anos sem fim.
– Talvez eu precise trabalhar um pouco melhor no meu marketing para a próxima geração de ratos. Será que, se eu disser que, agora que eles sabem do labirinto, se eles não entrarem, eles vão para o lugar ruim? Não consigo nem convencer ratos, como será que os humanos caíram nessa?

O Dr. David sempre sonhou em ser médico e, especialmente, em cuidar de crianças. Formou-se em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e, após dois anos trabalhando como médico generalista, onde pôde atuar próximo a famílias pobres e conhecer suas dificuldades e os diversos problemas do sistema de saúde brasileiro, começou a residência em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Leia mais